Tal como ocorrera com Jimmy Corrigan ou Quimby the Mouse, Ware reuniu todo o material pertencente à série Building Stories para publicar um só volume, onde surge o texto na sua completude. No entanto, esta afirmação levanta um problema duplo.
Por um lado, apesar da suposta prática “alternativa” de Ware, não deixa de causar alguma surpresa que ele respeite a lógica do coleccionador de banda desenhada ou as mais normalizadas estratégicas comerciais (possivelmente necessárias para a sua sobrevivência económica enquanto autor). Muitos dos episódios que compõem este “texto” foram publicados nas mais diversas plataformas, desde jornais (The New York Times, The Manchester Guardian) a revistas (The New Yorker, nest) a objectos fora de categorias (McSweeney’s); alguns dos quais difíceis de obter fora das suas cidades respectivas, e seja como for, passíveis de recuperação num objecto mais perene (o livro). Partes substanciais já haviam surgido em livro, caso do The Acme Novelty Library # 18, que é retomado agora tal qual, ainda que num formato ligeiramente maior e com pequenas diferenças de design da capa. Em suma, o surgimento de um “volume” satisfaz o leitor que deseja ter acesso a “toda” a história mas também ao completista que encontra mais um objecto diferenciado para a colecção.
Por outro lado, está a questão física do “volume”. Como se sabe, este Building Stories é na verdade uma caixa de cartão, no interior do qual se encontram vários objectos: dois livros encadernados (um dos quais correspondente a TANL 18), três fascículos sem capa, uma espécie de pequeno comic book, um livro ao comprido “de tiras”, dois pequenos desdobráveis, um outro enorme, e dois outros que imitariam dois formatos de jornal (um broadsheet e um tablóide), e ainda uma espécie de biombo. Apesar de existir uma certa “coesão textual” ela expressa-se em vários pontos de fuga, materializados nesses objectos. Pertencerão todos os textos individuais a um único universo de referência diegética, que tem por centro nevrálgico uma personagem sem nome, e de quem aprendemos momentos da infância à idade madura, e havendo uma particular concentração na sua vida de jovem mulher, ora vivendo só num antigo edifício no cento histórico de Chicago, ora como mãe, nos subúrbios da mesma cidade. Da vida de solteira soltam-se três eixos narrativos complementares com outras personagens: a vida da proprietária do edifício, que se abre a uma história parcelar da cidade e também à própria assunção a personagem do edifício em si, a vida do casal vizinho, que leva a considerações de outras esferas sociais, e ainda a vida de uma abelha, que surge como uma espécie de intervalo pela banda desenhada infantil, escapismo do realismo da restante matéria.
Cada objecto, tendo surgido em locais ou compilado de formas diferentes, permite até certo ponto uma leitura autónoma, mas a sua (nova) leitura conjunta fará com que as forças e especificidades de uma parte se espelhem nas e intensifiquem as outras. É como que uma espécie de cristal que obriga a serem ponderadas todas as facetas para se compreender a sua composição figural.
Dito isto, esta estruturação do livro-todo em vários objectos não é somente uma possibilidade de aglomeração de materiais diversos previamente publicados, uma espécie de trabalho de recuperação palimpsética, de conjunção dos textos num só texto contínuo, nem uma reelectrificação dos elementos anteriores num corpo maior articulado. Trata-se de uma estruturação activa de um objecto multifacetado que permite (ainda? como sempre?) entradas várias. Como escreveu Steven Walsh na sua curta resenha em Yours Days are Numbered, num trocadilho intraduzível, “Poderemos descrever este como um livro sem limites [unbound = sem capa] mas não desestruturado [spineless = sem espinha, sem lombada, fig. sem carácter]”.
É o próprio corpo físico e gráfico dos livros que se torna significativo. Se quase sempre Chris Ware explorou aquilo que seriam as margens paratextuais e de veículo físico dos seus livros enquanto espaços passíveis de inscrição de sentido textual, com Building Stories essa diluição, ou melhor, essa assunção de todo e qualquer elemento em texto, é por demais acabada.
Que sentido assumirão, então, os objectos físicos separados, que rede de sentido criam eles em relação às pequenas unidades narrativas que encerram? Procuram sublinhar sentidos, isolando-os de um corpo mais contínuo? Pretendem que o manuseamento separado lhes incuta uma importância diferenciada? Essa importância estrutura-se nalguma hierarquia conforme tamanho ou dimensões? Numa das sequências, a protagonista, já mais madura (num dos futuros isolados que Ware mostra), revela ter sonhado que encontrara numa livraria um volume onde se reuniam todos os seus exercícios de escrita, mesmo aqueles que ela já esquecera ou que pensava que ninguém deles sabia. Esse volume é descrito não como um livro, mas algo que vem “aos bocados [pieces], como, livros a caírem de uma caixa”. Além disso, ela descreve as ilustrações, muitas, acrescenta, como precisas e claras, coloridas e intricadas, como se tivessem sido feitas por um arquitecto. Esta última informação é interpretada pela filha como uma óbvia referência ao marido da protagonista (que é arquitecto), mas o leitor tem acesso assim ao complicado mecanismo em que o que é revelado no interior do interior da diegese (o sonho da protagonista) acaba por servir de metareferência ao próprio texto, e os seus mecanismos materiais, que se está a ler. É raro que Ware procure “elogiar-se” a si mesmo, mas neste momento de fraqueza da mulher, há aqui de certa forma esse jogo. E não poderíamos entender essa imagem como uma complexa metáfora das nossas vidas? A vida como um semanário (à la Expresso ou San Francisco Panorama): um invólucro plástico e frágil (saco ou caixa, análogo ao “saco de vento” das expressões medievais), cheio de vários e diversos objectos, cada qual com o seu timbre: as parangonas mais marcantes em termos oficiais, a revista colorida de Domingo, o fino suplemento de obituários e o caderno infantil, a secção de economia que não se lê e as palavras cruzadas que só se preenchem por metade…Talvez aí residam pistas do entendimento desta estratégia material.
Seria igualmente possível mesmo identificar “tropos” estruturais. Um tropo é uma figura de estilo, isto é, um emprego figurado da linguagem que, superficialmente, serve para embelezar o discurso, ou, mais profundamente, pretende que se saliente uma característica específica daquilo que se indicou. Etimologicamente, a palavra deriva do verbo grego trepein que se relaciona com um “desvio” ou “viragem” no discurso. Há, então, um desvio de um uso habitual da palavra para uma outra direcção. Elevando cada formato diferente a uma ideia, ela deveria presidir ao que está no seu interior, explicando porque é que o livro de tiras se concentre na relação entre a protagonista e a filha, sem recurso a matéria verbal, o “biombo” demonstre estruturalmente as quatro estações em torno da vida no velho prédio, a folha solta grande se prenda somente ao reencontro com o primeiro namorado através do Facebook e as memórias dessa relação, o jornal imenso se foque na sua vida de subúrbio, tocando a relação com o marido, a sua vida profissional reduzida, a morte de uma amiga de que se afastara, etc.
Repare-se como o título original tanto poderá ser lido enquanto formado por um gerúndio e um substantivo, traduzível em português por “construindo histórias”, ou então compreendê-lo enquanto forma nominal, em que “building” serviria de forma adjectival, chegando assim à ideia de “histórias de edifício(s)” (neste caso, a forma singular building pode ser vista como dizendo respeito a vários objectos), ou então até mesmo como uma outra estranha forma adjectival levando a uma ideia de “histórias edificadas”, ou algo assim. O verbo também pode implicar o leitor no seu acto físico de leitura e manipulação destes objectos, como se brincasse com um dos tantos modelos de papel que Ware oferecia noutros projectos, ou como se, como Seth, se procurasse criar uma cidade de papel. O leitor estaria a construir as histórias com esses actos.
Tal como discutido pelos discursos académicos e críticos em torno do autor, Ware cria novos protocolos de leitura quer através dos seus organigramas, mapas, cartografias inusitadas e formatos flutuantes. Building Stories intensifica esses protocolos, e eleva o acto de construção textual a outros níveis, inclusive o material. Quer dizer, a materialidade dos livros tem de ser entendida como um recurso semiótico que pode ter um impacto significativo na percepção do leitor, sobretudo por duas dimensões identificadas por outros analistas. Por um lado, a relação física, incorporada entre o leitor e o livro enquanto objecto, por outro, a consciência que este terá do processo de produção. Se existem artes, nomeadamente o teatro, a dança e a performance, e até a música (ao vivo) na qual o corpo do artista entra numa presença com o espectador, no caso das artes do livro o ritmo de leitura é dado pelo corpo do leitor. A performance de leitura destes objectos – os pequenos livros nas mãos, perto do corpo, o jornal agarrado com outro tipo de equilíbrio, o “biombo” manuseado de uma forma mais complexa – instilará, cada qual a seu modo, um sentido diferente. “Vislumbraremos” de uma forma mais célere o episódio do reencontro e rememoração do antigo namorado da protagonista, leremos num ritmo rápido e em staccato a emergência da filha na sua vida, teremos uma experiência mais “redonda” na leitura do livro da sua “fase madura”, “descartaremos” rapidamente outros episódios, etc.
O fascínio de Ware pela arquitectura não é de forma alguma novo. Uma citação preferida do autor, pois repetida em várias ocasiões, é aquela em que Goethe declara a arquitectura como sendo “música gelada” (Lloyd Wright também equiparou a arquitectura à música). No pensamento morfológico de Goethe, encerra-se aí desde logo uma promessa de movimento permanente apenas ali, naquele momento, captado numa forma somente em aparência perene, um estado momentâneo de desdobramento interno que faz imaginar outras possíveis formas. Através das “imitações” – no sentido que se emprega em “epopeia de imitação”, no sentido de modelo, caminho trilhado, etc. – das composições em vários eixos de Frank King ou outros, e da sua invenção diagramática, Ware já mostrara muitas pranchas nas quais a leitura permitia vários caminhos, direcções e estruturações, tornando a sua “arquitectura” o mais viva possível. Já para não falar dos vários sketches de paisagens urbanas dos dois volumes do Datebook, e a forma como essa mesma paisagem, quer a histórica quer a contemporânea de Chicago, se assume como personagem “secundária” nos seus livros; agora é mesmo tempo dela se tornar quase personagem principal ou matéria na qual a diegese está embebida de forma mais sublinhada. São inúmeras as referências à paisagem urbana e arquitectónica de Chicago, o marido da protagonista é arquitecto, as repercussões sociais da gentrificação e as tensões entre cidade e subúrbio são discutidas, etc. E, finalmente, temos de citar de forma vincada o projecto Lost Buildings, com Ira Glass, que veio a conhecer uma versão em livro e DVD em 2004. Trata-se originalmente de um programa de rádio ao vivo, com um slide show de Ware, com escolha de música, manipulação de som e leitura de Glass, em torno de alguns edifícios de Chicago. Na verdade, trata-se de um projecto similar a uma estrutura de matrioskas de vidro, uma englobando outra, mas transparentes, deixando as várias linhas de luz atravessarem-se em todas as direcções. Esse projecto engloba o arquitecto da passagem do século XIX para o XXº Louis Sullivan (e suas colaborações com um jovem Frank Lloyd Wright), pai do modernismo na arquitectura, e os “salvadores” da memória urbanística da cidade, Richard Nickel e o seu herdeiro espiritual Tim Samuelson (que participa activamente, com textos e testemunhos). Se este projecto se tratava de uma obra fantasmática sobre edifícios desaparecidos mas que constituem um rosto oculto da histórica da cidade, Building Stories não é menos fantasmático, criando um fantasma ficcional que ergue à sua maneira uma imagem etérea da mesma Chicago. Além de que, apesar de tudo, serve de “ground”para as histórias humanas que encerra (e a da abelha).
Diferentemente dos outros trabalhos de Ware, há nestas histórias uma maior presença de rostos mais detalhados, longe da redução infográfica ou da ultra-estilização costumeira do autor. Continuam a estar presentes os diagramas, é certo, tais como as perspectivas isométricas, a complexa planificação de “dual” entre uma faixa ou frisos laterais e a mancha central, as divisões semi-regulares de um número de vinhetas, os jogos entre desfasamentos de texto e imagem, etc. Mas essa presença de rostos mais próximos - que recordam talvez algumas abordagens de Clowes (Ware é um desenhador exímio e variado, como se pode comprovar pelos sketchbooks, logo estas escolhas têm de ser entendidas como voluntárias) - poderão querer trazer à tona, literalmente, uma outra vivência e entrega empática da parte dos leitores para com as personagens.
Num estudo sobre Ware, Anthony Baker explicita como o autor torna os leitores conscientes do seu próprio processo de leitura através da inclusão dos brinquedos de papel para montar, ou das cartas de jogar ou outros “objectos de papel” que não correspondem propriamente a superfícies legíveis ou subsumíveis ao projecto de representação e diegético. A um só tempo, acrescenta Baker, “os elementos da história podem transbordar para além da experiência tradicional de leitura”, ao mesmo que tempo que se parodia “a mercadoria associada”, tão típica das indústrias mercantis da banda desenhada, animação, etc. Noutro texto, de Edward Brunner, essa dimensão de aparente descartabilidade é directamente citada para recordar o projecto de Ware com Ira Glass. Apesar de ter nascido na rádio, o texto final de Lost Buildings é um CD com uma faixa sonora de 20 minutos, sobre o desaparecimento de toda uma série de edifícios modernistas de Chicago, sacrificados em nome de um desenvolvimento que nega a história local ou a possibilidade de um património, até mesmo daquilo que se julgaria mais perene e contrário às linguagens que a recuperam e salvaguardam (som, banda desenhada). É apenas uma outra maneira de entender essa patina fantasmática presente na leitura.
Tal como sucedera com Lint, e apenas até certo ponto em Jimmy Corrigan, Ware tenta recriar vidas inteiras. Mas se a(s) de Jimmy se estruturavam em torno de sucessivos traumas e desilusões terríveis, e a de Lint se estendia na sua completude mas num conjunto restrito de episódios quase desconexos, Building Stories tenta apresentar troços mais consequentes, organizados, narrativos da protagonista. Que jamais é nomeada, como vimos, e esta ausência de nome deve-nos fazer pensar mais uma vez “o que há num nome?” Apesar dos pequenos desvios pela vida da velha proprietária do edifício onde ela viveu sozinha durante algum tempo, ou da vida do casal vizinho ou ainda o de Brandford Bee, a abelha ficcional antropomorfizada (fantasia infantil, não é por acaso que surja no que chamámos de formatos comic book e tablóide), a parte de leão de Building Stories tem como centro esta mulher. Temos acesso, como dissemos, a episódios desde a sua infância à sua idade madura, testemunhamos episódios da vida dela enquanto estudante na preparatória, a escola de artes, algumas das profissões, o primeiro namorado, o marido, a mudança para os subúrbios, os conflitos com colegas e amigas, o reencontro aos 40 com amigos do tempo da faculdade, etc. Alguns destes troços são curtos, apenas uma menção, uma vinheta que irrompe o tecido do resto, como uma rememoração súbita, outros têm uma maior densidade, porque apresentados em mais páginas de formas mais ou menos continuadas – mas segundo aquela estratégia que o autor começou a explorar já em 1991 com “I guess”, em que um texto corrido, narrado externamente por um protagonista, na primeira pessoa, se sobrepõem a uma matéria visual algo desfasada, que aponta para um “passado” em relação ao texto, mas um “presente” na acção; nesse sentido, Ware parece ter descoberto como expressar o modelo de Henri Bergson da memória em banda desenhada.
De uma forma muito distinta da esmagadora maioria (todos?) os trabalhos de Ware, este é aquele que tem o maior número de referências ao mundo actual e real, referindo-se à (primeira) Guerra do Iraque, discutindo a crise imobiliária, nomeando Barack Obama, a Onion, o Facebook, etc., sem quaisquer desvios ou aliases humorísticos. Tudo corresponde à nossa (norte-americana, ocidental, etc.) realidade social e cultural. Poderíamos dizer que Ware utiliza a sua protagonista como “porta-voz” do seu conhecido desencantamento com a contemporaneidade, sobretudo o egoísmo das pessoas substituindo uma ideia mais sadia de comunidade, a falência mesmo dos princípios da convivência social, a fé na democracia e no progresso material do mundo ocidental, a forma como a tecnologia apaga certos elos de empatia, etc., mas sem deixar de criar, nessas mesmas pontificações, algum sinal de distância crítica, de humor, de discordância, colocando sempre no “tom” das personagens um azedume para com os outros que torna essas ideias discutidas como vácuas e sofrendo também elas das fraquezas acusadas.
Em algumas entrevistas, Ware revelou que uma sua ideia primeira era estruturar as histórias no interior do prédio, pelas perspectivas e experiências de cada habitante, referindo o Decálogo de Kieslowski como influência ou modelo directo (mas possivelmente Pérec, com A vida, modo de usar, também surgiria como referência central). No entanto, a perspectiva da rapariga acabou por “tomar conta” do projecto e acabou por se tornar uma focalização mais centralizada. Esses “ditames” da própria história, porém, não mais fazem do que mistificar aquele controle que a obra tem sobre o autor, e custa-nos crer que um autor como Ware, cuja minúcia é patente, se abandone a esse tipo de poesia. A título de exemplo, que poderá parecer obsessional da nossa parte, mas que cremos encontrar concordância juntos aos leitores atentos a todos os níveis materiais de Ware, repare-se como na história sobre o tal casal vizinho, ao observarmos a vida da mulher, que se encontra “presa” a uma relação difícil com o seu namorado, de quem não se consegue libertar, o seu corpo surge duas vezes
no preciso centro dos cadernos, onde costuma apenas haver espaços
brancos ou imagens ininterruptas e centralizadas. O corpo dela, ou o
desenho que o representa, está no preciso local em que o agrafo prende
as folhas do caderno. Coincidência? Duvidamos.
Este livro, tal como as grandes obras de qualquer arte, será pasto seguro para investigações das mais variadas dimensões sociais (relações entre géneros, estratos sociais, etnias, deficiências físicas, memória cultural, etc.) e formais. Será quase um desses textos infinitos. É possível que não tenha o mesmo impacto emocional de Jimmy Corrigan, que se revela relativamente mais conservador em termos de estrutura, mas encerra seguramente estruturas volantes que permitirão várias leituras cambiantes. Tim Samuelson, no projecto citado com Glass, escreve o seguinte sobre o Garrick Theater, mas que pode ser aplicado a outras estruturas, inclusive a deste “livro” Building Stories: “Edifícios como esse estavam destinados a serem experienciados a três dimensões, e ainda mais importante, em movimento no decurso da vida quotidiana. Sob muitos aspectos, experienciar um edifício com a [minha] sensibilidade de então, de criança de 9 anos, ainda imaculada de fórmulas e juízos académicos, era muito provavelmente a melhor forma de todas de o fazer”. Até certo ponto, mas provavelmente incorrendo em metáforas incompletas, todo este complexo processo de leitura é o mais acertado para desfrutar da vida que o edifício oferece em si mesmo; e aquilo que equivaleria à sensibilidade imaculada do jovem Samuelson seria essa mesma leitura tornada simples no seu próprio acto, sem a canga da sua apreciação crítica, que é o que este nosso texto tece.
28 de agosto de 2013
Building Stories. Chris Ware (Pantheon)
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27 de agosto de 2013
Tension de la passion, vol. 1. AAVV (Beleléu)
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23 de agosto de 2013
Boxers & Saints. Gene Luen Yang (First Second)
“Boxers” é a forma como os ocidentais tratavam os membros da Sociedade dos Punhos Harmoniosos e Justiceiros, um movimento de párias das classes mais baixas que consideravam a crescente presença e influência dos ocidentais (sobretudo alemães, ingleses, franceses) na China como a raiz dos males sociais e económicos, e que se rebelaram contra o governo de Pequim e a intrusão desses estrangeiros, começando no norte da China e marchando paulatinamente até chegaram à capital. Apesar de uma avanço inesperado e de algumas vitórias assombrosas, acabariam por ser esmagados pelas forças unidas das potências ocidentais. Uma vez que estes rebeldes praticavam artes marciais e rituais físicos complexos (inclusive o mítico kung fu), mesclados com os sincretismos religiosos chineses, os ocidentais chamavam-lhes os boxeurs. Ora o volume “Boxers” conta a história do ponto de vista de um membro dessa sociedade, líder de um grupo e boxers, e “Saints” a partir das vivências de Vibiana, uma chinesa convertida ao cristianismo.


Eis um exemplo, dado por Gernet. “Quanto as Irmãs de Caridade começaram a recompensar as pessoas que lhes trouxessem crianças órfãs, a população entendia isto como uma confirmação da crença tradicional de que os cristãos se entregavam a práticas mágicas usando os olhos e corações das crianças”. Os sucessivos mal-entendidos, os acordos totalmente desequilibrados e ruinosos que levavam a China a pagar oficialmente às potências estrangeiras indemnizações aos países cujos missionários ou cidadãos eram apanhados nas refregas, e as centenas de escaramuças violentas e represálias sangrentas dos poderes oficiais foi criando um clima cada vez mais impossível de resolver, e é ele que atravessa este livro, presente na forma como uma e outra parte falam da oposta, criando um retrato de matizes variados. Apenas a título de exemplo visual, mostramos uma imagem de propaganda anti-ocidental e anti-cristã do final do século XIX em que se traduz a expressão “ferir o porco” (Cristo) e “decapitar as ovelhas” (os cristãos); outra expressão típica, e que Yang integra repetidamente na diegese, é chamar os ocidentais de “demónios” os chineses cristãos de “demónios secundários”.
Tudo isto tem a ver com a dimensão genérica da ficção historiográfica. Já a do realismo mágico tem a ver com as “visões” dos protagonistas. No caso do Pequeno Bao, a sua assunção da filosofia e rituais do kung fu, aliados ao seu profundo arrebatamento pelas populares “óperas” fazem com que, quando ele sente o poder da justiça do seu país a tomarem conta da sua pessoa, ele seja fisicamente possuído pelo espírito de deuses ou personagens antigos (no caso de Bao, é o fundador-imperador da China, Chin Shih-huang), todos eles nas suas representações "operáticas". A todos os seus companheiros acontece o mesmo, e tudo nos leva a crer que algumas das outras pessoas “vêem” este fenómeno. Estra tradução das crenças dos boxers e dos factos das suas conquistas-relâmpagos em “factos visuais” confundem história e ficção, factos e fantasia, de uma forma que não torna a consideração da “verdade histórica” mais obscura, mas antes mais matizada de acordo com as vozes e, arriscamo-nos a dizer, a Weltanschauung de cada participante. No caso da jovem chinesa cristã, a dimensão mágica é mais limitada, ou pelo menos ela é-o limitada apenas a Vibiana: numa primeira fase ela
entra em contacto com um texugo ancestral que depois é substituído – de uma forma tão brutal como igualmente mágica – por Joana d’Arc, que passa a ser o motivo da protagonista. O desequilíbrio ente Boxer e Saints do “acesso” à dimensão mágica é corroborado por uma escolha cromática: no primeiro livro tudo é representado a cores (se bem que haja uma preferência por cores esbatidas e ocres na maioria do texto, e apontamentos de cores mais garridas em presenças-chave, a analisar cuidadosamente), e no segundo tudo está representado a cinzentos, sendo reservado o um amarelo “dourado” para toda a intervenção “divina”. Significará isto, por exemplo, “verdade” no primeiro caso e no segundo um sublime salvamento em relação à vida severa do real? Pensamos que este quadro de interpretação é possível, mas não único, seguramente.
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19 de agosto de 2013
The Art of Comics. Aaron Meskin e Roy T. Cook, eds. (Wiley-Blackwell)
Este livro proclama ser a “primeira antologia sobre a estética da banda desenhada na tradição analítica”, isto é, no seu estrito sentido da chamada escola filosófica anglo-americana que tem sido a norma nas últimas décadas, ancorando-se no trabalho de autores distintos como Russell, Wittgenstein e Frege (mas sem se confundir com a genialidade ou importância desses autores). Nessa afirmação, não há qualquer erro, mas a questão principal é saber se esse facto representa algum tipo de mais-valia para a análise do meio. Recordemo-nos de que The Aesthetics of Comics, o livro de David Carrier, que também participa neste livro, se iniciava com esse tipo de afirmação bombástica, a qual, não sendo factualmente falsa, é impertinente. Um dos problemas dessa tradição é que abre espaço às críticas de sempre (que, por generalistas, podem ser mal empregues ou mesmo falsas, ainda que apontem “um fundo de razão”): uma escrita desapaixonada, por vezes aborrecida, e cheia de fórmulas tecnicistas que não interessarão senão àqueles que as propõem. Parece por vezes que o objectivo principal deste escrita é provar que a(s) teoria(s) está apta ao tratamento desta (e de qualquer outra) matéria mas não ao estabelecimento de vias de compreensão mais latas e passíveis de continuidade e contaminação; há um tratamento disciplinar bem-feito mas que falhará na criação de interesse num campo de aplicação mais vasto.
Essa inscrição disciplinar leva, como escreve Noël Carroll no seu blurb ao livro, ao “rigor previsível”, o que é correcto - em si mesmas, as discussões seguem os típicos instrumentos da lógica, assertivos, conclusivos e secos - , mas já nos afastamos da concordância quando ele continua, afirmando que encontraremos aqui “um amor profundo pela banda desenhada assim como um conhecimento íntimo desta forma de arte em toda a sua diversidade e pormenor”. Discordamos, por duas razões: em primeiro lugar, um aspecto superficial, que tem a ver com o “amor” [“deep love of comics”]. Se o livro fosse sobre teatro isabelino ou sobre cerâmica minóica, num tratamento sério dessas matérias, mais filosofia ou menos filosofia, estamos seguros que - não duvidando do conhecimento e apreço dos investigadores pelos seus objectos de estudo - não se proclamariam pieguices como “adoro Shakespeare e Jonson!” ou “são fantásticas as curvas destes polvos!” Por outro lado, a “diversidade e pormenor” do corpus de todos os capítulos, a ausência de mais exemplos de obras, a falta de atenção para com projectos verdadeiramente experimentais da banda desenhada (ou, se se mencionam, para serem imediata e displicentemente tratados como “fora da banda desenhada”), leva a que esteja ausente também uma leve inflexão às “conclusões” de muitos destes ensaios. Além disso, a falta de um mais intenso ou contínuo diálogo com fontes académicas, sobretudo europeias, mais variadas, deixa muito a desejar.
Uma das razões que leva a essas abordagens isoladas é precisamente um dos pilares da filosofia analítica: a sua falta de ancoramento na história. Ao preceituar sobre elementos específicos, discretos e isolados (relação texto-imagem, o balão, etc.), procura-se uma análise separada do contexto, dos condicionalismos, das condições de possibilidade do objecto em questão, como quer a outra “metade” da filosofia ocidental. Não ter em conta a diferença que existirá entre um livro do século XIX de um comic book dos anos 1940 de um álbum franco-belga dos anos 1970 de um tankobon vendido nos dias de hoje é cercear metade da importância de cada um desses textos. E isto para não mencionarmos fanzines, obras perdidas e não editadas em vida de determinados autores, webcomics de toda a espécie e feitio, e experiências radicais de formatos, técnicas e de objecto.
A introdução de Meskin e Cook dá-nos, mais uma vez, uma versão “enlatada” da história da banda desenhada, que atravessa todos aqueles “grandes pilares” da arte, desta feita englobando objectos que apenas devido à pressão e visibilidade de certos livros passa a fazer parte de um cânone - por exemplo, se se mencionam finalmente os livros de Masereel e de Ward dever-se-á à monografia de Beröna. Depois de uma brevíssima nota sobre alguns percursores europeus, há um afunilamento quase exclusivo à produção norte-americana, que se abre (a inclusão dos clichés de sempre, como as “ages”, passa quase de forma acrítica), dando-se direito a uma apertadíssimo parágrafo para “outras tradições”, mas sem nada de substancial, e se há uma referência à mangá deve-se à sua presença particular no mercado norte-americano. Este enquadramento torna logo problemática a contextualização das discussões subsequentes. Além disso, os editores explicam que parte da dificuldade em estudar este campo deve-se ao facto de serem “coisas que são deitadas fora tão rapidamente” (xxviii), o que logo à partida nos deveria levar a perguntar se ainda se estarão a referir às décadas anteriores a 1950, quando o coleccionismo passa a ser uma das dimensões, arriscamo-nos a dizer definidoras, de uma certa cultura da banda desenhada, e que assegurou parte da sua circulação cultural. Essa dimensão não é verdade há décadas, precisamente pela transformação de “arte de massas” para uma “arte de nicho” ou “subcultura”.

Os ensaios exploram temas tão diversos como a definição formal da banda desenhada, que poderá levar a aporias tais como as de - se se seguir McCloud - se poderem incluir romances em prosa como “obras gráficas”, mesclando termos do design. Há ainda textos dedicados a: a autoria na banda desenhada e as formas como ela pode ser determinada, instituição de géneros (que, infelizmente, continua a ser a um só tempo algo muito fácil de compreender mas que leva a erros contumazes de confusão entre “meio/media” e “género”), os relacionamentos entre texto (no sentido estrito de matéria verbal) e imagem na banda desenhada, o humor, o emprego do termo “linguagem”, e questões de relacionamento com o cinema e com a adaptação literária. Estes ensaios dividem-se em três secções, a saber, sobre “a natureza e tipos [kinds] de banda desenhada”, “banda desenhada e representação” e “banda desenhada e as outras artes”, sendo relativamente clara a inscrição dos temas indicados, por ordem. Não sendo possível apontarmos aqui todas as questões - pertinentes, claro - levantadas por todos os ensaios, e que respostas nos suscitariam ou que dúvidas instalam, vejamos algumas considerações parciais.

O ensaio de Thomas E. Wartenberg, sobre as relações entre texto e imagem, quer debruçar-se sobre elas em termos muito gerais. Se se baseasse em McCloud (Making Comics) encontraria logo ali um interessante pasto de trabalho, mas não o citando, nem aos vários artigos ou livros existentes sobre esta questão no campo da ilustração, fica-se por ideias demasiado generalistas e, francamente, erróneas. Quando escreve (90) que a “fidelidade é um princípio importante pelas quais as ilustrações são valorizadas [judged]”, o autor parece suspender toda uma tradição de respostas aos textos através das imagens que não passam pela ideia de fidelidade textual, nem sendo preciso entrarmos em campos expressivos da modernidade ou contemporaneidade, mas recordando uma questão levantada a propósito de uma imagem de Doré sobre o Antigo Testamento (precisamente um dos campos que o autor debate). Se o autor estabelece alguns princípios interessantes sobre a presença da matéria verbal na banda desenhada, distinguindo narração de falas, onomatopeias e texto diegético, já Groensteen e outros autores haviam feito esse estudo há décadas, não se apresentando nada de novo.
O artigo do outro editor, Aaron Meskin, que já circulava na internet há uns anos, dá continuidade ao seu projecto de tentarmos chegar a uma “definição” balizada a aberta de banda desenhada - essa discussão voltará a fazer sentido quando da discussão sobre Beaty. “The Ontology of Comics” cria um discurso plenamente ancorado na filosofia analítica, sobretudo em Nelson Goodman e nas revisitações dos seus conceitos por Jerrold Levison, mas procurando correcções específicas, para que a banda desenhada seja entendida como uma arte de características próprias. A lição final é coincidente com algo que Domingos Isabelinho tinha já apresentado no seu blog, a saber, a de que a banda desenhada é uma arte “autográfica” (de uma forma basilar, isto prender-se-á com uma relação directa do acto de criação e a mão do autor ou autora, uma marca distintiva que a distancia das artes alográficas, ou passíveis de serem repetidas por outros, de acordo com processos de notação) e, mais, de “dois momentos”, levantando importantes questões que têm a ver com a consideração da matéria verbal, da tradução, do formato, da arte original, etc. Estas questões não são pacíficas, e existem pessoas com argumentos contrários (basta pensar-se nestas questões: qual é o “original” de uma banda desenhada, a arte original ou a página impressa?; podem-se copiar a arte e as páginas, mas quais cópias constituiriam uma “falsa banda desenhada”?; a alteração do formato altera a banda desenhada em si? Etc.) Não queremos entrar numa questão jurídica, aqui, mas será expectável que haja uma maior falta de atenção para com o mais curto texto de Isabelinho, publicado num blog, do que agora para um ensaio com toda a patina da academia, mas o que nos parece ser importante é cotejar ambos os textos e, sobretudo, compreender a lição para a aceitar ou então contra-argumentar.
Repetimos que apenas de uma forma generalista as nossas afirmações servem a todos os ensaios, mas a leitura destas abordagens deixa sempre a sensação de que se os argumentos são sólidos, filosoficamente ancorados, e logicamente defensáveis, há sempre uma dimensão de incompletude nos exemplos existentes de banda desenhada que torna as coisas mais titubeantes. De certa forma, o ponto de equilíbrio ainda não foi detectado, e o receio de ver pessoas com (grande) formação de outras áreas a pontificar sobre a banda desenhada - arte bastarda e invisível e secundarizada nas discussões sobre a ontologia das artes, sobre a estética, sobre a história da arte - para repetirem as mesmas platitudes de sempre mantém-se. The Art of Comics foge ligeiramente a esse perigo, mas ainda assim prende-se em demasia a campos familiares e normativizados, para conseguir abarcá-la enquanto campo, não expansível (projectado no futuro, imaginado) mas expandido (efectivo, materializado).
Apesar de tudo, uma das formas de compreender este livro é como se fosse um bateria multifacetada de vários conceitos e discussões que, depois de se misturarem, poderiam levar ainda mais longe as suas ideias. Apenas a título de exemplo, Meskin faz uma afirmação em relação ao papel dos legendadores que os coloca numa economia de autoria da banda desenhada que poderia complementar ou complicar o artigo de Mag Uidhir; os artigos de Pratt e Cook, aparentemente antagónicos, poderiam descobrir pontos em comum e as razões das dissensões, etc. É salutar que existam estas várias perspectivas, mas seria ainda mais interessante se se fundasse um laboratório ou ponto de encontro para que estas discussões tivessem lugar - o que é precisamente o objectivo da produção de saberes académicos ou disciplinares, e que se poderá esperar futuramente, não jamais no intuito de se chegarem a “verdades” definitivas e respostas cabais, mas em garantir que os problemas encontram sempre novos desenvolvimentos. Pois um verdadeiro problema filosófico nunca tem resposta.
Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do livro.
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17 de agosto de 2013
6 razões sobre a superioridade da Marvel sobre a DC.
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Etiquetas: Academia, Mainstream, Territórios contíguos
Beating. Tommi Musturi (Huuda Huuda/La Cinquième Couche)
Tommi Musturi opera como uma espécie de xamã do grafismo, obrigando-nos a observar formas cambiantes que desligadas de qualquer propósito ou estruturação narrativa, nos faz ainda pensar estarmos a “ler” uma história comum, de que nos lembramos incompletamente. O que se passa em Beating é uma espécie de Unheimlich gráfico.



Nota final: esta edição contou ainda com a co-produção da Bries e da portuguesa Mmmnnnrrrg, agradecendo a esta última o livro. Utilizámos as imagens disponibilizadas pelos editores.
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Etiquetas: Antologias, Finlândia, Territórios contíguos
15 de agosto de 2013
Susceptible. Geneviève Castrée (Drawn & Quarterly)
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7:36 da tarde
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Etiquetas: Autobiografia, Canadá
9 de agosto de 2013
CBDPT 2013, novas informações.
Agradecemos a sua divulgação.
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Pedro Moura
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2:33 da tarde
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O Livr-O-Mem. AAVV (Barbara says…)
Existem muitos submundos do livro no qual a quase total coalescência entre essas duas vertentes - forma e conteúdo - é conseguida com um brio inusitado, maravilhoso e, por isso, perene no meio das tempestades que o tempo e os seus estilos e diversas vontades fazem atravessar. Os livros de Paulo De Cantos farão parte dessa categoria. E este outro livro, novo, projecto dos Barbara says… é um gesto nessa mesma direcção, a um só tempo de recuperação e de re-fundação ou de continuidade desse prazer. O texto presente não é mais do que um brevíssimo “recado” sobre o título, que tem mesmo um site próprio.O Livro-O-Mem é toda uma série de coisas ao mesmo tempo. É a colecção de vários textos que nasceram das Jornadas Cantianas, encontros dedicados ao trabalho do polimata Paulo De Cantos, e aos seus magníficos livros, que uniam beleza tipográfica, de design a uma preocupação particular para com uma pedagogia muito específica, mas também reveladora de práticas de produção que hoje seriam vistas como “independentes” ou “alternativas”, mas que de facto se unem na palavra “brio”. A leitura dos textos apresentará o homem e a carreira, e mostra uma bibliografia substancial – se não exaustiva, pelo menos tentativamente cheia – dos livros feitos por ele, assim como de outros materiais complementares, visuais, acima de todos o comparativismo visual-estrutural tentado em relação a Fritz Kahn, que os editores chamam de “homólogo distante”. Os textos de Alexandre Estrela, Mário Moura, Filipa Cordeiro, Robin Fior, Olga Pombo, Inácio Steinhardt e do próprio editor principal, António Silveira Gomes, demonstra logo a panóplia e diversidade de perspectivas disciplinares, passando pelo design e pela arte (e por todos os territórios em que se misturam ou se diferenciam), pela filosofia da ciência, oscilando entre textos mais impressionistas e outros mais factuais, e outros que revelam um pensamento mais elaborado, crítico, filosoficamente aberto. Todos e cada um destes gestos é muito correcto para com as facetas de Paulo De Cantos. A “carreira pública” de Cantos já se adivinhava há muito, desde a circulação dos seus livros, redescobertos no antigo café Geronte a meado dos anos 1990 (e, pessoalmente, recordamo-nos perfeitamente da momentânea “febre” que atravessou aqueles que se cruzaram com a venda dos livros), mas foram precisos estes gestos sucessivos – encontros semi-académicos, exposição, livro, apresentações em conferências, trabalhos de investigação em curso – para colocar De Cantos no seu lugar merecido.
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Pedro Moura
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Etiquetas: Academia, Portugal, Territórios contíguos