Songs é um pequeno livro que reúne dezassete histórias curtas em
prosa, acompanhadas por um desenho, cuja relação com esse texto não é de todo a
de uma ilustração tout court, mas procurando
complementaridades visuais que não estavam previstas. E havendo ainda alguns
desenhos extra, com cenas aparentemente sem relação quer com as outras cenas
visuais quer com a matéria dos contos. (Mais)
Na verdade, chamar de “contos” é já uma decisão de
categorização que pode não corresponder à natureza mais aberta e delicada
destes textos de Fazenda. Não se tratam de facto de mini-histórias, de
anedotas, de entradas num diário confessional. São antes blocos que burilam
sensações, observações, quiçá episódios reais do autor, mas apresentados como
sucessivas situações sem outro elo entre si que não o da própria condição da
vida humana. Escutar os outros, ver os outros, aproveitar os saldos, conviver
com amigos, aprender línguas diferentes, chegar a uma outra cidade. Poder-se-ia
ler este livro à luz da vida do autor em Londres, o caminhar de uma nova
experiência (ler “Rock and roll” como o conselho inicial)? É possível, mas que
sabemos nós da vida pessoal do autor para a empregar na leitura do livro que
temos nas mãos? Antes olhemos para ele, mais os seus desenhos a curtos traços
cumulativos e os seus breves, mas tocantes, textos. Como se se tratassem de poemas de Frank O'Hara ou alguns dos nossos poetas "sem qualidades".
De cariz doméstico, urbano, humilde, melancólico, calmo,
ligeiramente surreais ou absurdas, triviais na sua maioria, as micro-histórias
de Fazenda estendem-se de uma maneira que tem menos a ver com a quantidade – apresentarem
um princípio, meio e fim estruturados narrativamente em meia-dúzia de frases –
do que a criação de uma situação, com ou sem personagens claras, cuja
ambivalência se mantem do início ao fim do texto. Como se lê em “Superfictions”,
“uma história desprovida de sombras, liberta das origens”.
A opção de chamar “canções” a cada peça é reforçada visual e
formalmente pelo facto do livro se poder aparentar com os booklets de um CD, ainda que ligeiramente maior, e o índice ser
apresentado na contracapa como se faixas de um disco se tratassem. Os textos em
si não possuem qualquer tipo de abordagem estilística e prosódica que permita projectar
um ritmo musical, e são com efeito mais narrativas que poéticas, no sentido em
se manterem concentradas numa organização espácio-temporal e focadas num acontecimento
coerente, não obstante o que foi dito acima.
Impresso a três cores - vermelho, azul, verde – que jamais
se cruzam, e a risografia, Songs vem
instalar-se em toda uma classe de objectos impressos e múltiplos que têm sido
procurados por vários artistas, fazendo-os regressar a um tempo de auto-edição,
mas permitindo ao mesmo tempo que não seja somente um fanzine clássico fotocopiado.
Seja pela própria técnica de impressão, que possui algumas características
materiais que faz emergir uma qualidade táctil e única, seja por pormenores de
encadernação ou outros (que Songs não
procura, numa abordagem bem simples), estes objectos podem ser vistos como “grafzines”,
isto é, em que a imagem total atinge um grau cuidado de apresentação e beleza.
Songs vem então trazer uma faceta algo modelada do autor. Com
Dança já, ou mais uma vez, havia mostrado
a sua capacidade em pensar um livro total a solo (com apoio editorial,
seguramente). Trama mostrava a pulsão
para criar a partir do desenho. Em Songs,
unem-se as linhas todas, ainda que se fragmente o modo de o dizer.
Nota
final: agradecimento ao autor, pelo envio da sua publicação.
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