Uma vez que já havíamos falado
alargadamente da estrutura literária e da forma dialogante entre a
adaptação em banda desenhada de Cooke e os romances de Stark,
passaremos à leitura imediata dos livros em si. Ficando ainda a nota
de homenagem ao artista, cuja morte foi uma surpresa triste há tempo
recente.
Cada um dos volumes de Parker
lê-se com efeito como uma novela centrando-se nos “trabalhos” a
que o criminoso se entrega. É curioso como apesar de o acompanharmos
e termos mesmo direito de ir compreendendo alguns dos mecanismos
psicológicos que o movem, e o tipo de “ética”, se assim se pode
dizer, que pautam o seu profissionalismo, há sempre um limite curto
desse mesmo conhecimento. Parker é ainda um homem misterioso,
silencioso, que não se deixa endrominar por explicações fáceis.
Todavia, essa distância com o leitor é também aquilo que impede
uma qualquer empatia ou simpatia total por uma personagem que não
esconde de forma alguma ser um sociopata (mesmo que isso seja fruto
das alterações mais violentas operadas por Cooke, e não as novelas
originais, mais de 20, datadas da década de 1960-1970): machista,
violento, ladrão, assassino, etc.. Mesmo os pequenos laivos de
“amizade máscula” que ele demonstra para com os seus colegas não
será suficiente para o redimir face a uma moralidade humana
societal. Mas as novelas policiais, já o havíamos dito, não são
habitadas por flores que se cheirem… e há criações tão famosas
com criminosos como personagens principais quanto com heróis e
justiceiros. (Mais)
O livro 2, A organização,
mostra Parker a exercer uma vendetta implacável contra uma
das maiores máfias dos Estados Unidos, em perfeita continuidade com
o volume anterior. Como o próprio Parker é uma ponta por resolver
dessa organização, tentam eliminá-lo, mas Parker constrói uma
rede de colaboradores que serve de força contrária, minando os
interesses da organização, e permitindo o espaço para a sua
vingança final. Trata-se de uma novela de intrigas, alianças pouco
saudáveis e de um retrato, talvez fiel, de como as economias
paralelas das organizações criminosas norte-americanas nos anos
1950-60 faziam os seus negócios. O golpe, o terceiro volume,
é um “trabalho” bem distinto, pois nasce como “encomenda”
por um tipo externo às equipas usuais de Parker. Aceite o desafio do
assalto às finanças de uma mina isolada de cobre, monta-se um
pequeno exército que elabora um plano marcial e preciso para esse
efeito. Até ao momento em que o elemento surpresa estala esse mesmo
plano.
Totalmente centrados na intriga, sem
demais, a elegância da sua montagem está na acuidade com que cada
gesto é cumprido para atingir os objectivos finais. Dessa forma,
Parker faz parte do discurso mais clássico do género. Se
houver tema secundário a explorar no fundo, porém, poderíamos
dizer que nos dois casos o grande tema é o da fidelidade entre
criminosos. Não há propriamente uma preocupação em construir de
forma profunda todas as personagens (parece que Grofield é
protagonista de uma outra série de novelas do escritor), mas apenas
na medida das necessidades da acção, e sempre com Parker como alfa
e ómega dessa mesma rede.
Cooke encontra uma forma feliz,
parece-nos, de adaptação. Em termos narrativos, teria que se fazer
uma leitura compulsiva do original para compreender quais as
alterações feitas, para além da maior glamourização e até
banalização da violência, cumprida por Cooke mas nem sempre
assegurada por Stark. Mas no que diz respeito à abordagem visual, é
a assinatura retro típica de Cooke que permite estas
variações entre a leveza e o sombrio, entre o cómico e o soturno,
que vai permitindo as flutuações de humor e suspense das novelas.
Podíamos imaginar que o uso das cores
corresponderiam a um qualquer significado geral interpretável de
forma simbólica, simples (o laranja de O golpe como eco da
missão paramilitar, ou as explosões e fogo apocalíptico do final,
o azul petróleo de A organização como um blues
soturno), mas estamos em crer que não se justificaria. Mais
importante é notar as diferentes estratégias de composição de
página e adaptação do storytelling estrutural e visual
conforme cada história e até mesmo cena. No segundo volume, os
ataques sucessivos aos negócios da máfia atacada toma todo um rol
de formas distintas, como se se tratassem de citações de várias
fontes distintas: um artigo de jornal, um manual de instruções, uma
brochura institucional. Mais importante é a maneira como Cooke
altera mesmo até a figuração das personagens nessas secções,
procurando uma leve mimese com estilos de artistas da época. Cooke é
um autor sério, no sentido em que não procura criar pastiches
e compreende as suas limitações, mas é impossível não perceber
os momentos em que lança mão das linhas expressivas e excedentes e
segunda cor da publicidade, as figuras abonecadas dos cartoons e
tiras de humor, ou os diagramas metamórficos de uma animação
institucional. Em O golpe, procuram-se momentos de introdução
das personagens, por exemplo, numa forma icónica “fora” da
fluidez narrativa, e há mesmo recurso a citações cinematográficas
de uma forma mais sustentada (as fantasias cinéfila-musicais de
Grofield). Compreendendo que cada uma das personagens tem como modelo
colegas de trabalho e amigos de Cooke, esse jogo de referências
intertextuais ganham outra espessura.
Esta diversidade gráfica é, todavia,
apenas formas de procurar uma maior dinâmica visual em histórias
bastante lineares e clássicas. Em ambos os casos, temos aqui duas
grandes “fitas”.
Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta dos volumes.
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