29 de dezembro de 2010

Graphic Women. Hillary Chute (Columbia University Press)

Apesar deste ser o primeiro livro de Hillary Chute, o seu nome é reconhecido no círculo dos estudos de banda desenhada, sobretudo nos Estados Unidos, graças sobretudo a alguns dos seus artigos, alguns dos quais com amplas consequências teóricas, o seu insistente estudo de Maus, de Art Spiegelman (sobretudo o que se inclui no muito esperado MetaMaus, pela Pantheon, em 2011), e ainda ao seu trabalho como editora de um número da Modern Fiction Studies dedicado à banda desenhada. Este volume reúne algum do seu trabalho em artigos, entrevistas ou resenhas críticas, mas reelaborado enquanto estudo contínuo e coeso de um grupo muito especial de autoras de banda desenhada, mulheres que utilizam este meio artístico não apenas para contar as suas histórias mas para o fazer de um modo particularmente feminino. O subtítulo, “Narrativas de vida e banda desenhada contemporânea” parece querer apresentar-se de um modo relativamente neutro, mas não pode haver dúvida de que pelo menos parte do propósito do trabalho de Chute é ético e político, relacionando-se profundamente com o feminismo contemporâneo de Luce Iragaray, Drucilla Cornell ou Judith Butler. (Mais) 

23 de dezembro de 2010

Tinta nos Nervos.

A razão pela qual este espaço se encontra em silêncio há algum tempo (e a acumulação doentia de livros por ler e falar) deve-se a, sobretudo, uma fase intensa de trabalho e um projecto que já é facto público. A 10 de Janeiro de 2011 abrirá no Museu Colecção Berardo (em Belém, no CCB) a exposição Tinta nos Nervos. Banda Desenhada Portuguesa, que foi comissariada por nós. Eis um pequeno texto (com pequenas adendas), que fizemos circular nalguns meios de divulgação [a propósito, em lugar algum utilizámos ou utilizaremos a horrenda expressão "nona arte"]:
"Esta exposição visa dar uma perspectiva ampla da criação da banda desenhada portuguesa, procurando o encontro com novos públicos diversificados e expandindo a percepção social desta linguagem. A banda desenhada é sobretudo conhecida como uma linguagem de entretenimento, de massas, afecta ao público infanto-juvenil, sendo muito difícil que alguém não conheça as muitas personagens famosas que compõem essa paisagem cultural. No entanto, tal como em quase todos os outros campos artísticos, a banda desenhada também tem um número de autores que a procuram empregar como um meio de expressão mais pessoal, ou uma disciplina artística aberta a experimentações várias, informadas pelos discursos contemporâneos. Seja pelo lado da escrita, com autores a explorar a autobiografia, uma abordagem da paisagem cultural nacional, problemas de género ou políticos, seja pelo lado da visualidade, explorando novas linguagens, estruturações da página e até graus de abstracção. O mercado de banda desenhada em Portugal, não sendo propriamente forte nem muito diverso, quer em termos de traduções de obras contemporâneas ou históricas quer de trabalhos originais nacionais, é contraposto por toda uma série de experiências em círculos da edição independente ou de projectos alternativos que tem sido um produtivo solo para criadores extremamente interessantes e inovadores.
A exposição presente focará sobretudo autores modernos e contemporâneos – ainda que haja um desvio por dois autores históricos, experimentais na sua época: Rafael Bordalo Pinheiro, o “pai” da banda desenhada moderna portuguesa, e Carlos Botelho, autor do magnífico Ecos da Semana – que procuram elevar a banda desenhada a uma linguagem adulta e inovadora artisticamente. Do desenho suave de Richard Câmara às experiências de Pedro Nora, do minimalismo a preto-e-branco de Bruno Borges à multiplicidade de Maria João Worm, da presença solta de Teresa Câmara Pestana à exuberância das cores de Diniz Conefrey, da austeridade de Janus à vivacidade de Daniel Lima, haverá um largo espectro, ainda que pautado por critérios de pertinência artística, representativo desta área no nosso país. Estarão presentes autores de algum sucesso comercial e crítico (como, por exemplo, José Carlos Fernandes, António Jorge Gonçalves, Filipe Abranches, Nuno Saraiva e Victor Mesquita) e outros autores de círculos mais independentes (de Jucifer/Joana Figueiredo a André Lemos, Miguel Carneiro e Marco Mendes); autores cujas bandas desenhadas parecem obedecer às regras mais convencionais e clássicas da sua fabricação mas para explorar temas disruptivos (como Ana Cortesão, Pedro Zamith e Marcos Farrajota) e outros que as parecem ultrapassar em todos os aspectos (como Nuno Sousa, Carlos Pinheiro ou Cátia Serrão); e ainda artistas que criaram objectos impressos que empregam elementos passíveis de aproximação a uma leitura ampla da banda desenhada, isto é, fazem-nos pensar numa sua possível definição ou apreciação mais alargada (como Eduardo Batarda, Tiago Manuel, Isabel Baraona e Mauro Cerqueira). Nalguns casos, a exploração que os artistas fazem do desenho ganham corpo noutros objectos que não de papel, e que serão integrados nesta mostra (animações, esculturas, bonecos, maquetas, e fanzines-objecto, com larga incidência para aqueles criados por João Bragança)."
A lista, que não pretende, de forma alguma, o que seria impossível, ser vista nem como absoluta nem como exaustiva, dos artistas é como segue:
Alice Geirinhas, Ana Cortesão, André Lemos, António Jorge Gonçalves, Bruno Borges, Carlos Botelho, Carlos Pinheiro, Carlos Zíngaro, Cátia Serrão, Daniel Lima, Diniz Conefrey, Eduardo Batarda, Filipe Abranches, Isabel Baraona, Isabel Carvalho, Isabel Lobinho, Janus, João Fazenda, João Maio Pinto, José Carlos Fernandes, Jucifer (Joana Figueiredo), Luís Henriques,
Marco Mendes, Marcos Farrajota, Maria João Worm, Mauro Cerqueira, Miguel Carneiro, Miguel Rocha, Nuno Saraiva, Nuno Sousa, Paulo Monteiro, Pedro Burgos, Pedro Nora, Pedro Zamith, Pepedelrey, Rafael Bordalo Pinheiro, Richard Câmara, Susa Monteiro, Teresa Câmara Pestana, Tiago Manuel e Victor Mesquita.
Estando agora na também intensa fase de montagem da exposição e últimas verificações do catálogo (que será um objecto magnífico, na nossa óptica, necessariamente parcial), este silêncio manter-se-à durante algum tempo (para descanso de muitos e pena de nenhuns), mas ficam aqui os votos de Boas Festas, sejam elas quais e como forem.
Pedro
P.S. Por razão nenhuma de especial escolhemos imagens de Maria João Worm e Marco Mendes para ilustrar este post. 41 imagens seriam incomportáveis...

2 de dezembro de 2010

Sticker Bomb 2. AAVV (Laurence King)

Ou A Filosofia do Autocolante.
No seio de algumas das tentativas de sistematizar a abordagem à ilustração num contexto escolar, na qual a procura de uma tipologia ou uma categorização é necessária como gesto propedêutico, uma das formas encontradas é aquela que havia sido proposta por Alan Male e falar de cinco “contextos” que tomam em conta as funções que a ilustração pode tomar em relação à realidade: as de informação (documentação, referência, instrução), comentário, ficção, persuasão e identidade. Não é importante se estas tipologias ou categorias são sequer necessárias, ou se não criam problemas logo à partida em relação a uma ontologia mais livre, ou até que ponto são pertinentes de um ponto de vista criativo; as mais das vezes, de nada servem para uma leitura mais livre, é verdade, mas não se lhes pode negar a utilidade, repetimos, em contexto introdutório. Muitos dos campos de ilustração, por vezes, podem participar em mais do que um contexto (ou função), ou então fazerem dois desses contextos confundirem-se. Mas depois existem exemplos de ilustração, objectos de ilustração, que apenas com muita dificuldade se encaixam nessas categorias pré-fabricadas. Os autocolantes, ou “stickers”, que servem para fazer “bombing” urbano (espalhá-los em espaços da cidade), são um desses casos: se bem que se possam revestir de um conteúdo político (persuasão) ou de ficção (criar um universo de criaturas que invadem esse mesmo espaço, como os da Pixel Population), a verdade é que fazem emergir conceitos bem diversos e problematizações dessas categorias, por causa de algumas das suas especificidades. “A experiência do mundo faz-se através da experiência das imagens”, escreve Hans Belting em Pour une anthropologie des images, “mas a experiência das imagens, por sua vez, associa-se a uma experiência dos seus meios”. Com isto, não se pretende procurar elevar a uma qualquer presença ou papel essencial, ou sagrado, a especificidade de um determinado meio (neste caso, o autocolante), mas tão-somente entender que cada meio se revestirá de um modo muito particular de tornar essa experiência mais rica e moldada, e, mais próximo do que nos interessará aqui, a saber, entender que esses meios “marginais” (adiante se explicará este vocábulo) criam especiais presenças da ilustração.
A primeira associação que se faz com estes objectos é, óbvio, aquela com a street art, na qual se aglomeram princípios tais como os da apropriação de um espaço público através da assinatura (ou “tag”), a subversão desse mesmo espaço, podendo ora irmanar-se com a prática (política) do “culture jamming”, ora simplesmente tornar-se método de aplicabilidade decorativa, seja de paredes, desktops ou mesmo a pele, quer a dos humanos quer a das suas máquinas (nesse aspecto, esta antologia de trabalhos tem contornos não-agressivos; mesmo os trabalhos cáusticos de Johnny Ryan acabam suavizados, de alguma maneira), ou até mesmo serem absorvidos por marcas comerciais (a indústria da moda jovem, sobretudo desportiva, é dada a essa porosidade). Por vezes, as suas fronteiras com o design esbatem-se, mais especificamente o character design (de que Pictoplasma é cada vez mais a Meca), em que a distância entre o desenho artístico e a decoração é de facto curta...
A street art terá uma história necessariamente relacionada com o advento das cidades, como é natural, mas outras noções se lhe associam, como a da propriedade privada (daí que a palavra “vandalismo“ lhes esteja associada), o cisma entre opinião pública, poder e divergência, a oscilação entre a ironia, o sarcasmo e a crítica política, etc… Encontraremos os seus primeiros passos talvez nos graffiti romanos, desde as inscrições em tabernas e lupanares, a ataques pessoais e advertências, passando por pequenos murais retratando pequenas cenas de jogo, monstros, ou assinaturas de gente em passagem. Será essa a “técnica” sobrevivente ao longo de séculos, até chegarmos aos murais usualmente associados a movimentos de esquerda (a tradição dos muralistas mexicanos é aqui fundamental) e depois, a partir dos finais da década de 1960 (desta feita é o movimento Situacionista que se torna marcante), explode numa série de linguagens, técnicas e formas de tornar as ruas no palco dessa expressão tão especial: stencil, murais, posters, e stickers/autocolantes. O cerne da questão, todavia, prende-se com uma expressividade subversiva, menos preocupada com a exploração formal ou a recriação dos fundamentos da arte visual, do que com o transporte efectivo e mordaz de um qualquer conteúdo (mesmo que esse conteúdo seja aberto ou vago), o que retira dessa sua história os murais trompe-l’oeil, os cartazes de publicidade (de herança Cheretiana), e outros objectos. Mas tudo isto vai complicando-se e ramificando em questões paralelas pouco simples, desde a apropriação dessas linguagens por multinacionais como formas de comunicação e publicidade, à relação dessas artes com o mercado oficial das artes, com os limites (eventuais) entre a marginalidade e a liberdade de expressão, e por aí adiante.
Mas uma outra tradição na criação das imagens à qual estes objectos se podem entrosar é a da marginalia medieval, desde os desenhos nos livros iluminados aos complexos escultóricos e de relevos nos cantos, pórticos, gárgulas, capitéis e cornijas dos templos. Nesse sentido, é pertinente pensar no trabalho de Michael Camille (Image on the Edge), onde esse autor afirma que “a arte das margens é desprovida da estabilidade iconográfica que a narrativa religiosa ou o ícone têm”, permitindo assim estratégias discursivas que “representam coisas deixadas de lado no discurso oficial”. Mais do que a arte dos posters, necessariamente relacionada com um qualquer evento cartografável no tempo, espaço e agenda política ou social, ou que os murais, programáticos, os autocolantes procuram de facto uma instabilidade iconográfica que passa pela maximização da multiplicidade (basta ver os múltiplos estilos atravessados pelos autores presentes em Sticker Bomb). Apesar destes autocolantes não estabelecerem a mesma relação com os locais ou objectos em que se integram - as marginalia a que nos referimos faziam, no fundo, parte de toda a estrutura, eram encomendadas ou acabavam por ser criadas no seio dessa encomenda e construção - eles são também mais criadores de um espaço ideológico que topográfico.
As diferenças, até pelo elemento de distância histórica, são sentidas: terão que ver com a emergência do culto do artista, da assinatura pessoal, da ideia de expressão, da cada vez mais sentida presença de uma pessoa, reconhecível, em contrariedade com o anonimato, mesmo que essa “fama” não passe por um nome real… A fama por vezes lança estes artistas no mundo institucional das artes visuais ou dos circuitos comerciais, mas esse é outro problema, e existirão formas alternativas de divulgação e assunção à fama destes artistas, contra o circuito intelectual e económico das galerias e museus e críticos de arte associados, como, por exemplo, a plataforma DeviantArt, ou as edições do próprio Studio Rarekwai, instigador deste projecto e de outras acções a favor do grafitti e street art. Mas esta é mesmo uma problemática demasiado complexa para este espaço e o nosso conhecimento, ficando apenas a nota da excelência de Exit Through the Gift Shop, documentário de Bansky, para esta questão. Voltando à comparação com a marginalia, e recuperando a lição de Camille, há um aspecto que reforça a ideia do “vandalismo” de um modo curioso: um dos termos que era empregado para falar dessas “decorações marginais” nos livros era “amacacar”, sendo o verbo latino original babuinare. E não era, como se depreende, visto como algo de necessariamente positivo logo à partida.
O facto de se empregar um verbo como babuinare permite-nos aproximar de uma outra sua dimensão, que tem a ver com uma experiência mais física, um aspecto sensual, “à flor da pele”… (não esqueçamos as hierarquias morais e de sensibilidade medievais, que associa os macacos a seres “de sensualidade” mas não “racionais”). A relação que estes autocolantes em particular estabelecem com os seus usuários é radicalmente diferente daquela prevista nos autocolantes das cadernetas. Estes últimos partilham da tarefa do coleccionador, que petrifica o objecto no interior do seu círculo mágico, a colecção. Estes termos são os de Walter Benjamin, do pequeno mas fundamental texto “Desempacotando a minha biblioteca”, sobre o coleccionador, para quem “o mais relevante destino de um exemplar é o seu encontro com ele, com o coleccionador e a sua colecção”. O coleccionismo é uma forma de renovação, de criação de uma vida nova que apenas existe nessa convergência entre o objecto particular e o conjunto pessoal. É também uma forma de conforto em relação ao universo vasto, pois controlando-se de uma forma fixa e forte um troço desse universo, emerge a ilusão de que ele mesmo é controlável e assimilável. É por isso que os coleccionadores conseguem sempre ter “tudo” do que desejam, pois alguns objectos eventualmente associáveis, se estão fora do alcance, tornam-se dispensáveis, perdem as características que os tornariam passíveis de integrar o tal círculo mágico. Ora, estes stickers são algo de bem diverso, uma vez que o seu propósito é serem abandonados, ou serem ofertados para fora do controlo do seu usuário. São mais livres e até desprendidos, pois serão sempre abandonados algures. Mesmo que se os empreguem em objectos pessoais (cadernos escolares, portáteis, bolsas, etc.), esses mesmos objectos têm uma vida limitada, ou pelo menos não presente a todos os momentos. Todavia, é como se fosse um abandono sensual de si mesmo. Uma marca de si (a assinatura do artista ou do designer) impressa na rua.
Alguns dos leitores recordar-se-ão dos Kalkitos, que mais especificamente eram decalcomanias ilustradas – na nossa óptica, esse produto tanto participa do fetiche nostálgico como de uma acção de facto perdida, já que não existe hoje qualquer produto sequer análogo. Os Kalkitos eram um brinquedo curioso, pois apesar de ter regras determinadas (ter de preencher cada cenário com as personagens que o acompanhavam), havia sempre a possibilidade de fazer dispersar personagens de um título (p. ex., soldados da 2ª Grande Guerra) num cenário de outro (a América de Colombo, a aldeia de Astérix). Essa possibilidade de subverter as regras era já uma promessa de outros desvios futuros. E o seu uso fora até dos cenários previstos abria ainda mais o leque dessa invasão, o que também era possível com cromos repetidos, soltos, seja o que for… Hoje em dia, existem produtos diferentes, com uns livros de cenários ilustrados e autocolantes reutilizáveis, que permitem ser colados e descolados as vezes que se desejarem, para procurar várias soluções de agência e narrativa. Um exemplo é a série Le tour du monde de Mouk, de Marc Boutavant, mas muitos outros títulos existem. Esses objectos todos apresentam uma pequena colecção de autocolantes, associados a um universo contido, mas não tão regrado como a da caderneta (cuja taxonomia é precisamente a do controle do coleccionador); e está aberto a subversões.
Este Sticker Bomb 2 não é mais do que uma antologia de vários artistas que trabalham nessa área particular (e outros “forasteiros“ convidados para o efeito), podendo ser mesmo considerado como um directório profissional, uma vez que os nomes dos artistas internacionais (portugueses incluídos) vêm acompanhados dos seus blogs, sites e contactos. Mas sendo composto por autocolantes prontos a serem usados, é como se exigisse ser uma plataforma a partir da qual os seus objectos possam vir a ser usados tal qual como originalmente eles foram pensados.as teremos aqui de terminar com uma confissão: que fazer com este livro? Utilizá-lo como ele próprio deseja ser utilizado, ou negar-lhe a natureza e preservá-lo apenas na sua potencialidade? Guardar ou libertar?

22 de novembro de 2010

O Pénis Assassino. Janus (Mmmnnnrrrg)

O Macaco Tozé foi descrito, vezes várias, como sendo “escatológico” ou “pornográfico”, mas uma leitura mais atenta e sem moralismos apriorísticos revelará algo de mais complexo. Nenhum desses géneros, ou pelo menos categorias descritivas, se aplica correctamente na obra maior de Janus (desde já dizemo-lo, entendendo que o traço de Janus recua – por força de variadíssimas circunstâncias que apenas pertencem às condições de produção, importando apenas os resultados, menos densos, escuros, sólidos do que em trabalhos anteriores). Pornográfico não é nem no sentido da mera representação do acto sexual em todos os seus gloriosos pormenores físicos e excretivos, nem sequer em termos de efeito sobre o leitor, já que os momentos de sexo estão minados nesse sentido por uma procura antes dos seus aspectos mais duros, violentos e até mesmo cruéis. Mas não desapaixonados, à sua maneira, como se verá. Escatológico também é negar-lhe a natureza observacional, a franqueza com que lida com o bas-fond, com o peso do corpo das pessoas e com o peso que o álcool, o cansaço físico, a miséria ou outras estradas exercem sobre esses corpos. Não estamos a falar de Johnny Ryan ou de Mike Diana ou de Ivan Brunetti. Estamos em crer que essa forma de votar a obra de Janus a um território de “baixeza” é uma atitude de pedantismo cultural e de cegueira para com outras realidades sociais, na verdade mais próximas da realidade nacional. Janus age mesmo como um arqueólogo da cidade do Porto, dos seus bairros populares, da sua gente agreste, com um olho particular para aquelas zonas que uma nova agenda social, política, de postal ilustrado, vem querer tapar vivências que não se coadunam ao conforto burguês da maioria de “nós” (ver adiante quem são “nós”, e não nos excluímos a nós próprios desse círculo de conforto burguês). Por outro lado, talvez essa forma de encafuar o seu trabalho nesse canto seja uma forma de protecção, de querer evitar pensar essa existência real no nosso país, na nossa cidade, mesmo ali ao lado. A banda desenhada, vivendo na sua esmagadora maioria, como veículo de fantasias, procura naturalmente uma desumanização “por cima”, fazendo trazer à sua tona aquilo que se desejaria ser constante e acessível. A desumanização – a “macaquização” - de Janus faz-se por outras vias, mas precisamente para encontrar a mais elementar natureza humana. O que ele compõe é mais perturbador do que matéria de afago.
O Pénis Assassino, porém, é de outra massa. Para já, por se tratar da maior história contínua dada ao público por Janus. Logo à partida, por se tratar de algo próximo da novela, apresenta-se com uma concentração e desenrolar narrativo mais complexo, no que diz respeito aos desdobramentos de uma personalidade, a do protagonista Francisco, e as outras personagens com que se relaciona. A personagem de O Pénis Assassino é uma espécie de Macaco invertido. Se os “macacos” poderão servir, de forma mais ou menos alegórica, alertar e sublinhar a natureza humana constante – independentemente dos avanços tecnológicos ou as obras de arte e pensamento, somos ainda as mesmas criaturas que se abrigavam em peles de animais, se revezavam em violência, e temiam o escuro –, o facto das máscaras desaparecerem neste livro não deixam de lançar uma qualquer sombra pela sua ausência. No entanto, onde Tozé era uma criatura amargurada, provavelmente por ter vivido muito ao rés-do-chão da vida, este Francisco está mais próximo de um de nós (“nós” tornando-se o modelo hegemónico do leitor, se não homem branco, pelo menos da classe burguesa, minimamente confortável e com expectativas de uma existência segura social e economicamente).
A eleição do membro viril como ponto de partida de complicações não é propriamente original. Poderíamos citar O tagarela de Paolo Baciliero (por via do Brasil, “Grandes Aventuras Animal # 3”), a improvável mas existente série de histórias aos quadradinhos portuguesa Pedrinho (na década de 1970/80 de autor anónimo), de fortes contornos humorístico-corrosivos mas que seriam assaltados como mera pornografia infantil hoje, provavelmente com direito a prisão, ou então variações, desde o preservativo assassino de Ralf König ao esperma negro-mágiko da personagem Klimakks, de The Filth, de Morrison e Erskine. No entanto, se todas essas histórias pretendiam essa referência como forma de catapultar para um determinado tipo de humor (“depravado”, “doentio”, ou outros adjectivos), Janus parece querer transformar o temível bruxedo sobre o pénis da sua personagem como símbolo de um vício desesperante. Podemos ler o livro de uma forma superficial, directa, a história fantástica que se nos apresenta. Mas podermos tentar perscrutá-la como se representasse algo mais.
Uma das pistas de interpretação que nos parece óbvia a informar esta obra é a da herança da culpa católica. Numa conversa informal com o autor, sabemos que a educação católica teve um papel na sua vida e é ele próprio quem admite esta possibilidade de transformação da ideia de culpa como ponto nevrálgico de O Pénis Assassino. Mais, é o autor que nos diz que “A Culpa” foi, num momento, um título hipotético. Assim sendo, é como se fosse um fantasma da ética católica que se instalasse na personagem principal e que, a cada momento do seu orgasmo, essa culpa se substancializasse de imediato. Penso que todos os homens se reconhecerão na frase de Flaubert, “uma onça de esperma perdida cansa mais que três litros de sangue”. Ou a ideia de Bataille, por via popular, da “pequena morte” (L'Erotisme): “o orgasmo [é] quebra, um ficar fora de si, abandono da identidade. O orgasmo também provoca um colapso do eu. No esgotamento, o corpo deixa-se cair no fluxo das correntes que o atravessam, ele regressa ao modo vegetativo” (com Bataille, seria interessante encontrar onde se encontra a dissolução do eu de Francisco). O orgasmo traz sempre ao homem uma fraqueza (no caso da mulher, na esmagadora maioria dos casos, é antes uma electricização adicional), e, dependendo da situação, sentimentos de incompletude, culpa, insegurança, retorno a um qualquer perigo. Parte dessa situação é fisiológica, alterando a actividade cerebral, eliminando a ansiedade no seu momento mas trazendo uma enxurrada nova de mais ansiedade depois; a própria composição do esperma contém substâncias como a putrescina e a cadaverina que aponta para aspectos mais negativos da sexualidade (em termos simbólicos, pois nada têm de negativo, são naturais). Mas parte é também cultural, e um elemento substancial desta nossa cultura é a herança do Cristianismo e os seus vários teores de culpabilidade, as mais das vezes relacionadas com aspectos sexuais.
Independentemente da origem do seu problema estar possivelmente no “mau olhado” da bruxa, uma doença demoníaca instalada no seu membro viril, é possível invertermos a situação da origem e encontrar no próprio protagonista a responsabilidade máxima. Francisco sente-se culpado na expressão física da sexualidade, do seu amor pela noiva (e depois pelas outras vítimas, mais ou menos indesejadas, mais ou menos responsáveis pela sedução, tornando Francisco sempre um instrumento ele-mesmo do seu membro, por sua vez utilizado de modo utilitário pelas mulheres: haverá aqui um qualquer grau de misoginia mágica?, de transferência da culpa?; a maioria dos capítulos refere-se sempre a uma figura feminina). Então o seu orgasmo é transformado numa explosão mortífera. Nesta ideia, estamos possivelmente a reduzir os acontecimentos de O Pénis Assassino a uma espécie de metáfora. Talvez o seja, mas talvez sejamos mais honestos para com a obra se levarmos os acontecimentos como reais, pelo menos no seu universo fictício. É entre a redução ou uma leitura chã que nos dá este universo fantástico, ou um qualquer grau de escavação que permite ir ao encontro de outra leitura. O leitor oscilará onde melhor encontrar o seu próprio equilíbrio, numa obra que pretende retratar os muitos desequilíbrios que espreitam a cada momento das nossas relações, estas mais símias, aquelas mais humanas.
Nota: agradecimentos ao autor, pela conversa. Imagens retiradas do blod da chili com carne.

16 de novembro de 2010

Três curtas de animação portuguesas.

Havendo sido detectados alguns erros crassos (técnicos e de foco) nos textos interpretativos sobre estes três filmes de animação, território criativo sobre o qual nós ainda nos encontramos numa fase de introdução e lenta aprendizagem, resolvemos retirá-los para proceder às necessárias correcções, de forma a poder validá-los de uma forma o mais consolidada possível. Porque acreditamos na necessária argumentação válida para a discussão de todas e quaisquer áreas, e na humildade em dar sempre continuidade à formação inerente a cada território, não retiramos o posicionamento inicial assumido, mas a ele voltaremos com os instrumentos mais acertados.
Obrigado pela compreensão.
Pedro

7 de novembro de 2010

Popville. Anouck Boisrobert e Louis Rigaud (Bruaá)


Independentemente de se tratar de um erro científico, usualmente diz-se que a “velocidade de escape”, isto é, a velocidade que um corpo tem de atingir para escapar à força gravitacional do planeta Terra é de x (não sendo x uma incógnita, mas sim o resultado das equações respeitantes a este assunto, que não saberíamos sequer ler). Mas a velocidade de escape para que um qualquer objecto, ou personagem, ou mesmo mundo, de um livro, consiga pular para fora da força gravitacional do papel desse mesmo livro é, paradoxalmente, mínima e infinita.

Mínima
, porque vivemos num mundo em que a criatividade aliada ao objecto do livro conheceu determinações ao longo da sua história que permitiram belíssimos exercícios, soluções inesperadamente úteis e efectivas, desvios surpreendentes e até mesmo a fundação de uma longa tradição de livros-brinquedo ou livros-jogos a que demos o nome, noutra ocasião, de livros “mãocãnicos” (termo sobre o qual continuaremos a pedir perdão ao leitor pela fealdade). Existem muitos e muitos exemplos de autores e artistas que trabalharam o formato do “pop-up” de modos magníficos e integrados na narrativa (se a houver) dos livros respectivos.

Infinita
, pois ela só será real se estiver aliada dessa magia própria e deíctica a que se dá o nome de “leitura”. Os instrumentos necessários para que essa convergência se dê é múltipla, subtil, por vezes mesmo circunstancial. Quando acontece, há uma súbita iluminação da sua realização.

Popville
é um livro que tanto une a sapiência artesanal do primeiro sentido como a potencialidade de se atingir a do segundo.

Este livro, este objecto, apresenta logo à partida dificuldades cujo início de descrição não apenas as explicita como torna claro o seu propósito, como se cantassem, com Tom Zé, “Eu tô te explicando pra te confundir./Tô te confundindo pra te esclarecer”. Podemos contar 7, 8 páginas? Ou apenas 1/2? No primeiro caso, conto-as pelos gestos que se executam, no segundo pelo “fundo” que permanece e vai sendo transformado. Mas no fundo, talvez tenha apenas uma página, ou as páginas centrais do livro, que é a cidade do seu título. Tratando-se de uma simples construção e crescimento de uma cidade, este retrato pode também encontrar associações ao mundo da banda desenhada, se recordarmos aquela magnífica pequena obra de Robert Crumb, “A Short History of America”, de 1979, cujas vinhetas apresentam sempre o mesmo “canto de terra” dos Estados Unidos ao longo de 12 imagens (e mais 3 “adendas” que acrescentaria em 1988) para dar a ver uma história do seu crescimento civilizacional.

No entanto, se no caso de Robert Crumb se tratava, de facto, de um retrato, algo que correspondia a uma realidade histórica (mais os três hipotéticos futuros acrescentados), o caso de Popville apresenta-se como uma generalidade do crescimento das cidades modernas, a partir de um canto de terra ocupado por uma igrejinha no meio de um renque de árvores, e uma estradinha por onde vem um carro. O que se segue é um ritmado mas inexorável expansão e crescimento, alongando e complicando as estradas, abatendo as árvores e diminuindo as áreas verdes, erguendo novas casas, elevando gruas e prédios de apartamentos, construindo fábricas, fundando linhas de ferro e de comunicação, abrindo espaço à divisão centro/periferia, e deixando as poucas zonas verdes em torno de uma imensa chaminé industrial, por onde, imaginamos, sairão nuvens artificiais de poluição. Em termos de mecanismos de papel, os de Popville são relativamente simples (não elaborados e decorativos como os de Pienkowski ou de Sebuda, por exemplo, ou ainda o ABC3D de Marion Bataille), pois o seu propósito é o do crescimento cumulativo, e não o da organização de quadros sucessivos ou de apoio ao programa narrativo (na verdade, raramente esses mecanismos contribuem de forma significativa ou central para a diegese, havendo uma excepção em The Dwindling Party, de E. Gorey). Logo, essa mesma simplicidade de mecanismos e formas é justa perante a sua ideia. Porque há sempre uma ideia, ou mais até, uma ideologia.

Há sempre uma ideologia, por mais disfarçada que ela possa estar. O texto do posfácio, da autoria da escritora Joy Sorman, tenta criar como que uma dimensão poética ao próprio trabalho de construção de uma cidade, transformando todos os seus passos e elementos, desde as pesadas máquinas aos ruídos, em algo de irresistivelmente belo. Quando escreve “o vazio é preenchido”, parte do pressuposto que a paisagem natural é, em si, vazia, um vazio cujo propósito é ser preenchido pela ocupação dos homens com as suas cidades. Vistas positivamente, claro, pois “a cidade acolheu novos habitantes, prosperou, multiplicou-se e agora vivem todos juntos”. Aquilo que parece ser um mero jogo, lúdico, divertido, sem controvérsias, é no fundo como que uma apologia da construção urbana. Há uma frase no último livro de Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, que parece fazer um rápido retrato da civilização transmitida por Popville: “Toda a arquitectura é violência” (Canto II, 95.1). Porque é que os autores não aproveitaram para mostrar soluções criativas, fora da “normalidade” da arquitectura e do urbanismo real? Não que queiramos tornar o livro cativo de propósitos ou programas pedagógicos redutores, mas imaginaríamos pelo menos abrindo-se a um desvio conceptual que não procurasse ser subserviente à tristeza real da construção “selvática” em detrimento de outras soluções.

É possível que estejamos a querer carregar demasiado nesse aspecto. O objectivo deste livro é estimular uma capacidade de visualidade, imaginação e reconhecimento, como quando uma criança constrói uma estrada com molas de roupa, uma estação de serviço com esfregões da loiça ou um molho de papéis para fazer um lago. E se os leitores quiserem, podem ler o livro ao contrário, desbastando a cidade até ao regresso nostálgico de uma vida campesina que jamais existiu. Ou abri-lo em qualquer página e simplesmente maravilharem-se com a súbita emergência das formas, as torres de linhas que se levantam, as estações que se desdobram, as manchas que aumentam ou diminuem, as gruas que se alternam... A riqueza deste livros é que permitem ao leitor construir a sua própria leitura e percurso e, assim, interpretação.
Nota: agradecimentos à editora, pelo envio do livro. Uma vez que existia já um vídeo (da Macmillan Childrens no youtube) com qualidade deste livro, utilizámo-lo para ilustrar este texto.

2 de novembro de 2010

O amor infinito que te tenho. Paulo Monteiro (Polvo)

Este pequeno volume reúne quase na totalidade os trabalhos de Paulo Monteiro, cujo trilho na banda desenhada se tem tecido por estes curtos relatos, espalhados em vários projectos editoriais, inclusive aqueles que nascem do colectivo Toupeira, afecto ao Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, de que é ele o director (no entanto, ficou de fora “Rádio Medo”, uma das nossas peças favoritas deste autor). Todavia, a sua pouca produção é contrabalançada, e sobremaneira, pela força da convicção e presença desses trabalhos.
Paulo Monteiro, em termos estilísticos, gráficos, inscreve-se numa família onde encontraremos nomes tão díspares quanto David B., Craig Thompson, um Mattoti a preto-e-branco, e tantos outros (parte dos convites e presenças destes autores no FIBDB terão a ver com um auscultar das afinidades do autor/director?), que dominam a figuração por um traço que tanto tem a ver com a linha como com a pincelada, uma gestualidade a meio dessas duas. No entanto, Monteiro não é tão dado às manchas negras, orgânicas, do autor francês, e a sua plasticidade é mais moldada que a do americano (aliás, nalguns trabalhos faz lembrar uma certa hieraticidade, à la Léger). As afinidades são mais próximas com o autor italiano, digamos O homem à janela lançando uma sombra sobre “Irei ver a amada”. O grau de diferença do autor português está, de facto, na sua capacidade de escrita (mas uma escrita pela ou com a imagem), na sua entrega ao cultivo de pequenos poemas sob a forma de banda desenhada, uma poesia narrativa, histórias curtas embrulhadas num invólucro de ternura, de palavras amorosas, de gestos simples de aproximação. Para quem experiencia essas emoções, sabe que elas são capazes de criar vínculos fortes com o seu leitor. Precisamente como quem lê um poema.
Parte dessa magia é garantida pelo quase constante uso de uma voz narradora “fora” da história, através de legendas acima das imagens, e até mesmo pela utilização directa de um vocativo ao narratário, seja ele específica (“adeus avô”, “eu fico por cá, mãe...”, “ó amada”, “amada minha”), como se o autor construísse pequenas missivas. Algumas delas têm um destinatário muito concreto – o pai, o avô – outras mais difuso – a amada (e a ela retornaremos) ou o leitor em geral, que nunca o é, somos sempre, particularmente, nós. Elas, as histórias, podem ser de uma fantasia que transfigura as relações (“Este infinito amor que te tenho”) como uma metáfora contra a guerra (“A canção do soldado”, em que tanto encontramos Tardi como o Fernando Pessoa de O menino de sua mãe), como ainda podem ser um espelho levantado contra o próprio rosto, ora metamorfoseado por um qualquer grau de absurdo e onírico (“Fico com as minhas baratas” e “Este sou eu”) ora sob a forma de aparentemente linear verter da realidade quotidiana para uma história (“A tua guerra acabou” e “Para lá dos montes”, uma das melhores peças desta antologia, de um equilíbrio riquíssimo e belíssimo, próxima das de um poema de Kavafis ou de Biedma). Mas são sempre retratos de um autor, deste autor, deste homem.
Todos os autores, sabemos, criam as suas obras numa mistura de emoção, por vezes à flor da pele, e de sapiência criativa, de controlo estratégico. Sabemos também que nem sempre autores maiores são emotivos, e bem pelo contrário são relojoeiros perfeitos (Alan Moore como exemplo acabado), e que deixar fluir as emoções de modo desabrido, permitindo uma total e absoluta expressão pode conduzir somente ao grito: catártico, sim, mas grito que não atinge o outro como a palavra articulada. Recordemos um verso já antes citado, de Adolfo Béquer: “si sientes, no escribas”.
Todavia, há como que uma impressão na leitura destas histórias de que a obra de Monteiro se pauta por uma genuína entrega, um encontro entre actos confessionais e um espalhar de uma abertura perante o seu leitor. Há menos uma preocupação em “contar histórias” - se bem que possa ocorrer esse efeito secundário – do que em tricotar essa expressão emotiva; há menos uma procura por moldar uma beleza e talento e virtuosismo visual do que uma busca pelo garante de dar a ver essa verdadeira transmissão de uma respiração que terá a ver com o amor.
Cada peça, portanto, é uma metonímia de todo um mesmo gesto. E que gesto será esse? Bom, é aqui que espreita um perigo de interpretação que não conseguimos evitar.
É muito provável que incorramos agora num tremendo erro de perspectiva crítica, por arrancar a vivência real, empírica, da experiência do autor para depois iluminar a sua obra [e o facto de haver excertos do diário do autor neste volume não nos exime do pecado crítico que se segue]. Sempre acreditámos – e não o deixaremos de fazer mesmo que saibamos estar a incorrer nesse perigo com estas palavras – que misturar a vida pessoal com a respiração da obra abre as portas à pior classe de comentário, e a um biografismo perigosamente inane e estéril. Repetimos (outra vez) uma citação de Hermann Broch que já havíamos utilizado: “Na familiaridade, está latente o germe da insinceridade e da mentira”. Portanto, com a indiscrição que se segue, caveat emptor: Paulo Monteiro é namorado de Susa Monteiro. Se lermos as obras dos dois autores de forma cruzada, e se os conhecermos fisicamente, descobriremos que as histórias de ambos, quando mergulham nas densas tramas do amor, seja ele fantasiado por que paisagem for (e no livro de Paulo Monteiro encontramos o mundo dos marinheiros, uma malha urbana, um passeio de domingo e até a sombra de um enforcado: apenas duas histórias são directamente uma referência à amada, e ambas têm instrumentos gráficos ligeiramente diferentes, representações distintas, mas é como o eco se mantivesse em todas as histórias), e mostram um amante, este acaba por ganhar alguns dos contornos dos rostos ou da presença um do outro. Assim, é como se a cada leitura de cada uma das histórias destes dois autores estivéssemos na presença de algo que tivesse sido escrito a quatro mãos, recordando-nos experiências como Nós, Outros de Casimiro de Brito e Teresa Salema, por exemplo. Uma declaração de amor mútuo através da banda desenhada. Uma correspondência amorosa de trabalhos. Existem outros casais de autores, ou casais de autores de banda desenhada, mas são raros senão inéditos aqueles que se casam (o verbo “acasalar” seria terrível) pela banda desenhada. Um espelho é uma superfície finita, dois espelhos são duas superfícies finitas, mas um espelho virado para um outtro cria um eterno e infinito corredor. Belo, não?
Nota: agradecimentos à editora, pela oferta do livro, e ao autor, pelos gestos. As imagens do interior forem disponibilizadas pelo autor.

Gambuzine # 2. AAVV (ed. Gambuzine)

Se em termos materiais, esta edição do novo Gambuzine é mais feliz, há duas outras dimensões mais limitadas: por um lado, e por menos importante que isso seja para a editora e os autores, há as tropelias da linguagem (gralhas, traduções apressadas, desgramáticas, etc.), que se não impedem a fruição do caroço, tornam a sua mastigação mais complicada; por outro, o leque de diversidade de trabalhos é mais circunscrito, havendo uma natureza mais condensada entre eles.
O desencantamento contemporâneo – delimitado ao “nosso” espaço: uma Europa social-democrata, liberal, contemporânea, supostamente multicultural – é sabido, e ele não voga apenas por entre os “jovens” como por toda a população (para quando a revolução e as manifestações dos reformados e das empregadas de fábricas insolventes?), mesmo que muitas dessas pessoas não saibam sequer como procurar modos de expressão desse mesmo sentimento, e menos ainda em como o transformar numa via de acção transformativa.
Se os anos do pós-guerra, e sobretudo após o Maio de 68, significaram alterações profundas no tecido cultural e social da esmagadora maioria dos países da Europa ocidental (Portugal ainda teria de esperar algum tempo e foi fazendo essas aberturas “às mijinhas”), e depois os anos 80 foram a chave de ouro da ilusória felicidade capitalista, estamos neste momento a assistir e a sofrer uma outra viragem política, cujo escopo e profundidade ainda não podem ser aventados. Há a sensação de que há uma falência de facto de vários projectos – o projecto liberal, o projecto democrático moderno, o projecto multiculturalista (vide A. Merkel) e até mesmo as promessas tecnológicas e energéticas de décadas anteriores – mas não parecem despontar alternativas credíveis, sustentáveis, plenamente moldadas, e despojadas de maniqueísmos fáceis e demagogia, seja de que quadrante for (vide classe política portuguesa). Se viragem houver, não obstante os “pequenos vietnames” por aí espalhados (Nápoles e Atenas, Berlim e Paris), será marcada sobretudo pela resignação e o silêncio... Já ninguém pergunta “que fazer?”, mas “fazer o quê?”.
Os autores reunidos em Gambuzine pertencem a uma tribo mais ou menos reconhecível, mesmo que nenhum nome lhes faça justiça (punk, okupa, anarca, são epítetos, na nossa opinião, falhos de razão e de aplicabilidade restrita e enganadora, mesmo que possam ser tentados numa primeira abordagem). São ainda autores com um carácter obsessivo em relação às mudanças possíveis, são panfletários e contestatários, e talvez mesmo românticos.
Esta edição tem como que um dossier dedicado ao autor alemão Wittek (a associação da editora/autora, Teresa Câmara Pestana, aos círculos underground alemães, são conhecidos), apresentando-se quatro histórias do mesmo, algumas de tom autobiográfico, outra fantasiosa, mas todas elas apontando para um entendimento muito específico dos sacrifícios que cada um de nós pode/deve/tem de fazer para levar avante uma qualquer ideia de felicidade e/ou liberdade, bastas vezes jamais a atingindo. Seguem-se vinte histórias curtas de 19 a 20 autores, sendo apenas nove (ou assim os identificamos) portugueses. Esta não é uma informação que permita qualquer tipo de leitura à partida da revista, zine que é feito na liberdade dos trabalhos que acumula e apresenta aos leitores, e não se podem também fazer separações superficiais entre um “tom português” e outro “estrangeiro” ou algo que o valha. O denominador comum, como dissemos, é aquela atenção e grau de intervenção social que os instrumentos da banda desenhada, pautados pela comentário, ou melhor, a sátira social e política, conseguem.
Seja através da clássica estrutura da tira ou banda desenhada cómica (Raul und Rautie, Titus Ackermman), da fábula animal (Stefan e Clayton, Lukas Weidinger), do breve poema onírico (Catarina Henriques e Fruzzie), do humorado retrato das classes políticas portuguesas (António Vitorino e Plu!), ou o tom aparentemente “alternativo” (Schmico, cujo estilo é muito aparentado ao de Câmara Pestana, tal como o de Fruzzie), todas elas agregam-se para construir uma ideia centralizada dessa voz una que devolve a imagem da sociedade, concentrando-se nos seus inoportunos, injustos e injustificados desarranjos. Mesmo as peças mais “oníricas”, “poéticas” ou outro adjectivo que seja mais ajustado, como as de Sónia Oliveira, de Pedro Rocha Nogueira (cuja experimentação figural já é habitual aos seguidores da sua obra, vinda sobretudo das publicações de Beja), parecem querer apontar, ainda que alguma vagueza, flutuação geral, impressão leve, para as possibilidades da expressão total da liberdade dos homens. De certa forma, é como se fossem herdeiros das alegorias políticas dos autores de animação de leste (Norstein, Trnka, Svankmajer, Barta, etc.), expondo as suas vontades e posicionamentos através destes instrumentos mais modestos.
Uma dimensão mais vincada politicamente é a do episódio histórico (e caricato, irónico) da fuga de um guarda de fronteira da Alemanha Oriental para a Ocidental em “Uma história verdadeira”, de Alex Blotevogel, companheiro de T. C. Pestana na aventura do Gambuzine. Apesar dos seus instrumentos de composição de página poderem ter encontrado formas mais acabadas, o objectivo é composto de modo directo e, surpreendentemente, sem grande drama. Outras menções directas a essas realidades são a rábula curta de Anna Bas Backer, sobre as “desaparecidas” e a tortura do regime argentino nos anos 70, e as curtas irónicas de Andreas Alt sobre os sem-abrigo (que nos parecem ser baseadas em duas coisas: uma forma invertida da famosa personagem da Harvey, Richie Rich, e notícias reais sobre os sem-abrigo). A própria Teresa Câmara Pestana apresenta quatro histórias, sendo uma delas escrita por Vasco Câmara Pestana, que atravessam vários humores e naturezas, mas que tocam todos os temas centrais à publicação, enquanto programa; cada história, respectivamente, é sobre: o respeito e integração na natureza, a distribuição dos papéis sociais no mundo contemporâneo (a autora chama a “História de um pai e filho nascidos no mesmo ano de 1965” [ver imagem acima] uma “noveleta da treta”, mas é uma das suas peças mais narrativamente acabadas e fortes), o comentário directo político, e uma abordagem poética-alegórica como aquela citada atrás.
Uma palavra especial guarda-se para a história de Álvaro sobre a educação sexual. O conhecido humor deste autor apura-se substancialmente quando ele o emprega sobre aspectos reais da nossa sociedade, isto é, quando tem alvos mais concretos e verdadeiros. Para mais, a forma como constrói, quase instantaneamente, personagens e seus cenários próprios, o ritmo tão exacto das suas trocas e interacção, faz desta uma pequena pérola do retrato de um país como o nosso.
Tudo isto reúne-se portanto num objecto que respeita o fantasma da origem do seu nome: um animal elusivo, que todos sabem como caçar e avistar, mas sem nunca concretizar com exactidão essa captura, por esfumar-se numa ilusão mais rápida que a realidade.
Nota: agradecimentos à editora, pela oferta e envio da publicação.

Scott Pilgrim, vols. 1, Na boa vida e 2, Contra o mundo. Brian Lee O'Malley (Booksmile)

Num momento em que a banda desenhada é pasto para adaptação cinematográfica e televisiva, e tendo em conta que os maiores sucessos junto ao “grande público” e à “imprensa mainstream” ocuparão maior atenção – pensamos nos filmes em torno das personagens da Marvel e da DC, do Red, das séries The Human Target e Walking Dead, etc. - é sempre um ponto positivo ver transformações que bebem de fontes relativamente diversas, como o recente (mas cinematograficamente negligenciável) Tamara Drewe e este deliciosamente leve Scott Pilgrim.
Scott Pilgrim (6 vols., pela Oni Press, entre 2004 a 2010) foi apresentado em alguns círculos, logo ao seu início, como “mangá norte-americana”, e a verdade é que muitas das estratégias visuais, narrativas e emocionais da banda desenhada moderna japonesa são empregues de modo claro nesse título canadiano (antes que apontem um qualquer erro de argumentação, recordem-se que o Canadá é um país norte-americano, daí o epíteto anterior) No entanto, tudo isto é complicado pela ascendência coreana do autor, o que o coloca num paiol cultural de cruzamentos e influências que já não encontra obstáculos ou diferenciações de leitura em lado algum Como sair desse imbróglio de cruzamentos, linguagens e possibilidades? Como Scott: para a frente.
A parte visual e narrativa que o livro deve à “mangá” são as dimensões de mais fácil e imediata apreensão: um formato próximo daquele dos tankobon mais finos (seguido pela edição portuguesa); uma liberdade de composição de página que leva a um equilíbrio ora por momentos de alto dinamismo, típicos de acção ou imitando clichés de jogos de computador ou de animé, ora por estruturações mais calmas, permitindo momentos de diálogos calmos e pausados; uma figuração reduzida e estilizada mas que não deixa de conter todos os elementos necessários à transmissão das emoções necessárias (quase próximo da simplicidade/eficácia dos emoticons, para dizer a verdade); a capacidade para moldar um mundo fantasioso, ou melhor, efeitos fantasiosos, plena e naturalmente integrados num ambiente realista. Aliás, esses momentos parecem ser violenta e inesperadamente desligados do ambiente que havia sido estabelecido no início e a que se retorna depois na história restante, mas é essa mesma discrepância que dá algum charme a toda a diegese. Não estamos longe de escolhas aparentadas com títulos da mangá, propriamente dita, infanto-juvenil, de que as séries One Piece ou Naruto (pelas cenas de luta, sobretudo) são expoentes contemporâneos, mas a temática e o objectivo central de Scott Pilgrim é ligeiramente mais maduro. Uma maturidade cheia de humor escapista, ou um escapismo com laivos maduros. Ambas as leituras são, julgamos, possíveis.
O estilo de O'Malley é estilizado em extremo, através de uma busca por traços simples que recordam uma abordagem de suaves bandas desenhadas infantis. O facto de ter publicado pela Oni Press não é de somenos, pois é aí que encontraremos outros autores, norte-americanos, canadianos, etc., que se lhe aparentam na abordagem cool/estilizado/simples, de Brian Ralph a Scott Morse, entre tantos outros; mas O'Malley é aquele que mais se aproxima desse idioma mangá mundial. Mais, Scott Pilgrim é mais suave nesse sentido do que o seu livro anterior, Lost at Sea, o qual, mais realista e maduro no tema, não era pautado por este dinamismo bem-humorado.
Esta aposta da editora Booksmile, com experiência no mercado para crianças e adolescentes (tweens, na nova gíria), parece-nos ser bem-vinda, saudável e inteligente. A edição é muito cuidada (salvo uma ou outra página com um corte infeliz, mais radical do que na edição original), a tradução é excelente, fluida e integrada (não só mantendo o factor “cool” da linguagem adolescente para português corrente, o que é difícil, como encontrando trocadilhos com a nossa cultura, portuguesa, que funcionam bem. Exemplos: “Poo on you” = “Cocó para ti”, “Scott Pilgrim has two girls on the go” = “Scott Pilgrim tem dois amores”), e, o que é um aspecto importante, o preço é bastante convidativo. Esperemos que a sua distribuição seja cuidada e chegue ao público que merece, o qual, diríamos nós, flutua entre os adolescentes e os jovens adultos (o que não impede pessoas fora dessa classe de os ler, como nós mesmos). Além disso, o facto de ser um título relativamente recente e que terá a sua versão cinematográfica a estrear em breve, torna-o um produto de pensamento comercial bem pensado, ao contrário das apostas recentes da Asa, em dois títulos cujo “prazo de validade” é discutível.
Permitam-nos a continuação da discussão do livro (que na versão portuguesa apenas tem dois volumes para já, mas imaginamos que os completarão até a estreia nacional do filme, em Dezembro) através da sua versão cinematográfica, já vista por nós.
Scott Pilgrim vs. The World (Edgar Wright)
O filme em si é uma adaptação excelente. Não segue à risca o que estava previsto no livro, pois seria impossível respeitar todos os desvios que O'Malley cria em torno de Pilgrim, e o filme necessitava de uma maior concentração diegética (cujo grau de alteração tem sempre de ser aceite, mas depois verificado em relação à sua pertinência: o caso de Tamara Drewe é exactamente o contrário, demolindo-se o que havia sido conquistado pelo livro de Posy Simmonds). Por outro lado, as opções da versão cinematográfica em redistribuir papéis ou alianças parece-nos ter sido não apenas uma imposição dessa mesma linguagem como ainda um melhoramento em relação à trama emocional e construção psicológica das personagens. Por exemplo, algumas das opções de Scott são dadas ao companheiro Stephen, o que torna mais distribuída a relação entre os papéis das personagens e o facto de ser Michael Cera o actor torna a cagunfa de Scott mais tolerável, na opinião de muitos espectadores.
Além do mais, como é cada vez mais conforme neste mundo de franchising e merchandising, ou de media incorporados, a estreia do filme está implicada ainda numa rede de vídeo-jogos, animações, e outras parafernálias.
Há desde logo uma dimensão visual e de movimento que o cinema traz ao livro, um conjunto de instrumentos que lhe são próprios e moldam a história de modo diferente. A potencialidade que o CGI veio trazer ao cinema tem dado azo à exploração quase superficial dos efeitos que essas técnicas permitem, mas colocaram-se de lado totalmente as outras dimensões importantes no cinema, como, se quiserem, a escrita. Na falta de escritores verdadeiramente originais (salvas algumas excepções, como a óbvia e obrigatória referência a fazer a Charlie Kaufman ou Diablo Cody), esse sistema de produção de entretenimento vira-se para remakes (Dinner for Schmucks é um repescar de Le dîner de cons, de 1998, cujo protagonista “idiota” é um tal Monsieur Pignon, que influenciaria um autor português na criação da sua personagem principal...), fórmulas repetidas (“comédia romântica”, “crise adolescente”, “last stand”, etc.) ou então baseados em... jogos de computador, parques de diversões e até jogos de tabuleiro! (esperamos num espaço de 10 anos O Jogo do Galo. O Filme?). Um outro filão, obviamente, é o da banda desenhada, sobretudo a de super-heróis ou géneros contíguos. Aliás, “Hollywood has run out of ideas” é uma frase recorrente em alguma crítica norte-americana, mas essa crítica também poderia afectar outros pólos de produção cinematográfica. Apenas a título de exemplo, e para não citarmos blockbusters que criam fãs-acólitos automáticos, veja-se a curta-metragem de animação Sintel, cuja existência se deve basicamente para a promoção do programa de modelagem 3D, o Blender, e cujos restantes elementos o tornam num dos mais patéticos e terríveis exercícios criativos (e empregar esta palavra é uma benesse) dos últimos tempos. O CGI não é muito diferente do que antes de chamava “efeitos especiais”: se são eles quem se torna a espinha dorsal de um projecto, pode conseguir mesmo uma espinha concreta e sólida, mas despida de tudo o resto. A esmagadora desses efeitos, de resto, serve para a ontologia realista desses filmes, isto é, aquilo para que é empregue serve para sublinhar a “realidade” desse mesmo universo fictício: aqueles dragões existem mesmo, estes ogres são reais, estes miúdos montam mesmo vassouras voadoras e estes sabres de luz funcionam mesmo... raramente se procuram efeitos visuais que sirvam para a própria experiência visual, livre, do filme (talvez The Yellow Submarine seja um grande exemplo disso).
No caso de Scott Pilgrim, e em relação a esta crise dupla – crise da escrita, suporte pelo CGI – temos duas procuras positivas, porém: por um lado, a escrita, não sendo propriamente “the great Canadian novel”, ou sequer uma obra-prima para o século XXI, traz à baila uma rábula fantasiosa em torno das relações amorosas dos adolescentes contemporâneos bastante justa ao tempo, por outro, os efeitos, ainda que pertençam à ontologia realista da sua história, são tão deslocados e artificiais em relação à acção (em alguns momentos, recordar-nos-ão a cena dos “preços flutuantes” de Fight Club), que os tornam apetecíveis, cómicos, significativos e, mais importante, revitalizadores.
A utilização de toda a matéria do livro, já de si um pot-pourri típico da contemporaneidade do zapping e do “short attention span” dos saltos culturais torna Scott Pilgrim Vs. The World o que de mais perto poderá existir de encontro entre uma linha coesa narrativa e a estrutura youtube. Está tudo misturado, desde a cultura slacker (quase fora de moda) às bandas-animadas Gorillaz e Dethklok, as personagens-padrão trabalhadas (mais desenvolvidas no filme em termos de concept design, o que não poderia deixar de ser), as batalhas de músicos (recordando tanto as DJ battles ou os combates de instrumentos em concertos ou programas de televisão, como séries de animação), aos inevitáveis jogos de computador 8-bit (também isso pasto para novos sabores de índole punk), passando pela magnífica mistura de DDR e jogo de arcadas, imbuído naturalmente na cultura hipster japonesa (ninjas e o barolo). Nonsense? Não será antes um mega-diverso-sense? Talvez até seja ambos, mas qual é o problema? É um retrato mais fiel da vida do que as supostas lições de moral e de integridade que se transmitem com os melodramas Iron Man ou mesmo O Senhor dos Anéis. É um filme leve, não pensamos sequer que tenha pretensões de ser mais do que é.
Scott Pilgrim anda “na boa vida” e a vida dele é boa.

18 de outubro de 2010

L'Afrique de papa. Hyppolite (Des bulles dans l'océan)

A primeira leitura deste livro levará a um confronto imediato com Le Photographe, de Emmanuel Guibert, Levèfre e Lemercier. O mero facto de se tratar de um livro de banda desenhada que emprega a fotografia como parte integrante da sua linguagem sequencial, na fluidez do seu relato, implica essa mesma comparação. Não se trata de integrá-la enquanto ferramenta de trabalho visual, que poderia tomar muitas determinações e formas, desde base (de Jean Teulé a Ricardo Cabral) a campo de recolha e colagem, de embelezamento, interrupção documental, ou outros empregos. Trata-se de facto de procurar uma eficácia narrativa e gráfica colocando desenhos e fotografia num mesmo espaço, não oposicional, de expressão.
É preciso salientar a diferença crucial entre o programa de Le Photographe e deste livro. Nesse outro projecto, tratava-se de um encontro no interior de uma obra nova de um desenhador e autor de banda desenhada (Guibert) e de um fotógrafo profissional (Lefèvre), em que o primeiro reconta as memórias do segundo, devolvendo-lhe a voz através dos desenhos e integrando as fotografias (as provas de contacto, melhor dizendo), toda a matéria dessa visualização anterior, nessa mesma memorização. No caso deste jovem autor, há apenas um corpo, ainda que duas vozes. Hyppolite assume-se, desde logo, como desenhador e fotógrafo de um modo separado ou separável. Essa informação é explícita no prólogo, onde afirma que leva “o meu bloco de desenho e a minha máquina fotográfica sempre comigo. A segunda numa abordagem mais artística que o primeiro, mais longe da tomada de notas. Mas sempre ao meu lado. Perto. No caso de.” [sic]. A própria construção do livro demonstra-o: as guardas estão ocupadas por uma montagem de fotografias em ponto pequeno, depois da história apresenta-se um mini-portfólio com 10 fotografias que ocupam a página inteira, oblongas, algumas das páginas iniciais com reproduções dos seus blocos (Moleskine, passe a publicidade), pejados de uma minúscula escrita, apontamentos, e esquissos brutos, desenhos breves, aguarelas simples, apontamentos também, algumas das folhas desses blocos ocupadas apenas pela imagem, outras só pela escrita, a maior parte delas por ambas em convivência. Ou seja, o autor revela-nos com tudo isso um método de trabalho, autónomo para cada área, e revela assim também que o encontro possível nasce apenas no interior da necessidade específica a este livro.
É preciso, igualmente, explorar antes a diegese, já que tudo aqui se subsume a ela, não se procurando tergiversações, abandonos ou metalepses que a coloquem em crise. Bem pelo contrário, há alguma preocupação em manter uma coerência e clareza narrativa, ainda que se empreguem duas linguagens aparentemente diferentes (o desenho e a fotografia). Tratando-se de uma autobiografia, mas em que menos importa o “eu” do que as impressões de uma viagem, ou melhor, um filtro e vínculo que aborda um espaço que se deseja ver de um modo diferente de uma outra perspectiva já instalada, L'Afrique de papa é antes um exercício de confronto. Hippolyte visita o Senegal, a cidade de Saly, onde já lá vive o seu pai reformado, vivendo o sonho dourado da “neo-colonização” que os ricos brancos podem fazer a uma África hospitaleira (porque reduzida aos seus serviços turísticos seguros). O pai está sistematicamente a mostrar-lhe o “tesouro” daquele local: comida barata e à fartazana, serviços de luxo ao preço da uva mijona, cerveja fresca sem fim, festas em cada esquina e, mais importante, raparigas jovens dispostas a passar a noite com quem bem puder pagar, o que não é difícil para o capital branco. Hyppolite, no entanto, quer enquanto personagem do seu próprio livro quer enquanto autor, contraria essa atitude de formas várias. Ele entende que ali há pessoas, dignas, com desejos humanos e para além da miséria em que nascem. Nada disto, é preciso compreender, é muito directo, quer dizer, não existe aqui qualquer tipo de diatribe ou discussão directa (por exemplo entre pai e filho), mas são as próprias estratégias do livro que fazem essa perspectiva diferente.
É raro que o pai surja representado de frente, revelando o rosto. Nunca há grandes planos. Se há planos totais de um rosto, são utilizados de forma esparsa e que se deseja significativa num momento particular (o homem branco que se empanturra enquanto observa “catorzinhas”). Quase que poderíamos dizer que há uma procura por um certo grau de despersonalização das personagens brancas, inclusive o pai, como se estas fossem reduzidas a meras presenças simbólicas, de um poder instalado e que nem sequer se apercebe da violência que representa ou exerce. O único homem que vê o seu rosto surgir várias vezes é Omar, um habitante local que sonha em ser lutador (a luta livre – parece-nos ser essa a modalidade – é um desporto amado em Saly, e é um leit motiv do livro), mas se entrega à prostituição com mulheres brancas e velhas (espelho do papel do pai de Hyppolite). Este Omar tece uma história paralela à de Hyppolite que acompanha o seu pai por um dia. Hyppolite-a-personagem é testemunha do mundo do pai, cicerone de Saly (daí que seja “a África do papá”), mas também, já sozinho, e de pequenos desvios pela cultural local (a matança de uma vaca, as lutas, detalhes da cidade). Todo o livro parece estar encerrado num só dia, dois talvez. Esta oposição segue as linhas densas e clássicas de branco/negro, rico/pobre, primeiro mundo de férias/terceiro mundo sobrevivendo como pode, distracção e divertimento/crise ética e sacrifício. Mas também se expressa a nível da matéria visual (que compõe o texto).
A fotografia, é discutido, é um meio indicial, no sentido em que tem uma relação directa com o fenómeno que captara mecanicamente. Quer o desenho quer a fotografia transformam impressões captadas no mundo real, a três/quatro dimensões (ou mais) e as projectam num suporte a duas dimensões, se bem que a passagem da luz da fotografia seja mediada por um meio tecnologicamente determinado (o que leva a uma limitação substancial de expressão e discursividade, como indicara Flusser, se bem que seja sempre importante ressalvar que a fotografia é um discurso, isto é, mesmo mecanicamente, há uma série de opções e estratégias que atravessa), ou mais determinado, se preferirem, do que o desenho, cujo grau de traduzibilidade e influência emocional, física, acidental, pode ser mais visível (claro está, há toda uma substância complexa nestas questões que não se esgota nesta dicotomia débil). O desenho de Hyppolite, mesmo nas pranchas de banda desenhada, mantém o seu carácter nervoso, de esboço, dos cadernos; linhas rápidas, riscos a comporem sombras ou texturas, aguarelas de cores submissas ou comporem ambientes. As fotografias, por suas vez, revelam uma vontade de mostrarem pouca profundidade de campo, nitidez das formas centralizadas, contrastes agudos, e cujo preto-e-branco requer desde logo uma distanciação da fotografia mais corrente (“de férias”) a que a modernidade nos habituou.
Ou seja, procura-se, à superfície das formas de cada meio, uma diferenciação vincada.
Hyppolite não procura, então, qualquer tipo de disrupção, de deslocação, de desterritorialização da própria fotografia, ou dos seus conteúdos, na sua integração em L'Afrique de papa. Não o faz a esse nível. Essa deslocação existe, mas a nível ético, como veremos. As páginas em si tanto se apresentam de um modo fragmentado/coeso típico da banda desenhada (em que as fotografias fazem as vezes de algumas das suas vinhetas – mas não como continuidade da sequência, mesmo nos locais onde isso parece acontecer; são sempre comentário), como em ilustrações ou construções mais livres que integram uma parte de fotografia, como ainda, muitos casos, surgem apenas com os desenhos e vinhetas, classicamente de banda desenhada. A fotografia, portanto, não faz as vezes tão-somente de continuidade da acção (falar-se-ia de uma “banda fotografada”) ou explicitação dos conteúdos e/ou muito menos de ancoramento na realidade empírica do que havia sido tecido pelo desenho, mas quer fazer-se valer de um valor ético e ontológico diverso. Se as fotografias de Hyppolite-o-autor são “mais artísticas”, nas suas palavras, essa arte é aqui utilizada, no interior da narrativa, com um valor social, de correcção das impressões tintadas pela condução (pobremente ética, distraída pelo discurso do conforto branco) do pai e pelo pessimismo da realidade da vida de Omar. A fotografia surge quer como indício dos indivíduos, da vida real, verdadeira, genuína, como da força efectiva dos combates, escape mais digno das gentes do Senegal.
A página que mostramos na íntegra é aquela onde poderá parecer que há uma simples continuidade entre as acções capturadas pelas fotografias – homens a correr, duas velhas brancas a passearem na praia – e as imagens desenhadas. Tudo aponta para uma transição suave, sem complicação de maior. Os jovens lutadores correm pela praia, vemo-los de perto, os rostos, duas mulheres brancas passam por eles, e parecem olhar para eles, mas estes continuam a correr, são observados por outra branca, em topless, perto de um homem refastelado, ao lado do qual se encontra um empregado, negro, provavelmente da estância, que continua a sua ronda, perto mas afastado dos lugares de lazer. Será esse o final da interpretação? Estes dois grupos, negros, por um lado (mesmo que no seu interior tenhamos os corredores, supostamente de uma classe social mais baixa, mais entregue à sorte dos fados, e o empregado fardado), e brancos de férias, por outro, ocupam a mesma estreita faixa de areia e água, mas encontram-se, cada qual, de um dos lados opostos de uma barreira invisível, social, económica, quiçá intransponível (ou apenas numa direcção, através da prostituição ou da luta, as duas soluções “pelo corpo” dada a Omar e os outros habitantes de Saly; nunca haveria a possibilidade dos brancos atravessarem esse muro “para baixo”, já que se caíssem na miséria, não seria em Saly, mas já/ainda em França). Há toda uma série de contrastes e de simetrias a operar nesta página que reforçam sempre essa questão de proximidade física e distanciamento social. Distanciamento do fotógrafo e dos seus objectos de observação, proximidade do desenhador das personagens que quer representar/criar/moldar. Maior atenção visual ao grupo de corredores, versus personalização pelo desenho (e ainda com a inclusão do som, tornando-os mais vivos), e menor em relação às mulheres, quase reduzidas a uma caricatura. Onde os corredores são vistos em número, mas posições iguais, uma espécie de amálgama do número e diversidade, também as mulheres parecem ser reflexo uma da outra, num só plano (a quase todos os movimentos do corpo). A parte de cima (8 imagens, 1 delas desenhada, encerra um “corpo” das personagens que correm), a tira seguinte é apenas a da vivência venereante dos brancos, praticamente inertes (pois têm tempo para descansar – o que contrasta com o epíteto de sempre do pai em relação aos senegaleses, “faz-nenhum”), e o último duo mostrando a relação contrastante entre o empregado e o venereante: no desenho parecem estar lado a lado, na fotografia distanciados. Qual deles transmite a “verdade”? Qual das linhas procura restituir-nos a “realidade” do Senegal, ou mesmo a realidade do Senegal do papá de Hyppolite? Não sabemos se a resposta é apresentada cabal e finalmente, mas ela vai-se compondo...

Entrevista na Zeszyty Komiksowe # 10

A revista Zeszyty Komiksowe ("Cadernos da Banda Desenhada") é uma publicação polaca dedicada a artigos de fundo sobre banda desenhada, de um modo aparentada ao projecto da Quadrado, sobretudo no período em que esteve associada à Bedeteca de Lisboa. Este número em particular, de Outubro de 2010, é dedicado a algo como os limites formais e temáticos da banda desenhada, com artigos sobre experiências artísticas relativamente inéditas, linguagens específicas (a caricatura, a mangá), ou artistas em particular. Infelizmente, não o poderei ler, e presumo que a esmagadora maioria dos leitores do lerbd tampouco.
No entanto, aquilo que desejaria partilhar é uma longa entrevista que o Jakub Yankowski - um dos mais activos agentes da representação na Polónia da banda desenhada portuguesa - nos fez, em torno de temas recorrentemente afectos à nossa escrita e posicionamento. A entrevista saiu em polaco, claro está, mas tendo sido conduzida em português, deixo-a aqui acessível a quem por ela se interessar. Não a coloco neste post, pelo tamanho tremendo, mas está disponível sob a forma de Word doc para quem quiser ler, aqui.
Nota: agradecimentos ao Jakub, pelo convite, a entrevista, a força na edição e depois o envio da revista.

6 de outubro de 2010

Subway Life. António Jorge Gonçalves (Assírio & Alvim)

Se a memória não nos falha, por volta de meados dos anos 90, quando das obras no metro da Alameda, os tapumes da construção eram compostos por imensas reproduções de desenhos de António Jorge Gonçalves. Nesse tempo estávamos do lado de fora, da estrutura preparativa, ao passo que este livro agora nos mostra a arqueologia por dentro.
Essas imagens dos tapumes eram variadíssimas figuras de pessoas, uma espécie de misto de caricatura, retrato, comentário social, criação de tipos. Eram “lisboetas” (chegou a ser mesmo editada uma colecção de postais com essas imagens, da Bedeteca de Lisboa, salvo erro). Essas imagens eram pautadas por uma critividade que António Jorge Gonçalves fez exercer em A Arte Suprema, sobretudo, com um grau de distorção e exagero das formas físicas aparentadas a linguagens humorísticas, e não tanto da poeticidade primeira da trilogia de Filipe Seems ou das imagens realistas de Rei, que afagam o rosto das personagens com uma sensualidade extrema (o rosto feminino de Teresa, o masculino de Tano; na sua leitura, falámos dos signos de Barthes, hoje encontraríamos ecos do encontro entre Resnais e Beauvoir de Hiroshima, mon amour).
Por dentro é a perspectiva de Subway Life. Quem conhece o site, sabe que a promessa de um livro se arrasta há anos, logo é com prazer que vemos surgir este objecto. Talvez esteja na senda de uma cada vez maior abertura para com publicações de desenhos livres, sketch books, carnets de voyage, etc. mas este livro contribui com uma visão muito particular, como veremos.
A experiência em si, quase programática (exposta no livro: desenhar sempre quem se sentar dentro do ângulo de visão nas suas viagens de metro pelo mundo fora), é análoga a algumas outras por nós conhecidas, como a “pessoa por dia” de Jorge Colombo em Nova Iorque, por exemplo, ou as mais diversas experiências “monitorizadas” pelos Urban Sketchers. A diferença está no facto de não haver quase qualquer preocupação pelo anedótico, pelo contextual ou relacional. Com a excepção da breve referência à cidade/linha de metro em que foram “capturados” as pessoas apresentam-se isoladas, na sua personalidade o mais completa possível no interior de linhas desenhadas. Essas introduções são, em si mesmas, belíssimas explorações: as brevíssimas linhas de texto – a de Lisboa é um poema completo – e os magníficos mapas-crescendo de cada cidade, amalgamando as percepções numa única memória-objecto.
O título explica-se. “Subway Life”. Vejamos o segundo termo, “vida”. António Jorge Gonçalves não parece estar muito interessado em revelar-nos o quanto conhece uma cidade, o quanto aprende em dois dias e consegue transformar em matéria a devolver a um interlocutor (o leitor, o espectador). As explorações sociológicas de Marc Augé sobre os “não-lugares” levaram, há uns anos, ao projecto Cimêncio, de Diogo Lopes e Nuno Cera, um exercício sobre os subúrbios. Mas onde o gesto político de Lopes e de Cera era, a um só tempo, positivamente o de acusar a desumanização dessas novas tramas urbanas e, negativamente, falhar em encontrar as vivências das pessoas que os habitam (pois encontram-se do lado de fora do muro dos subúrbios, não o habitam, muito menos o vivem), o de Gonçalves mergulha na potencialidade de um lugar de trânsito impessoal e desromantizado como o metropolitano (não é o comboio, não é um eléctrico, um barco, um cacilheiro) para perscrutar e retratar a vida que por lá passa e se guarda nos desenhos. Há uma carga de sensualidade inerente ao desenho à vista, que contorna os corpos das pessoas, sensualidade essa que tem a ver com um encontro, um diálogo, uma tensão. Centram-se eles, os desenhos, nas pessoas e nada mais. Como dissemos, as pessoas retratadas são-no num fundo branco, sem referências, todas elas sentadas no vazio, mostrando apenas os seus corpos, vestes, expressões, gestos e objectos como signo do que deixam ver de si, ou que deixam que o autor consiga traduzir e dar a ver deles mesmos.
Se bem que o movimento previsto seja o do metro, e a paginação procure a constância de uma direcção, com as fileiras destas pessoas sentadas, é curioso observar com atenção para entender quais os movimentos humanos ainda fossilizados no desenho do artista: um pé que se moveu, outra perna que se cruza, um bolo que se termina de comer e um café que se beberica (é o verbo exacto), um olhar de soslaio que se faz à vizinha, um sobrolho levantado e outro carregado por uma leitura nada indiferente, um telefonema atendido (ou entretanto desligado), e a observação directa, olhos nos olhos, com o artista e, depois, com o leitor. Alguns empáticos, outros desconfiados. O autor explicita pelo menos uma dessas histórias.
Num tempo que Gonçalves tem desenhado particular e quase exclusivamente por meios digitais (e até mesmo passageiros, como nas performances de desenho ao vivo), e apesar deste livro recuar a um tempo passado, é como que um regresso também a uma gestualidade que não se perdeu, mas apenas se transformou. Um rápido cotejamento aos desenhos mais realistas, menos estilizados (e, a nosso ver, mais belos) de Rei, fará emergir precisamente os traços onde se encontram os micro-gestos que ainda pertencem à memória do pulso de António Jorge Gonçalves. Essa dimensão está presente também nas linhas diversas dos desenhos, respeitantes aos instrumentos utilizados, às margens incompletas dos desenhos que corresponderão ao limbo do limite do papel, a maior ou menor grau de acabamento de um retrato, que se associará à velocidade “de exposição” ao modelo. Nessa óptica, a “vida” vem à tona em todas estas vertentes: gesto, velocidade, cumplicidade, circunstância, observação e exploração da pessoa...
Já no segundo termo, em inglês, é curioso que se utilize em “subway life” algo de imperfeito, já que nenhuma destas figuras revela uma vida “subway”. Bem pelo contrário, são todas elas vidas acabadas acima de qualquer uma das linhas que se quisesse ver como delimitadora ou baixa. Esta é a via de cima.
Nota: agradecimentos ao autor e ao editor pela oferta do livro. Fiquem aqui com o trailer feito pelo próprio artista: