30 de dezembro de 2023

Vale dos Vencidos. José Smith Vargas (Chili Com Carne)

O título do primeiro capítulo, “Brumário”, é todo um programa. Não apenas se refere à época do Outono, de acordo com o calendário da Revolução Francesa, como necessariamente recorda igualmente o livro de Karl Marx sobre o golpe que veria a emergência do Segundo Império, O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, e que no fundo poderá ser lido como uma aplicação da teoria da luta de classes mas igualmente a análise da construção de figuras salvíficas e quase-messiânicas a contrapelo a realidade social, económica e política das acções dessas mesmas figuras. Se no caso de Marx se refere a Luís Bonaparte, em Vale dos Vencidos essa figura é a de António Costa. Quer dizer, parece o António Costa, enquanto Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, mas não é o António Costa. É “Pedro Gomes, Presidente da Câmara de Merídia”. E no centro de Merídia há um bairro muito antigo, popular, que foi sempre ocupado pelos mais pobres e marginalizados, subitamente tornado apetitoso em termos de real estate para, palavra que me causa cortiçonite no céu da boca, “empreendedores”. Esse bairro é o Vale dos Vencidos, e este livro é a crónica da sua gentrificação.

21 de dezembro de 2023

"Webs of Self, Webs of Meaning" (artigo na RLEC)

Serve o presente post para indicar tão-somente que um artigo académico meu acaba de ser disponibilizado no último número da Revista Lusófona de Estudos Culturais, da Universidade do Minho. Um número dedicado à representação das mulheres na banda desenhada ibero-americana, há dois artigos dedicados à produção nacional, um sobre a antologia Nódoa Negra, sobre o qual também havia escrito (ver aqui) e o meu.

Intitulado "Webs of Self, Webs of Meaning. Three Female Fragmentary Portraits in Post-Digital Print Comics" (em português, "Teias do Eu, Teias do Significado. Três Retratos Fragmentários Femininos na Banda Desenhada Impressa Pós-Digital"; não adoram títulos académicos?), é uma leitura de trabalhos das autoras Ana Margarida Matos, Ana Matilde "Hetamoé" Sousa e Joana Mosi, utilizando um foco argumentativo muito específico - as "contra-estratégias" de Peter Wollen - para auscultar os modos distintos de cada uma delas, mas igualmente o que as une e diferencia de outros autores (homens e mulheres, aqui pouco importa o género), nacionais e internacionais. 

Foi escrito originalmente em inglês, e depois traduzido para português. 

Ficam os agradecimentos às editoras, tradutora e revisores, que ajudaram a que o texto ficasse muito mais legível. 

Poderão aceder directamente aos artigos aqui, carregando depois os pdfs.

13 de dezembro de 2023

Damasco. Lielson Zeni e Alexandre Sousa Lourenço (Brasa)

Se considerarmos a banda desenhada como não somente nos mostrando um mundo (diegético) mas a própria forma como esse mundo é construído (a formação discursiva) e a materialidade deste é tornada opaca – isto é, não se trata somente de uma plataforma transparente para a diegese mas a própria superfície que se torna significativa –, que estratégias de constructibilidade (constructedness) são visíveis em Damasco? A resposta é dada por uma grande diversidade de estratégias visuais e de composição. Alterações do registo do desenho, a cor diminuta, a variedade da composição das páginas (criando como que “secções”, como veremos), a remediação de outros modos gráficos (videojogo, jogo de tabuleiro, manual de instruções, infografia, etc.). Mas qual a razão para tamanha des/estruturação? 

5 de dezembro de 2023

Cthulhu Sadino. Pedro Moura, Marco Gomes, Daniel Maia, et al.

Serve o presente post para dar notícia da existência e disponibilidade do Cthulhu Sadino. Agora que a exposição chegou ao fim, a publicação passa a ter uma existência própria. Este é um projecto de banda desenhada deste vosso amigo, para o qual contou com a camaradagem, paciência e talento dos artistas Daniel Maia e Marco Gomes. É um projecto leve, bem-humorado, espero eu que divertido, e que conta com duas linhas artísticas bem distintas mas espectaculares, complementares e que são justificadas pela narrativa.

Que é Chtulhu Sadino? Bom, descrevi como "paretimologia", em primeiro lugar, porque no fundo responde àquela pergunta que nunca ninguém fez mas tinha no fundo da mente: quem e porquê se desenvolveu a receita do choco frrito em Setúbal? Se reza o mito que essa terra foi fundada pelo neto de Noé, Túbal, haverá alguma relação? Que segredo se esconde na felicidade desse aparentemente simples mas magnífico prato? E é mesmo apenas uma receita? Só? Ou está relacionada com algum ritual antigo? A calçada de Setúbal mostra mesmo ondas, ou serão antes tentáculos misteriosos? No brasão de Setúbal, são mesmo peixes no campo do mar? O tamanho em relação ao castelo não bate certo? Serão monstros marinhos? E aquela vieira em cima, é mesmo uma concha ou é um polvo estilizado com um tentáculo a mais? Muita coisa por explicar, este pequeno compêndio tem as pistas todas... Quando Túbal e os seus intrépidos companheiros chegam à baía do rio Sah-Dom, vieram para ajudar a população de uma ameaça dos fundos dos mares, cuja origem remonta ao avô Noé, no Dilúvio...

4 de dezembro de 2023

Resposta a Ilan Manouach.

Nota brevissima. Uma vez que lancei a presença do texto de Manouach sobre "machine learning" ou "cognição sintética" e a banda desenhada, no site Bandasdesenhadas, eis a resposta de Hugo Almeida: