Ainda
no seguimento dos posts anteriores, como se se tratasse de um
grau de diferenciação incremental que fosse dos fanzines
fotocopiados ao mundo da pequena edição, falemos hoje de duas
publicações de Afonso Ferreira, que têm todas as condições
editoriais de zine, mas que graças à política de descoberta e
edição da El Pep (política que, de resto, é seguida por
praticamente todos os pequenos editores em Portugal, de forma
acertada e intensa), ganham uma outra projecção material. (Mais)
Os
dois livros partilham, como é de esperar, todo um conjunto de
características comuns, mas, lapalissade, diferenças também.
Comecemos pelas primeiras, mais evidentes. Pela coincidência de data
de lançamento e editora, os objectos são materialmente idênticos
em termos de formato, qualidade de impressão (excelente), e, à
falta de melhor termo, navegabilidade narrativa. Duas histórias
lineares, sem texto, que fazem o leitor avançar pelas páginas sem
grandes dúvidas da sua estrutura e com uma recompensa simples no seu
completar.
As
diferenças são igualmente rápidas de assinalar. Space
contém mais 8 pranchas que Pizza Man,
e o design (de Ferreira com André Oliveira) também procura
responder a tradições ligeiramente diferentes. Se ambos poderão
estar a responder aos comic books
norte-americanos, o primeiro associar-se-à a prestações mais
irregulares, concentradas numa imagem límpida e um título elegante
e icónico, ao passo que o segundo já apresenta a mancha “ocupada”
por toda a espécie de paratextos mais clássicos. Como se se
procurasse, por um lado, uma espécie de gravidade e seriedade no
tema, e o outro abraçasse sem compromissos toda a dinâmica e leveza
dos títulos de super-heróis mais estrambólicos (que, de uma
perspectiva, serão todos eles).
No
interior, porém, também existem algumas diferenças estilísticas
salientes. Space
apresenta vinhetas de cantos arredondados e uma paleta contida que
parece estar sob um qualquer filtro diáfano, traduzindo o espaço
sideral que a personagem principal – um cérebro com olhos –
atravessa. Além disso, é total e efectivamente “silenciosa”, há
que nem sequer existem onomatopeias para representar os impactos e
explosões. Pelo contrário, onomatopeias atravessam constantemente
as páginas de Pizza Man, cuja composição e vinhetas é mais
convencional, para que haja uma maior concentração das cenas,
action-packed.
A quadricromia também está em uso, mas o controlo é de outra
natureza, assinalando a legibilidade e distinção entre as
personagens.
Como
é indicado numa nota, a história de Pizza
Man, na
qual este combate e
consome Sausage Ninja,
foi concebida por Tomás e Vasco,
crianças de 6 e 8 anos que providenciaram o artista com uma desculpa
para criar um mundo de animação e alimentos totalmente
espatafúrdio, mas que funciona de imediato. Não que a história de
Space
procure um grau de complexidade ou desenvolvimento de personagens
maior, já que a saga do cérebro navegador do espaço na invasão de
uma espécie de ilha flutuante, seu confronto com as várias forças
antagónicas no interior e destruição final não abdica do absurdo
que é permitido por um claríssimo prazer de pensar à medida do
desenho, mas há um ritmo narrativo mais calmo, composto, o que se
justifica pelo número de páginas, mas também pelo maior número de
espaços percorridos e personagens a interagir.
A
história de Space
começa e termina sem grandes introduções ou conclusões, e
funciona perfeitamente como uma unidade completa. Pizza Man
apresenta várias pistas extra-textuais que prometem a sua
continuidade. Sendo ambas as histórias leves, irreverentes,
bem-dispostas, senão mesmo disparatadas, e com um design ultra-cool,
é algo que se integraria sem grandes problemas naquele universo
informado pelas novas séries de animação que conquistam mais
hipsters do que crianças, de Adventure
Time a Regular
Show, ou mesmo o canal Adult Swim.
Fiquemos no mesmo canal.
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