10 de abril de 2005

Mattt Konture. Les Contures (L'Association)


Há uma característica do barroco – movimento a que a História de Arte resolveu associar aos termos morais de “exagerados”, “supérfluos”, “etc.” – que Deleuze elegeu como ponto de partida para um certo entendimento do fazer-arte: a “dobra” ou “plissagem” (le pli, em francês). Mundanizando este conceito, é o que nos permite, ao olhar um ponto fixo, desdobrá-lo ou desplissá-lo para descobrir que mundo se escondem nas pregas no interior e assim sucessivamente...
Este é um álbum que desvenda, explica, para depois complicar e obscurecer de novo. Há como que uma busca, um “fio vermelho” que se segue, e que atravessa as memórias de infância do autor, quer as de eventos reais, quer a de eventos sonhados, quer ainda as que se entalam a meio, como as visões hipnagógicas – tal como divulgado por outro companheiro de arte, citado, que é Zograf. Mas também explicitando que essa pesquisa das fontes faz assumir o risco de fazer perder a aura romântica, e revalorizando-a doutro modo, entendendo que esses “locais” são intocáveis...
Não sou particularmente um fã de Mattt Konture, já que me parece demasiado próximo de um Crumb ou até, mais recentemente, de uma linha próxima à de Julie Doucet para conseguir encontrar linhas de força que lhe sejam singulares. Mas esse pode ser um problema da minha leitura.... No entanto, este álbum parece-me bem diferente dos outros. É escrito para a filha, o que pode trazer logo uma diferente dimensão do propósito quando não é simples e necessária expressão, e atinge graus de uma intensidade insuperável, sobretudo as primeiras 5 a 7 páginas, que dá conta precisamente desse desdobrar que tentei descrever acima. Só elas, e depois o ponto alto do “soleil sombre” quase no fim, valem a entrada neste livro.
A possível combinação de lâmpadas de jardim + galinha depenada + personagens de desenhos animados dá origem a essa estranha criatura que dá pelo nome de “conture” (dando assim conta que este livro é também uma espécie de confissão d’arte) que surge só para poder preencher um vocábulo existente (uma curiosa inversão entre as teorias linguísticas, com a primazia para o objecto referencial sobre a palavra designante, mas que não surge aqui como linha operativa das considerações) mostra essa possível disseminação de fontes, ou melhor, permanente movimento de convergência-divergência, que Konture elege aqui como mecanismo de criação/produção.
Se bem que não deixe de fazer entrar traços que bebem da banda desenhada underground dos anos 60 ou das autobiografias de um Joe Matt, por exemplo – apesar de Konture trabalhar há mais tempo que isso, e o que existe é antes coincidência de fontes, não de mútua influência – Les Contures surge mais na categoria de um “ensaio” sobre a arte do desenho e da banda desenhada do que um álbum narrativo propriamente dito. Tendo sido cada “episódio” publicado esporádica e afastadamente na revista da L’Association, notar-se-ão as flutuações do traço, das direcções, e até da unidade do livro.
No entanto, essa fragilidade acaba por se tornar um dos pontos fortes de um livro que pretende, precisamente, autoanalisar as estratégias da sua própria emergência. Posted by Hello

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