Apesar de escrito em parceria com Peter Poplaski - que já tanto trabalhou na bd underground como na mainstream, foi o desenhador oficial do caso judicial entre Todd McFarlane e Neil Gaiman, a propósito do Miracleman, e hoje é pintor (e imitador de Zorros!) -, este é um livro sobretudo na primeira pessoa, com Crumb a dispensar-nos mais umas vistas para a sua biografia completa, a sua psique e o seu trabalho. Com pouco menos que 450 páginas, este livro pretende, depois de tantas outras publicações, do documentário de Zwigoff, e até mesmo das confissões espalhadas pelos trabalhos do autor, ser uma espécie de tijolo definitivo do retrato de Crumb.
Todas as facetas – vejam a bd das páginas 186-187 – do artista são aqui exploradas: a de autor de uma das mais marcantes criações de banda desenhada, cujo rasto de influência foi incontestável, para bem ou para mal, a de criador de personagens/imagens que, malgré lui, acabaram por ganhar autonomia, assumir novos significados e escapar aos propósitos originais (Fritz the Cat, Keep on Truckin’, são os exemplos mais óbvios), ou de outras que assumem quase o papel de mitos (Mr. Natural, Flakey Foont, Devil Girl, Yeti, Whiteman, Mode O’Day – os anos 80, que irritantes! – Angelfood McSpade, e outros...). Exploram-se aqui as ligações familiares e as artes de cada membro – não só os seus irmãos, como depois da sua mulher actual e a filha deles, Sophie. Explora-se toda a sua infância, desde a educação e subsequente libertação da mesma, reproduzindo-se as bandas desenhadas preferidas (da infância) de Crumb, assim como outros elementos da cultura popular do seu tempo, na tentativa de desvelar possíveis “fontes”, quer criativas quer sexuais, uma outra obsessão largamente explorada no livro, sejam elas as mais que confessadas e explícitas às menos imaginadas. Exploram-se todas as consequências do seu trabalho na sua vida, passando pela “carreira cinematográfica”, os objectos de arte derivados das bandas desenhadas, as exposições “sérias” em locais “respeitados” – repetem-se as palavras do crítico Robert Hughes no filme de Zwigoff, de Crumb ser o “Brueghel da segunda metade do século XX”... enfim, exploram-se todos os cantos.
O livro segue uma estrutura muito livre, passando da organização temático-cronológica dos textos para a inclusão de reproduções de trabalhos, inúmeros trabalhos nos mais diversos estilos, que mostram ser Crumb um desenhador exímio, mesmo virtuoso: desde as bds misóginas às revolucionárias, às “drogadas” e místicas às blues-biográficas e autobiográficas, a pequenas pérolas como os fanzines criados com ou sem o irmão Charles (Foo, Note), talvez mesmo alguns inéditos. Pelo menos, eu nunca tinha visto em livro (só em poster) uma versão colorida de A Short History of America.
Para além disso, intercalam-se testemunhos de amigos, colegas, mentores (Barks, Kurtzman), familiares, ou de outras fontes que ganham mais uma dimensão pela aproximação a Crumb (Rod Serling, Jung). A cereja no topo do bolo é um CD, R. Crumb’s Music Sampler, “contendo selecções gravadas pelos vários conjuntos com quem R. Crumb se tem divertido a tocar na sua longa mas mal-enjorcada carreira musical, de 1972 a 2003”; com 20 faixas, todas agarradas a uma certa veia folk dos Estados Unidos ou de França. Uma banda sonora perfeita por este (curto!) passeio pela incrível e magnífica carreira de mais de 40 anos de Robert Crumb.
7 de julho de 2005
The R. Crumb Handbook. Robert Crumb e Peter Poplaski (MQ Publications)
Publicada por Pedro Moura à(s) 4:35 da tarde
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