15 de fevereiro de 2016

Creating Comics as Journalism, Memoir, and Nonfiction. Randy Duncan, Michael Ray Taylor e David Stoddard (Routledge)

Na sua complexa história, impossível de resolver de modo absoluto, a banda desenhada não nasceu de forma alguma no campo da ficção, abrindo-se depois, paulatina, à não-ficção. Sempre houve um convívio entre um e outro, não estivesse a banda desenhada, nos seus primeiros passos mediáticos e sociais, ali para os lados do século XVIII e XIX, associada ao desenho e caricatura de imprensa, e a imprensa a toda a sorte de fins, e não houvesse coincidência de desenvolvimentos técnicos, criação de públicos e cultura, partilha de autores. O que hoje tem nomes e cultivos distintos não foram nunca rios totalmente separados, mas redes de canais que se entrosavam uns nos outros. Contudo, como se sabe, há toda uma percepção social que foi alimentada por práticas efectivas que afastariam a banda desenhada, na sua maioria de produção, assim como canais de circulação, de fins que não o do entretenimento ou de uma pedagogia mais ou menos controlada. É a contemporaneidade que tem trazido uma multiplicação de estratégias que, por seu lado, permite que se façam novos gestos de balanço e reconsideração da história e prática. (Mais) 

Creating Comics… vem num momento em que uma parte significativa da banda desenhada de maior sucesso crítico não é ficcional. Pense-se em Maus, Persépolis e Fun Home, sim, mas também na obra de Joe Sacco, de Seth Tobocman, de Philippe Squarzoni, de Étienne Davodeau, nos diários de viagem de Baudoin e Troub’s, e de Guy Deslile, pense-se em Logicomix, na História Universal em Banda Desenhada… Pense-se na quantidade de pessoas que não autores de banda desenhada que se tem virado para a possibilidade de dela criarem uma autobiografia, como os casos marcantes de American Widow ou a trilogia em curso March, ou nas vozes não-“anglo” que criam autobiografias no seio da cultura mainstream nos Estados Unidos (particularmente forte na comunidade das segundas gerações de asiático-americanos, como este exemplo). Pense-se na produção de uma revista como a Révue XXI, que oferece aos seus leitores múltiplas matérias apresentadas sob a forma da banda desenhada. Os exemplos não teriam fim.


Vivendo num tempo problemático para a forma como muita da informação “verdadeira” chega aos cidadãos, ora afunilada pelos canais de comunicação mais normativos, cujas condições de trabalho são cada vez mais confinadas e desconfortáveis, tornando difícil um certo grau de diversidade, tempo e aprofundamento desejável para uma correcta contribuição para a democracia de acesso à informação, ora atomizada em canais secundários e sectários que alimentam ideias feitas e não apelam ao diálogo e ao contraditório, ora ainda a canais mesmo que difundem falsas ou incompletas informações mas que suscitam reacções imediatas junto às pessoas, a banda desenhada não é salvação absoluta alguma, mas é tão-simplesmente mas tão potentemente um outro método que permite atingir esse diálogo. Longe que estamos dos “desenhos especulativos” (cf. pg. 17) que alimentaram a imprensa ilustrada até ao último quartel do século XIX ou mesmo depois, estamos num estádio que pede uma responsabilidade ética profunda da parte dos seus autores. Como escreve Kristian Williams, de um artigo no Columbia Journalism Review, e citado neste volume, “a banda desenhada abre possibilidades aos jornalistas que são menos acessíveis do que noutros meios (…) [A] interdependência das palavras e das imagens permitem uma justaposição entre modos de relato subjectivo e objectivo [os quais podem] acentuar as incertezas, ambiguidades e ironias que outros meios de comunicação poderão, mesmo que inadvertidamente, minorar ou deliberadamente ignorar” (apud 26).



Creating Comics, na esteira de outros projectos co-editados por Randy Duncan (The Power of Comics, Critical Approaches to Comics), parece destinar-se a um público variado, mas pelo discurso e pela organização das matérias, estratificada, é mais apropriado a estudantes e iniciantes destas formas. Creating Comics, como o próprio título implica, pretende ser uma espécie de manual, cheio de exercícios práticos, conselhos de artistas e profissionais do ramo, análises específicas de exemplos significativos. Os capítulos estão organizados com textos corridos, por secções temáticas ou tipologias, mas há como que “interrupções” de caixas com essas outras matérias, muitas vezes assinadas por outros autores. Há também algumas boas entrevistas de uma dezena de praticantes, sobre todas as dimensões envolvidas e, acima de tudo, os capítulos encerram-se com exercícios estimulantes, que poderão ajudar a manter uma disciplina. Encontramos aqui então várias abordagens de vários campos desse mega-território da não-ficção, de modo a que se procure responder a “…enquadramentos educativos ou propósitos retóricos particulares: jornalismo, memórias, história, causas, educação científica” (9), que levará a toda uma tipologia de campos e, dentro deles, géneros e sub-géneros, todos abordados. É isto o que permite os autores de instituir diferenças entre, por exemplo, “diários de viagem” e “histórias de interesse humano”, ainda que podendo subsumi-los ambos ao campo da “reportagem”.

É inevitável que os capítulos de história – os iniciais - não sejam totalmente completos. Afinal de contas não se pode estar à espera de descrições universais, e é um livro informado pela perspectiva contemporânea norte-americana. O que importa é antes compreender em que medida é que este gesto nos pode permitir repensarmos as nossas próprias categorias e arranjos. Por exemplo, para os leitores portugueses, a consideração da história da banda desenhada não-ficcional recuperaria de um modo muito especial muita da produção de Bordalo Pinheiro, reinscrevendo-o com ênfase numa história mais informada, assim como as figuras de Carlos Botelho, ou os trabalhos jornalísticos de um Smith Vargas, Marcos Farrajota ou Joana Estrela, cada qual da sua maneira muito especial. Por outro, a consideração de uma maior “elasticidade” das formas também poderia recuperar alguns gestos de combinações de textos e imagens, como os trabalhos de ilustração de Philip Guston ou de Paul Hogarth.

Não sendo este (ainda) o livro que possa servir de grande plataforma de discussão teórica destes mesmos campos e temas (não se utilizam as lições de um Système, de Groensteen, ou de Hatfield ou de Baetens, que tem um fundamental artigo sobre a questão da “autenticidade”), mesmo assim os autores encontram excelentes equilíbrios entre as questões técnicas (sobretudo as vantagens do desenho sobre a fotografia, o vídeo, a prosa- que não são absolutizadas, simplesmente vincadas) e as éticas (onde surgem vários problemas que devem ser pensados de modo específico). E envolvem-se com saberes advindos das mais diversas frentes, como a deontologia do jornalismo, técnicas de pesquisa, a narratologia e, claro, as abordagens formais específicas à banda desenhada (ainda que aqui não se estude nada que seja necessariamente exclusivo à banda desenhada não-ficcional).

Há uma atenção particular para com certas figuras, o que é expectável, não fosse Sacco o santo patrono e tutelar do “jornalismo em banda desenhada”, mas há outras obras que surgem bastas vezes como exemplos maiores (é o caso de March, de Lewis et al.), e há também recurso, surpreendentemente, a certas figuras mais obscuras, como é o caso de Leonard Rifas, ou a série de livros de temática vitoriana de Rick Geary, fruto de aturada pesquisa. Ainda assim, a falta de diálogo internacional é marcada. Por exemplo, as questões éticas em torno de como representar pessoas que estejam envolvidas na nossa vida, num projecto autobiográfico, pode não ter sido tão bem pensada, na própria obra, como no caso do Journal de Neaud. A sua ausência empobrece essa dimensão. Mesmo nessas abordagens, curtas, há momentos fortes. Uma análise da obra de Joe Sacco, e a sua mudança de “prioridade da experiência sobre a informação” (palavras do próprio artista) nos seus primeiros trabalhos de reportagem (cf. Palestine) para um “privilegiar da informação sobre a experiência” nos trabalhos mais recentes (p. ex., Footnotes in Gaza), convida-nos a sermos mais precisos na leitura analítica e estudo crítico da obra de Sacco ou qualquer outro autor, e não os diminuir apenas a uma prática estipulada de uma vez por todas, mas um processo vivo e cambiante, como é de esperar de uma tarefa que implica a relação directa entre os interlocutores e a forma de expressão.



Um outro problema é, todavia, o índice, que apenas revela os títulos dos capítulos. Isso não é suficiente para poder proceder a uma consulta rápida para as secções de interesse do seu utilizador, uma vez que apesar de tudo este não é propriamente um livro de tese, em que importe ler a totalidade. Uma outra palavra, menos positiva, irá para a qualidade das imagens empregues, muitas vezes deficitária, e a capa do livro, francamente feia (já para não mencionar a gralha tremenda no título, patente no nosso exemplar). Quem vê caras, não vê corações, costuma dizer-se, mas todos sabemos que nem sempre isso é verdade.

As gralhas, na verdade, num livro, sobretudo de cariz académico, são algo problemáticas, e este volume não está livre delas. Mas por vezes é possível que uma gralha possa trazer uma estranha fortuna. Uma delas, na página 26, parece ser uma afirmação categórica de uma verdade inegável sobre todo este território: “From interactive comics that work on mobile platforms to long form journalism in graphic novels, it seem reportage comics are here to say.” (sic) Que o continuem a dizer, então.

Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do volume. 

8 comentários:

Unknown disse...

Pedro Moura, li, com interesse a sua recensão crítica ao livro "Creating Comics as Journalism, Memoir and Nonfiction". Não entrarei em detalhes quanto à origem da BD ainda que seja levado a não estar de acordo com a leitura anglo-saxónica que da mesma é geralmente feita. Serve este pequeno comentário para levantar apenas a questão de se o "say" em " …reportage comics is here to say" será realmente uma gralha ou se não será antes um trocadilho, um jogo de palavras entre o comum "...is here to stay" e o campo semântico de "to say" que convém muito mais a um meio de comunicação (reportage comics) que não só veio para ficar como, sobretudo, terá vindo para dizer. Tanto mais que o aspeto não ficcional da atual BD se assume muito mais como "engagé" do que no passado. Retenho a este propósito, e por todos, o "Maus" (a referência começa desde logo por ser sua) relativamente ao qual penso poder dizer-se que veio bastante mais para "dizer" do que para "ficar", ainda que aquele não exclua, bem pelo contrário, este. Enfim, é apenas outro modo de ler uma suposta gralha. Cumprimentos, Joaquim Santos

Pedro Moura disse...

Caríssimo Joaquim Santos,
Obrigado pelo seu comentário, muito bem-vindo. A razão pela qual acredito tratar-se de uma gralha deve-se ao facto de todo o texto, ao longo do livro, apresentar problemas a nível da revisão. Repare como na frase que cito há um erro de concordância "it seem" em vez de "it seems". Dito isto, penso que o facto de ter falado de "estranha fortuna" à gralha em questão abria precisamente a possibilidade dessa interpretação, mas é bem possível que não seja gralha e sim um desejo explícito. E as razões que aponta são acertadíssimas.
Não compreendi a primeira parte em relação à origem da banda desenhada. Não faço parte dos que seguem uma "leitura anglo-saxónica" da mesma, aliás como espero ser claro do meu trabalho contínuo. O meu parágrafo inicial abre uma possibilidade de discussão em termos cronológicos, mediáticos e de território tópico, mas não se espartilha em qualquer quadro nacional. Logo, estou aberto a qualquer discussão nesse sentido.
Obrigado mais uma vez.
Pedro Moura

Unknown disse...

Caro Pedro, permita-me que telegraficamente, porque entre duas aulas, lhe diga que sou professor de Potuguês e apaixonado por BD desde sempre. Penso ser ideossincrático em mim fazer parte do elo mais fraco. Não tenho razão objetiva para isso, não sou pessimista, não acredito no destino da mesma forma que António Vieira na "História do Futuro" ou Pessoa na "Mensagem", mas a verdade é que sempre estou natualmente do lado oposto ao que a "intelligentsia" deste país e desta Europa designa por boa arte. E aí, como sabe, a BD é uma "coisa" proscrita em que os mais academicamente bem sucedidos não devem sequer pegar. Pois, eu pego e muito e se já peguei mais é porque agora tenho outras responsabildiades que me impedem de comprar BD. quanto à gralha, ela foi um pretexto para falar consigo, apesar de uma possibilidade de leitura, de facto. Confesso que não tinha reparado no it seem(s), mas reparei no erro grosseiro da capa onde "memoir" aparece grafado "memior". De início até pensei tratar-se de algum neologismo que eu desconhecesse. Depois li o seu artigo e percebi que era um erro. Quanto à origem da BD, bom, se me permite, voltarei a este assunto. Mas confesso que entendo que os americanos se acham os descobridores de tudo chegando ao ponto anedótico de o americano médio pensar que a Bíblia foi escrita em inglês!!!. Um dia destes não me admiraria que reescrevessem a História pondo os Sioux ou os Cherokees a descobrir a Europa. É que já no antigo Egito (se não quisermos recuar às pinturas rupestres) encontramos estórias contadas em imagem e (eventualmente) ancoradas em texto (que não é um caráter essencial da estória desenhada), ainda que conceda que a BD mediática apareça no final do século XVIII. Mas isso deve-se ao aparecimento do jornal e da imprensa escrita e não ao aparecimento da BD nessa altura. Imagino que esteja familiarizado com a tapeçaria de Bayeux ou com Ramon Llull... Retomaremos o assunto se assim o entender. Para além do mais, tenho muita curiosidade no seu doutoramento, que acho fantástico. Não sei é se o Blogue será o melhor meio de o fazer e se o Pedro tem algum interesse em ter um interlocutor que é um mero aprendz de feiticeiro de uma arte maior que apenas admira, maravilhado. Cordialmente, Joaquim Santos

Pedro Moura disse...

Caro Joaquim Santos,
Tenho todo o prazer em dar continuidade a qualquer diálogo, se bem que é verdade que mantê-lo nos comentários de um blog é complexo, mas se desejar, poderemos contactar-nos via email. EU concordo com o que diz (sem temer, porém, que os norte-americanos cheguem ao ponto de verem Cherokees a convencer o D. Manuel I a que nos tornássemos parte do seu território sagrado).
Peço desculpa se parecer estar a puxar pelos galões ou coisa assim, pois não desejo apelar para nenhuma autoridade (que não tenho) para o convencer de alguma aferição de conhecimentos, mas escrevendo sobre banda desenhada há mais de dez anos com instrumentos que, espero eu, sejam verdadeiramente críticos (e não jornalísticos ou epidérmicos), tendo concluído estudos académicos balizados sempre versando esta área, organizado uma ou duas exposições de impacto público para além do circuito habitual, co-criado um documentário televisivo sobre um panorama português, e sendo (de alguma forma, ainda) professor de história da banda desenhada (tenho um curso desenhado para 50 horas), já para não falar de acompanhar - e publicamente, como poderá confirmar pelos textos do blog - a produção académica internacional sobre banda desenhada, estou bem ciente dos possíveis percursos em torno dessa temática histórica. Se me permite, a opinião do Joaquim faria sentido há uns vinte, quinze anos, mas desde então tem havido muitas transformações na forma como (mesmo os americanos) têm entendido a história da banda desenhada, e tem havido cada vez mais diálogos inter-atlânticos (menos com outros círculos, como a Ásia, ou mesmo as Ásias...).
Com efeito, estamos longe de haver um consenso (problemático e falho) em torno do "Yellow Kid" como acto fundador de TODA a banda desenhada. Apenas numa perspectiva afunilada em torno dos comic books de super-heróis (e aí até terão razão) é que os americanos podem falar de uma "forma autóctone", mas isso implicaria uma visão, digamos, "nacionalista" que seria válida para todo e qualquer país (nós, com as Cantigas de Santa Maria, os azulejos do Sr. Roubado, ou o Bordalo, poderíamos entrar em roda livre...).
A continuar...
Um abraço,
Pedro Moura

Unknown disse...

Prezado Pedro Moura, o seu último cmentário vai justamente no sentido do que eu defendo. A saber, e, em tempo, a sua feliz chamada à colação do «"Yellow Kid" como ato fundador de TODA a BD». Precisa de melhor exemplo do desvario grandiloquente dos americanos como criadores de tudo e mais alguma coisa? Não pretendo definir aqui o dia de nascimento da BD, justamente. O que reafirmo é que não terá sido no século XVIII nem que a imprensa escrita seja responsável pela seu aparecimento, ainda que tenha contribuído em grande parte para a sua divulgação. O diálogo que possa haver de ordem comparada e historicista não invalida, a meu ver, a tendência americana para reivindicar a paternidade dos Comics. Ainda lhe refiro como central a "Imagerie D'épinal" e a xilogravura. De qualquer forma, é claro que dificilmente estaremos em condições para falar de BD antes da invenção da imprensa or Gutenber. No entanto e como refere de novo bem, importará não esquecer as Ásias e o japão, em particular (não me refiro naturalmente à Manga (ou Mangá) nunca soube como deve ser grafado que, já agora, considero corruptela de mau gosto do que é feito no ocidente (não sou contra, de forma alguma, das influências que na(s) arte(s) se façam sentir, mas considero - se erradamente, corrija-me, por favor) de uma "coisa" que não é nem ocidental nem oriental, mas se me afigura como uma estratégia comercial de vender em todo o mundo algo de muito pouco original.
Dei a devida atenção à referência às cantigas de Santa Maria, sendo que nenhum galego reivindicaria a paternidade da BD pelas ilustrações que acompanham as pautas e as letras.
Quanto aos seus galões, pois porque os tem, não tem que evitar fazer deles uso. Ainda bem que em Portugal há alguém que pode puxar dos galões para falar de BD decorrente de anos de estudo, de investigação e de publicação. Gostaria de aprender consigo. Vou seguindo o seu blogue que é de longe o que de melhor existe nesta área. Deixo-lhe aqui o meu mail: joaquimsantos960@gmail.com e votos de que possa continuar a trocar impressões consigo. Juntamente aceite o meu abraço, joaquim

Pedro Moura disse...

Olá, novamente. Terei de ser breve. A única água na fervura que colocaria é que nem todos os americanos pensam dessa maneira.Não vale a pena deitar a água do banho fora com o bebé. Há hoje um diálogo mais intenso e interessante sobre o estudo verdadeiramente histórico entre os EUA e a Europa, mas também com outras esferas.
Penso que o Joaquim está a fazer isso em relação aos "americanos" e, depois, em relação ao Japão. A mangá (eu grafo com acento, para coincidir com a vogal aberta final e evitar homonímias mal-vindas) deve ser entendido, grosso modo, como a banda desenhada feita no Japão, isto é,sem qualquer tipo de descrição genérica ou de estilo ou juízo de valor: há de tudo, coisas boas e coisas más. E uma atitude de que é "tudo mau" perde a oportunidade de descobrir especificidades e conquistas.
Para continuar nas metáforas aquáticas, não existe nenhuma Ur-fonte da banda desenhada, mas vários objectos culturais que foram concorrendo para essa noção. Durante muito tempo, atirava-se tudo à parede a ver se colava, desde as pinturas rupestres aos cartoni de Miguel Ângelo... Mas mesmo em trabalhos mais sérios e balizadas de história do meio (nos nossos dias diria que são David Kunzle e Thierry Smolderen os dois pontos de partida fundamentais), há sempre espaço para discussão. Não se pode reduzir a uma questão de técnicas, por exemplo, se bem que isso possa dar azo a abordagens extremamente estimulantes, como o trabalho de Danièle Alexandre-Bidon, que estuda estratégias visuais de "animação" em ilustrações medievais a partir das categorias fundadas na modernidade. Não se pode é essencializar essa atitude, correndo-se o risco de não se estar a argumentar, mas a forçar uma filiação.
Até breve,
Pedro

Unknown disse...

Meu caro, em geral, parece-me que estamos de acordo. O importante é que eu possa continuar a aprender consigo e a lê-lo. Gostava de saber se há, na zona do Porto, alguma formação na área da BD que valha a pena seguir e fazer. Como lhe disse, tenho obrigações que me impedem de comprar BD. Isso é uma limitação enorme. Aqui e além pedem-me para fazer alguma coisa nas escolas um bocado na lógica do "em terra de cegos", tanto em português, para o segundo ciclo (balão, prancha, vinheta, onomatopeias, ideogramas) como para os alunos de artes do ensino secundário. (enquadramento, ponto de vista, plano, movimento...). São coisinhas pequeninas, 90 minutos, meia dúzia de generalidades: a BD entre a literatura e o cinema, a importância e a nobreza desta forma de arte para mim, etc., etc. Tudo muito laudatório, como pode imaginar, mas de sensibilização. Se no final temos mais gente a gostar e, sobretudo, a ler, é discutível. As escolas têm pouca ou nenhuma BD e a que têm é de qualidade mais que duvidosa. Enfim, faço o que posso. Continuarei a lê-lo e a aprender consigo. Receba um abraço deste seu, joaquim

Pedro Moura disse...

Não tenho conhecimento de nada regular que aconteça em torno dessa área no Porto em regime livre. Existem os cursos superiores, claro, em Guimarães, por exemplo, mas na cidade do Porto só conheço o Clube do Desenho, ministrado por artistas excelsos da banda desenhada, mas aí concentram-se no desenho, e não em técnicas específicas da bd. Mas existem muitas pessoas, de jornalistas a editores, críticos e entusiastas, já para não falar de artistas, que têm mais do que capacidades para transmitir, precisamente, entusiasmo e as ferramentas desta arte a alunos mais ou menos jovens. Eu próprio tenho agendada agora uma visita a Setúbal para fazer uma dessas acções... era bom que não fosse necessário: isto é, que a banda desenhada fizesse parte da dieta normal de tudo o resto, mas isso fazia-nos entrar por discussões tão complexas, mas mais vale voltar ao meu galão. Nada tenho, porém, a ensinar a não ser assinalar alguns livros que nos ajudam a pensar melhor... o do Thierry Smolderen, disponível em francês e inglês, é excelente. Quanto à impossibilidade de comprar bd, compreendo, sem querer tirar nabos da púcara. No meu caso pessoal, a paternidade e o desdobramento em actividades para-profissionais (isto é, "voluntárias" ou mal-pagas) leva-me também a cortar drasticamente as possibilidades de compra. O que vale são os empréstimos, as bibliotecas e, claro, a sorte de convencer os editores de que vale a pena enviarem-me os livros de borla...
Até breve!
pedro