Este livro é, de uma certa
forma, a continuidade do plano interrompido das Black Box Stories
de José Carlos Fernandes, um conjunto de histórias curtas,
talvez em forma de argumento ou talvez de outline, que seriam
desenhadas por uma série de artistas. A maior fortuna dessas
relações foi aquela alimentada pelos desenhos de Luís Henriques,
que dariam três livros bem distintos (Umbrografia, Metrópole, Estrelas). A série acabou por não ter
continuação. José Carlos Fernandes abandonou o mundo da criação
de banda desenhada, Luís Henriques também. Consta que existiram
outras “stories” começadas, mas nenhuma viu o lume da impressão.
Até este título. (Mais)
Mar
de Aral reúne 5 contos, oscilando entre as 28, o maior, e as 3,
o menor, páginas. A maioria delas inscreve-se claramente no campo do
absurdo, género a que JC Fernandes nos habituou na sua obra, onde a
atenção para com a vida alienada nas cidades contemporânes se
mistura com uma estranha e deslocada nostalgia por um tempo
ficcional, ou através das quais se dão respostas a perguntas que
não sabíamos sequer querer, no fundo, perguntar.
Outras,
como a que dá título ao livro, está mais próxima do fantástico,
senão mesmo do maravilhoso. Na verdade, uma primeira parte da
histórias recorda-nos por demais o filme de animação “Olho de
Peixe” (Riblje Oko),
do croata Josko Marusic (de que nos recordámos há pouco graças à
exposição dedicada a Vasco Granja na Bedeteca da Amadora, por
intervenção de Bruno Caetano), na sua mescla de história de
vingança, metamorfose ictio-humana e terror biológico. Quem sabe se
não terá havido aqui uma similar experiência indelével com o
filme sobre o escritor, e que desova agora nesta história.
Por
essa razão – a de pertencer a um género distinto - tem uma
eficácia menos sentida no sarcasmo com que poderia estara responder
à nossa própria sociedade. Essa, na verdade, é uma das dimensões
pela qual Fernandes atingia particularmente o âmago do nosso
círculo, e que deixou saudades, mas é também essa dimensão que
parece algo desaparecida nestes contos. Ou seja, demonstram ser, com
efeito, pequenas pérolas de situações absurdas - “um boi
num telhado”, “o homem treina os salmóes para a desova”, ou
“os mortos fazem greve” – mas de efeito curto. Anedotas.
E, apesar da comevedora “A inauguração do Canal do Panamá”,
que parece fazer-nos revisitar os primeiros trabalhos de Fernandes
quando participava em fanzines e publicações, com histórias
centradas em relações no rés-do-chão da vida, sem panejamentos de
fábula ou do estranho, não altera o equilíbrio geral deste volume.
Tal
como no caso de Luís Henriques, algo que apontámos na época,
também este conjunto de histórias levou Roberto Gomes a procurar em
si estratégias bem diversas na criação das imagens apropriadas. O
artista altera não apenas o especto cromático, ou alguns pormenores
de arte-final, como a própria figuração – ainda que num plano
mais limitado do que Henriques – e até da composição das
pranchas, algumas das quais com estratégias variegadas. Demonstra-se
assim que não se trata de um desenhador tão somente preocupado em
“cumprir” a história, mas moldá-la da maneira mais optimizada
possível, na sua óptica.
Uma
boa ocasião para recordar a força de Fernandes enquanto autor maior
do absurdo, ainda que com um poder mais diluído, e descobrir um
desenhador cujas potencialidades seguramente se explorarão noutros
projectos.
Nota
final: agradecimentos à editora, pela oferta do volume.
2 comentários:
sex hattı
escreva lá sobre um livro que não seja esta seca, sff!
Sandra
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