Este pequeno volume parece ter
vários propósitos. O autor, alimentando a ambição de uma obra de maior fôlego
com as mesmas personagens há algum tempo, encontra nesta história de uma
trintena de páginas uma oportunidade de providenciar um público mais vasto com
a apresentação dessas mesmas personagens. Dessa forma, poderia ser visto como
uma primeira abordagem, a nível de recepção crítica, comercial e até, bem
vistas as coisas, para a própria experiência do autor em produzir de modo
completo a publicação. (Mais)
Este primeiro volume dos Contos é, portanto, fora das redes
sociais, a primeira apresentação da personagem Planta, uma criatura vegetal com
capacidade de pensamento e movimentos aparentados aos de um ser humano, e
parece prometer-se como uma espécie de herói das suas narrativas. Porém, apesar
de haver toda uma série de géneros e territórios criativos com os quais se
aparenta ou cria redes intertextuais e de referência, ele pautar-se-á sobretudo
por gestos de diálogo, compreensão, humor e cooperação, e não por acções
heróicas de violência ou sacrifícios.
Pela própria configuração do
personagem, o Planta recordará alguns leitores de personagens tais como Earthworm
Jim ou Johann Kraus, do BPRD, no sentido em que temos um contorno de corpo
aparentemente humano mas animado por algo que não o é totalmente. O Planta
inicia-se tão-somente como um broto mais inteligente e curioso que os demais companheiros
de relvado, dado a sonhos de grandeza e aventuras. Graças a uma arcana tecnologia,
o Doutor Mantis (que parece um louva-a-Deus antropomorfo) entabula uma relação
com essa planta e desenvolve-lhe um corpo que lhe permite não apenas a locomoção
tão desejada, como a capacidade dar início então às tais aventuras projectadas.
Este volume mostrará, então, apenas uma delas, simples, concentrada e abrirá
espaço ao seu mundo diegético.
Como o próprio título indica, trata-se de um conto, e nesse
sentido, essa unidade é respeitada. Há uma unidade de acção, de tempo e lugar,
que a torna uma espécie de fábula mágica para um público alargado, inclusive um
público mais jovem. A inclusão de outras personagens, todas animais da
floresta, e uma criatura tremebunda feita a partir de cogumelos, faz imaginar
toda uma série de reinos separados e que poderão instigar rivalidades e colaborações
curiosas (de certa forma, recordando o que acontecia com os reinos do Verde, do
Vermelho, do Cinzento, do Podre, etc., na DC, mas com um carácter mais
singelo). Mas a linearidade da história, a apresentação sucessiva de etapas, a
expectativa dos conflitos e a resolução por mecanismos ex machina vêem reforçar a qualidade de conto tradicional infantil. De
todo o modo, esta narrativa, cujo título específico é “Shitakes não nascem em
tumbas”, parece querer mostrar-se como apresentação das personagens, plataforma
da capacidade de colaboração entre elas, e providenciar um simples conto de
final feliz e até humorístico.
Adicionar legenda |
Ravaglio é detentor de um trabalho gráfico de grande
diversidade, e grande parte da sua força reside num trabalho burilado de linha,
de grandes pormenores e de moldar a grafite em formas próximo da gravura, deixando visíveis densidades várias e planos diferentes (veja-se este exemplo de uma página para o romance previsto, Um bípede entre plantas, enviada com gentileza pelo autor). A opção deste
livro, porém, é a de lançar desenhos mais suaves, e depois coloridos de forma
diáfana, mas diversa, recordando lápis de cor e delicadas passagens de
aguarela. O que parece adequado á natureza precisa do conto. Há uma ligeira
discrepância entre os momentos de apresentação mais dramáticos, barrocos de
pormenor e composições vistosas, e outros momentos mais de passagem, digamos
assim, em que se encurtam os processos de desenho e simplificam as formas. Mas
a ideia de ter essa diversidade explica-se pelos diferentes ambientes, até mesmo
aos flahshbacks, e não de haver
coerência.
Sem comentários:
Enviar um comentário