O
lançamento do primeiro volume desta série faz esperar por uma
tendência de alguma saudável diversidade em relação à banda
desenhada para um público mais infantil, que não passe nem pelos
grandes impérios comerciais costumeiros (se bem que este
seja igualmente um produto da indústria massificada de
entretenimento e consumo, não tenhamos dúvidas), nem por uma
subsunção a princípios pedagógicos moralizantes, criados por uma
comissão de marketeers
e pedagogos. Adventure
Time,
ou Hora
de Aventuras,
é apesar de tudo um projecto autoral, algo doidivanas e divertido. O
que poderá, todavia, ser precisamente um dos factores que cria
obstáculos junto aos progenitores do seu público-alvo. (Mais)
Uma
vez que falámos desta série na sua forma original norte-americana,
remetemos a esse texto para outras dimensões e contextos. Focaremos
aqui outros aspectos. O primeiro tem a ver com a recepção que, à
falta de uma abordagem verdadeiramente sociológica, com dados,
apenas pode passar por uma observação superficial e pessoal.
Com
efeito, nos dias que correm ainda encontramos pessoas que – sejam
simplesmente leitores, pai, ou até profissionais de ramos
relacionados com estes títulos, ou tudo isso - estão presas a
perspectivas limitadas à experiência e nostalgia em relação às
séries de animação da sua própria infância, esquecendo muitas
vezes que teriam a mesma qualidade e/ou problemáticas de dinamismo e
diálogo (ou falta deles) com as gerações dos pais (então mais
velhas). Por isso, ao seu ver, “a animação já não é o que
era”, impedindo-os assim de apreciarem as circunstâncias e as
conquistas específicas que novas séries conseguem. E de facto,
olhando para o panorama da animação em séries comerciais de grande
distribuição contemporâneas, a Cartoon Network tem particularmente
um excelente catálogo de séries com um extraordinário
worldbuilding
(a estruturação de um universo ficcional coerente),
desenvolvimentos narrativos complexos e ricos em termos de
exponenciação de apreender o mundo em termos de representação,
conflito versus
colaboração, e, acima de tudo, desenvolvimento de personagens, a
nível psicológico, emocional, cultural e, porque não? (ou como
não?, melhor dizendo), político. Hora
de Aventuras
é uma dessas produções, ao lado de The
Regular Show,
Clarence,
Nós,
os ursos,
O
incrível mundo de Gumball
e a mais complexa e completa de todas, a nosso ver, Steven
Universe.
Bom, também há o Titio
Avô,
mas apenas os não-fãs do Boi
Bocas
ou de Ren
& Stimpy
poderão atirar a primeira pedra…
Apesar
de não estar indicado em nenhum lado, a história que ocupa a parte
de leão deste volume publicado pela Devir baseia-se em material da
série de animação. Possivelmente a trilogia dita “do The Lich”
(que engloba o 26ª episódio da quarta temporada e os dois primeiros
da seguinte), e no qual estiveram envolvidos artistas como Thomas
Herpich, de quem havíamos falado nas suas primeiras experiências de
banda desenhada, Jesse Moynihan, de quem também falámos, e Rebecca
Sugar, criadora de Steven
Universe.
Mas a história em si é original para a banda desenhada,
aproveitando apenas alguns elementos e propondo outra distribuição
de acontecimentos. A história principal deste volume é escrita por
Ryan North, o qual tem escrito a série juvenil e meta para a Marvel,
The
Unbeatable Squirrel Girl. Compreende-se
portanto aqui uma mescla incrível de mundos e referências, tal como
já havíamos aventado no texto anterior sobre a série, quando
falámos dos artistas participantes. Ainda assim, repare-se como não
surgem os nomes dos autores na capa (mas sim na contra-capa),
ponderando esse peso “autoral” com o facto da “autoria
original” (de Ward) e da propriedade.
Versão
portuguesa da série de revistas publicada pela Boom! Studios (o
departamento infanto-juvenil), este volume apenas colecciona a
história principal que saíra nelas, e não os relatos mais curtos.
Tendo em conta a quantidade de material que tem saído afecta a esta
série (e outras animações do Cartoon Network) em Portugal, quer
pela revista da Cartoon
Network
da Goody, a qual apenas esporadicamente inclui histórias curtas, e
que as edições espanholas da Norma Editorial mal atravessam a
fronteira, a Devir aposta portanto em livros com histórias
completas, que fomentem as “necessidades” por histórias maiores.
Possivelmente, se a recepção ultrapassar um determinado patamar, e
poder alimentar estas tendências contemporâneas, poder-se-ia
adivinhar a aposta da editora em outras séries congéneres para
públicos diferenciados.
Desta
feita, este volume faz justa concorrência a um público-alvo que,
até à data, apenas tinha como material apropriado as revistas da
Disney ou da Maurício de Sousa, por exemplo, antes de caminharem
para certo tipo de mangá (shonen,
sobretudo), comic
books
de super-heróis ou álbuns de aventuras genéricas. Neste sentido,
poder-se-ia dizer que onde Hora
de Aventuras
é uma tendência mais shonen,
poderia haver uma busca por material mais shoju
com Steven
Universe,
mais transversal como Gumball,
ou até unindo este mundo com o do mainstream
dos
super-heróis,
abrindo espaço aos Teen
Titans Go!
Para
além da história principal, existem uma série de interrupções à
intriga com material desviante, que aumentam a carga de apartes já
previstos na própria história. O volume da Devir apresenta ainda um
complemento
na colecção
de
capas feitas
por vários artistas para a série original (inclusive capas ditas
“variantes”). Já havíamos falado deste aspecto igualmente, e é
muito curioso encontrar aqui uma série de “reinterpretações
gráficas”, de autores como Michael DeForge, Jeffrey Brown ou
Emily Carroll, que nos remetem imediatamente a um projecto paralelo
destas personagens nos elementos recorrentes destes artistas, assim
como composições que são homenagens a outras referências, como o
uma capa repescando a primeira aparição do Quarteto Fantástico ou
o famoso poster de Totoro….
Um
aspecto importante e distinto desta produção, também discutido, em
relação a outras possibilidades, é que o desenho dos artistas
envolvidos (neste caso Shelli
Paroline e Braden Lamb na história principal, Mike Holmes e
Stephanie Gonzaga para material adicional, e Chris Houghton nas capas
“oficiais”) não
se confunde totalmente com um “estilo da casa” homogéneo.
Existem muitas características, aspectos que flutuam, pormenorização
e acrescentos que são bem diferentes do resultado da animação de
estúdio. Isto para além de todas as óbvias especificidades da
banda desenhada. Este é também um factor importante num outro tipo
de pedagogia do desenho e da criatividade que nem sempre é claro ou
discutido de forma directa na consideração destas séries.
Agora
é esperar que o Conde de Limadrão venha desfazer tudo.
Nota
final: agradecimentos à editora, pela oferta do volume.
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