23 de novembro de 2023

3 Graus de Carequice - Episódio 76 - HERMÉTICO (?)


O título deste programa leva ponto de interrogação, pois tudo se inicia com mal-entendidos e depois uma tentativa de esclarecimento do propósito do tema. Dessa forma, inevitavelmente, foi um "slalom" expedito e vivaço. De que serve? Olha, para fazer mais perguntas...

17 de novembro de 2023

Ilustrações de Isabel Baraona para Toda a ferida é uma beleza, de Djaimilia Pereira de Almeida (Relógio D'Água)

Queremos partilhar aqui umas breves considerações sobre as imagens que Isabel Baraona teceu para acompanharem as páginas de um longo conto, quase novela, da escritora Djaimilia Pereira de Almeida. Com pouco mais que cinquenta páginas, este caderninho oferta-nos uma narrativa acompanhada por 19 imagens que com ela estabelecem o que podemos chamar de harmonia enigmática. “Harmonia”, pois a combinação entre um e outras não é apenas física – por mais bem arranjado graficamente que o livro esteja, e está – mas por fundarem uma concordância justa e profunda. Porém, “enigmática”, cujo sentido grego original significa “falar obscuramente”, e há uma trama de invisibilidade, de indecibilidade, que não nos permite naturalizar a sua relação...

16 de novembro de 2023

Balada do Desterro. Zeca Afonso. Teresa Moure e Maria João Worm (A Central Folque/Tradisom)

Não estamos perante uma biografia de José Afonso. Nem tampouco um livro de memórias pessoais, que poderiam passar pela experiência de convívio com o homem, no seu tempo, ou pela encurtada distância que se permitira nutrir através da escuta contínua, íntima e transformadora das suas canções. Não é uma reportagem, reconstruindo-se essa vida a partir dos fragmentos possíveis, de documentos, de partes “favoritas” ou menos centrais. Não é uma hagiografia, que procure transformar um homem, falho como todos os humanos, num ícone que arraste consigo uma utopia que não chegou a ser sequer explicada, quanto mais semeada mesmo. Nem é um acerto, colocando a fragilidade da carne e do quotidiano à frente. 

11 de novembro de 2023

Artigo de Ilan Manouach em "defesa" do uso de I.A. em banda desenhada.


Na esteira de uma relação contínua com o artista Ilan Manouach, de colaboração criativa a inquirições académicas, traduzi um artigo da sua autoria que agora tem vida no site Bandasdesenhadas.com, a quem agradeço desde já a, também contínua, abertura a propostas por vezes fora do escopo do seu trabalho.

O artigo é da total responsabilidade do artista mas, devo dizer, trata-se de algo que me interessa particularmente escavar e compreender, com a maior transparência e o esforço dedicado que lhe conseguir dedicar, limitado todavia pelos meus conhecimentos e até capacidades de compreensão técnica. Regra geral, agrada-me em particular o rigor intelectual de abordar o tema no seu alcance holístico, implicado e multifacetado, que vai muito mais além de um basilar, senão mesmo primitivo e até ridículo posicionamento "contra" ou " favor" - por outras palavras, nem cair numa posição "ludita" nem numa de crente no "solucionismo tecnológico" [cf. Evgueni Morozov] -, sem a necessária discussão de quais facetas estaremos a falar: técnicas, culturais, económicas, políticas, até geoestratégicas, e, acima de tudo, éticas. Pois essa é a questão fundamental: combater o chamado "desalinhamento", e, a questão da "caixa negra" (a.k.a. "blackbox"; a opacidade da construção dos algoritmos que presidem a estes programas). Como escreve Diogo Queiroz de Andrade, "Isto implica ter sempre quadros de tomada de decisão que privilegiem respeito pela dignidade humana, obrigar à não-discriminação e à transparência" (Algoritmos. Uma revolução em curso, pg. 53).

Com efeito, não fui, até ao momento, testemunha de qualquer discussão séria, informada e balizada sobre as potencialidades, impactos e vertentes em que a dita "inteligência artificial" (um termo muito erróneo e problemático) se permite entrosar na criação desta disciplina que tanto apreciamos. Discussão na nossa esfera, sejamos precisos, pois ela é algo parca de equilíbrio e argumentação. Vejo apenas respostas passionais e automáticas, sem demais, julgamentos imediatos, uma muito baixa curiosidade intelectual, e, para mais, presos aos exemplos mais superficiais do seu uso, através de plataformas públicas, gratuitas e em regime das tais "blackboxes" dos prompt-generators disponíveis até à data - de que eu próprio, como é sabido, fiz uso, num trabalho pioneiro na Cais.

Neste momento, encontro-me a escrever um artigo, de natureza académica, que toma precisamente o volume Fastwalkers, de Manouach, como ponto de partida, para tentar compreender que natureza de poeticidade é possível de emergir deste tipo de textos assistidos pela "cognição sintética" (um termo mais certeiro do que i.a.; veja-se o excelente volume Chimeras, editado pelo próprio Manouach), e que nascem de, não apenas de acervos específicos e tratados de dados para treino (o chamado"dataset") mas de algoritmos (protocolos) construídos com exactidão. E que, provavelmente, fundarão não apenas novas imagens mas uma nova maneira de ver, tal qual sucedeu com muitos outros instrumentos óptico-científicos ao longo da história humana. 

Para ver, é preciso trabalhar. E pensar. 

Poderão aceder directamente ao artigo, aqui.

9 de novembro de 2023

Metasandman. Ana Rosa Gómez Rosal (Jot Down Books)


Não sendo o primeiro livro de natureza mais académica dedicado a Sandman (e muito menos primeiro texto, artigo, etc.), nem como poço de interpretação ou revelador de pistas (veja-se o Companion de Hy Bender) este pequeno volume é, porém, um gesto inédito, verdadeiramente poiético, no sentido de estar a inaugurar uma espécie de ensaio pouco comum, uma senda de especulação de pensamento muito estimulante. Tanto de revelador do complexo filosófico que a autora arrola através dos símiles e ficções de Gaiman et al., como de iluminador sobre essa mesma obra de banda desenhada através dos instrumentos rigososos das noções filosóficas convidadas a ser empregues. De resto, algo desde logo previsto a partir dos anos 1960 com a emergência dos Estudos Culturais, que permite interrogar “textos” (num lato sentido semiótico) das ditas “culturas populares” com instrumentos transdisciplinares do mais alto rigor, e a que a banda desenhada tardou, não obstante alguns pontos brilhantes isolados, mas acabou por realmente conquistar.

7 de novembro de 2023

Neon. Rita Alfaiate (Escorpião Azul)

Graças às redes sociais, portfólios online, e aos novos modos de muitos autores criarem expectativas, posts, teasers, trailers, w.i.p.s, etc., Neon tornou-se um daqueles objectos que se ia consolidando como algo merecedor desde logo de uma atenção redobrada. Pessoalmente, graças à oportunidade que tive em manipular arte original de Alfaiate (na Flexágono de 2022), inclusive algumas aguarelas magníficas, associadas à versão final de Tangerina, e o acompanhamento da peça curta que a artista co-criou com André Oliveira para o último número da Umbra, pude testemunhar alguns dos processos de trabalho que revelam um domínio exímio da dimensão artesanal do fabrico de imagens, em termos de composição, enquadramento, diversidade de estratégias visuais, flutuação de registos visuais, que aqui ganham um nível mais vincado ainda.

3 Graus de Carequice - Episódio 75 - BOXE


Proposto pelo André Oliveira, cultor, amador e praticante de boxe, é precisamente esse desporto que é o objecto de atenção deste episódio. Menos história do que devaneio por exemplos conhecidos, tentamos pôr o dedo na ferida do que é próprio às narrativas de boxe, sobretudo na banda desenhada, mas com fugas ao cinema. Provavelmente falhámos, porque doíam os dedos de dar socos no ar.

5 de novembro de 2023

Lesma Vida. Rita Mota (auto-edição)

Um dia voltarei à carga sobre a economia da atenção dos circuitos mais usuais dedicados à banda desenhada, e o quão presos estão a uma visão quase pré-moderna de (quase) todas as artes e, por consequência, desta em particular, quase que a impedindo de se metamorfosear nas suas potencialidades mais díspares, ora selvagens ora poéticas. E quando esses circuitos mimam – e de forma defeituosa – os discursos aparentemente legitimadores, de actualização ou de abertura à sua própria liberdade, são os primeiros obstáculos quando não forças castradoras desses mesmos movimentos. Mas ficará para outra ocasião. Não me ilibo, todavia, de contribuir sobremaneira para esse desequilíbrio, quer nos momentos em que consigo obter tempo para me exprimir sobre novas produções quer, e talvez sobretudo, e não o digo sem uma soberba tremenda, quando este silêncio particular prolongado significa silêncio tout court sobre essas obras. 

19 de outubro de 2023

"Boring, uncomfortable and mutated" - Artigo académico sobre a Chili Com Carne.

Enquanto não angario as forças suficientes para regressar à escrita (mais ou menos) regular de resenhas críticas sobre banda desenhada e/ou outros objectos, aproveito para dar acesso directo a um ensaio escrito há um par de anos para uma publicação académica cujo foco era a cultura DIY, e a sua ética e escopo social. Associado ao trabalho que igualmente havia desenvolvido nas investigações mais académicas, o foco foi dedicado à editora Chili Com Carne, cuja faceta é burilada perfeitamente para esse foco.

Boring, uncomfortable and mutated : Chili Com Carne at the nexus of the contemporary portuguese independent comic press” foi escrito para o livro Independent DIY Publications and the Underground Urban Cultures, editado por Paula Guerra e Pedro Quintela  (Universidade do Porto. Faculdade de Letras: 2021).

Podem aceder ao artigo aqui.

Mesas-redondas da "Flexágono" 2023

Serve o presente post para recordar os leitores que está patente em Óbidos, integrada no Festival Literário Fólio, a exposição Flexágono. Banda desenhada, narrativas gráficas e desenho, hoje, no Museu Abílio de Mattos e Silva. Mostrando obras de Amanda Baeza, Daniela Viçoso, Dora Sidorenko, João Sequeira, José Feitor, Marco Mendes, Matilde Feitor, Ricardo Baptista, Rita Mota e Sofia Belém, é uma oportunidade única de ver estes trabalhos apresentados de uma forma contemporânea, adulta e esteticamente informada, sem algum do ruído usualmente associado aos certames que lhes dão atenção.

Flexágono é uma faceta já consolidada do Festival Literário Fólio, ainda que se apresente de forma mutável em todas as suas edições. Enquanto espaço de divulgação e reflexão sobre a criação de banda desenhada e outros objectos de narrativas gráficas e territórios contíguos, o seu propósito será sempre o de chamar a atenção para com uma produção contemporânea, cuidada, que responde a muitos dos desafios formais e conceptuais destas artes perante o mundo.

A banda desenhada é não apenas uma arte com uma história social e estética próprias, como tem uma natureza viva que se vai transformando, mesmo que isso nem sempre seja acompanhado por um número de pessoas que as mereceria, e são muitas as surpresas que esperam os novos leitores, se estes apenas se prenderem às expectativas do que conhecem da sua infância ou das esferas do entretenimento. O ensaio, a autobiografia, o desenho de campo, a exploração da memória, o gesto de resistência, a refabricação das tradições ou até de identidades são todos campos passíveis de visitação desta tarefa artística.

Sempre tivemos oportunidade de, nas edições anteriores, criar um distinto e específico diálogo com os espaços onde nos apresentamos, e este ano não é excepção. O Museu Abílio de Mattos e Silva alberga não apenas o espólio de um artista multifacetado, que se expressou nas ditas Belas-Artes mas igualmente em variados campos das artes aplicadas, e em materialidades múltiplas, como também demonstra a vontade da designer Maria José Salavisa, que foi uma pioneira no entendimento e cruzamentos entre os espaços interiores e a luz, a vivência quotidiana informada pela beleza e o conceito, o equilíbrio entre as formas. Todos esses princípios presidiram à selecção de um grupo de artistas, entre veteranos e novos valores, que precisamente colocam em acção essas potencialidades do desenho, da narrativa visual, da expressão gráfica ao serviço da ideia.

Jan e Aleida Assman consideram que “cada geração transmite cultura à próxima, não através de um legado genético, mas antes pela conservação e repetido reexame ou reutilização de objectos culturais e rituais – formações culturais (textos, ritos, monumentos) e comunicação institucional (recitação, prática, observância) – que constituem a cultura objectivizada de uma sociedade”. Os diálogos entre o fundo do Museu, os artistas de várias gerações, e um público diversificado, mas também entre o gesto monumentalizador de um museu e alguma natureza de efemeridade de uma exposição temporária de objectos gráficos de uma temporalidade e de um espaço de atenção frágeis, entre substratos que se vão mantendo e consolidam uma identidade cultural (nacional?, internacional?, artística?, linguística?, humana?) e de textos de uma magnífica diversidade de assinaturas e expressões, são apenas algumas das facetas deste cristal que poderá ser lido de formas distintas e todas estimulantes, como espalhar de maneira diversa as práticas da nossa própria leitura.

Organizaram-se duas mesas-redondas, que terão lugar nestes dois próximos dias. 

Hoje, dia 19, pelas 16h00, terá lugar o painel Como as imagens leem: relações entre imagens e narrativas, com Daniel Lima, ilustrador e autor de banda desenhada, e Catarina Alfaro, coordenadora da Programação e Conservação da Casa das Histórias Paula Rego /Fundação D. Luís I.

E amanhã, às 15h30, é a vez de Como as imagens pensam: materialidade, forma e presença, com os artistas e autores Lord Mantraste, Maria João Worm e Biakosta.

Ambas têm lugar no mesmo museu.