12 de abril de 2016

La Crypte Tonique no 12. Les patrons de la bande dessinée.

La Crypte Tonique é uma das mais estimulantes revistas sobre banda desenhada de que temos conhecimento no momento, à margem da produção académica propriamente dita. Órgão oficial da alfarrabista-galeria homónima de Bruxelas, dirigida por Philippe Cappart, cada número pode mudar drasticamente de formato, tamanho, tema e forma de trabalho. Se houve números dedicados a autores e/ou obras (François Walthéry e Felix the Cat), a maior parte deles dedica-se a dimensões mais alargadas, estruturais da banda desenhada: o seu comércio em Bruxelas, a questão da legendagem, a representação da Idade Média ou dos negros, e até a “retranscrição gráfica do movimento”... (Mais) 

Este número é igualmente temático e está associado a uma exposição/venda que tiveram há recente, dedicada em exclusivo àquilo que se conhece em França e na Bélgica como “petit format”, isto é, livrinhos-revistas de banda desenhada mais barata, em papel de inferior qualidade, capas também em papel ou cartão mais fino, e usualmente ocupada por uma banda desenhada mais atreita a géneros como o policial, a pornografia, o terror, a banda desenhada de guerra, etc. em editoras tais como a Elvifrance, Imperia, Arédit, Belle-France, etc. A exposição (Chambre Obscure) era mais focada numa linha de produção, mas a revista abre-se a todo um universo que, as mais das vezes, se encontra fora das histórias mainstream da banda desenhada. Não são apenas certas obras mais obscuras e experimentais que ficam fora da narrativa normalizadora dos “grandes autores”, mas também precisamente todo aquele material produzido massivamente que colocava as rotativas a trabalhar incessantemente e que enchiam quiosques, escaparates de estações de comboio, e, mais tarde, mesas de saldos... Material “cheap”, como diz, usando o vocábulo inglês, Alec Severin. E que as casas mais prestigiadas muitas vezes combatiam de forma directa [veja-se o delicioso cartaz feito por Franquin jogando Spirou contra esses formatinhos, na última imagem deste post].

A colecção de material deste volume é heteróclita, começando com um texto sobre os “padrões” da banda desenhada, discutindo-se fórmulas de dobragem de papel e encadernação, que forçam a formatos mais económicos e lógicos na gestão dos materiais, passando pelos primeiros desenvolvimentos tecnológicos que ditariam a sorte da criação de narrativas em imagens, e desembocando em muitas das categorias ainda existentes nos nossos dias: o álbum, a tira, o broadsheet e o pulp, etc.

Depois segue-se uma história sumária e divertida das tiras por Roy Crane [ver acima], um exemplo dos processos de trabalho de criação para um pequeno romance petit format, os processos de retocagem que adaptavam material norte-americano, quer de tiras quer de comic books, para os formatos franceses (aqui ao lado temos um exemplo de um comic book do Sargento Rock, de Kubert, para uma edição da Arédit, em 1968) e uma série de entrevistas aos mais diversos agentes desta imensa cultura (de autores a editores, passando por livreiros e funcionários dos vários passos necessários do trabalho), que revelam, pelo seu conjunto, questões de circulação, venda, recepção crítica, cultura quotidiana, e aspectos relativos aos negócios, criação, adaptação, etc.

E todas estas páginas ilustradas com as mais diversas imagens mostrando as tipologias e tamanhos de tiras, publicações, formatos empregues no mundo ocidental em relação à banda desenhada, de uma forma mais ou menos organizada (a tira norte-americana, as edições italianas), assim como exemplos aumentados quer da boa quer da má arte que povoava estas páginas.

De uma forma mais tangencial, é certo, é curioso notar como alguns destes livrinhos, apesar da sua “baixa” recepção (mesmo com autores que seriam mais conhecidos depois, de Buzelli a Manara, Magnus e Alec Severin), são candidatos significativos para a complexificação da ideia da emergência “literária” e de “temas sérios” na banda desenhada. A esmagadora maioria dos temas eram tratados um bocado a martelo, o humor era chão, as versões paródicas algo empasteladas, mas de quando em vez lá parece surgir uma pequena pérola interessante. Ainda que o francês Al Severin seja um autor mais recente, o seu Story of War, um in-8 de 150 páginas, desenhado em apenas 9 dias quando o autor tinha 19 anos, e publicado em 1985 pela Michel Deligne, parece ser um forte concorrente a mais um elo numa cadeia imensa. Todavia, o segredo do sucesso de pensamento de Les patrons de la bande dessinée – é óbvio que o título pretende jogar com a polivalência da palavra – está menos em “descobrir” segredos ou objectos esquecidos, do que reavaliar a forma de coordenar, na história e na teoria, alguns objectos em detrimento de outros.


Como não pode deixar de ser, a grande lição principal está na linha de um artigo-chave de Pascal Lefèvre, a de que o formato tem a sua importância nas escolhas estéticas e literárias dos autores, sem negar que a materialidade terá um papel decisivo na forma como também será vendido, circulado e, consequentemente, recebido. Isso justifica terminar a revista com uma revisitação de J.-C. Menu ao seu Plates-Bandes, um livro que colocava questões difíceis sobre os modos oportunistas das grandes casas aproveitarem certas invenções dos pequenos editores, até ao ponto contemporâneo da confusão dos formatos, mais do que “liberdade”, sobretudo por não estar aliada a um programa sincero e genuíno de construção de sentido das obras em si. A palavra “diversidade” tem um gosto bem distinto nas frases de Menu... Também não é de surpreender que essas palavras estejam “rodeadas” com imagens mostrando todo o escopo material do Building Stories de Ware, visto como ponto maximal da vontade e necessidade de adequar o instrumento à voz, e não o contrário.  

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