30 de novembro de 2023

Volta. O Despertar dos Gigantes de Gelo. André Oliveira e André Caetano (Polvo)

A amnésia do protagonista, Campeão, é possivelmente um mecanismo ben trovato para esta saga em particular, uma vez que permitirá que haja uma significativa diferença de tom e géneros de volume para volume, quase até ao ponto da incoerência, mas que depois num cômputo final e global se subsume de novo a uma lógica interna claríssima. Este segundo volume tem a vantagem de poder estar ancorado nos elementos partilhados no primeiro, que podem ou não ser herdados como pequenas pistas esclarecedoras, mas ao mesmo tempo tem a desvantagem de aumentar a incertidude dessa mesma visão global, ainda não atingida aqui.

23 de novembro de 2023

3 Graus de Carequice - Episódio 76 - HERMÉTICO (?)


O título deste programa leva ponto de interrogação, pois tudo se inicia com mal-entendidos e depois uma tentativa de esclarecimento do propósito do tema. Dessa forma, inevitavelmente, foi um "slalom" expedito e vivaço. De que serve? Olha, para fazer mais perguntas...

17 de novembro de 2023

Ilustrações de Isabel Baraona para Toda a ferida é uma beleza, de Djaimilia Pereira de Almeida (Relógio D'Água)

Queremos partilhar aqui umas breves considerações sobre as imagens que Isabel Baraona teceu para acompanharem as páginas de um longo conto, quase novela, da escritora Djaimilia Pereira de Almeida. Com pouco mais que cinquenta páginas, este caderninho oferta-nos uma narrativa acompanhada por 19 imagens que com ela estabelecem o que podemos chamar de harmonia enigmática. “Harmonia”, pois a combinação entre um e outras não é apenas física – por mais bem arranjado graficamente que o livro esteja, e está – mas por fundarem uma concordância justa e profunda. Porém, “enigmática”, cujo sentido grego original significa “falar obscuramente”, e há uma trama de invisibilidade, de indecibilidade, que não nos permite naturalizar a sua relação...

16 de novembro de 2023

Balada do Desterro. Zeca Afonso. Teresa Moure e Maria João Worm (A Central Folque/Tradisom)

Não estamos perante uma biografia de José Afonso. Nem tampouco um livro de memórias pessoais, que poderiam passar pela experiência de convívio com o homem, no seu tempo, ou pela encurtada distância que se permitira nutrir através da escuta contínua, íntima e transformadora das suas canções. Não é uma reportagem, reconstruindo-se essa vida a partir dos fragmentos possíveis, de documentos, de partes “favoritas” ou menos centrais. Não é uma hagiografia, que procure transformar um homem, falho como todos os humanos, num ícone que arraste consigo uma utopia que não chegou a ser sequer explicada, quanto mais semeada mesmo. Nem é um acerto, colocando a fragilidade da carne e do quotidiano à frente. 

11 de novembro de 2023

Artigo de Ilan Manouach em "defesa" do uso de I.A. em banda desenhada.


Na esteira de uma relação contínua com o artista Ilan Manouach, de colaboração criativa a inquirições académicas, traduzi um artigo da sua autoria que agora tem vida no site Bandasdesenhadas.com, a quem agradeço desde já a, também contínua, abertura a propostas por vezes fora do escopo do seu trabalho.

O artigo é da total responsabilidade do artista mas, devo dizer, trata-se de algo que me interessa particularmente escavar e compreender, com a maior transparência e o esforço dedicado que lhe conseguir dedicar, limitado todavia pelos meus conhecimentos e até capacidades de compreensão técnica. Regra geral, agrada-me em particular o rigor intelectual de abordar o tema no seu alcance holístico, implicado e multifacetado, que vai muito mais além de um basilar, senão mesmo primitivo e até ridículo posicionamento "contra" ou " favor" - por outras palavras, nem cair numa posição "ludita" nem numa de crente no "solucionismo tecnológico" [cf. Evgueni Morozov] -, sem a necessária discussão de quais facetas estaremos a falar: técnicas, culturais, económicas, políticas, até geoestratégicas, e, acima de tudo, éticas. Pois essa é a questão fundamental: combater o chamado "desalinhamento", e, a questão da "caixa negra" (a.k.a. "blackbox"; a opacidade da construção dos algoritmos que presidem a estes programas). Como escreve Diogo Queiroz de Andrade, "Isto implica ter sempre quadros de tomada de decisão que privilegiem respeito pela dignidade humana, obrigar à não-discriminação e à transparência" (Algoritmos. Uma revolução em curso, pg. 53).

Com efeito, não fui, até ao momento, testemunha de qualquer discussão séria, informada e balizada sobre as potencialidades, impactos e vertentes em que a dita "inteligência artificial" (um termo muito erróneo e problemático) se permite entrosar na criação desta disciplina que tanto apreciamos. Discussão na nossa esfera, sejamos precisos, pois ela é algo parca de equilíbrio e argumentação. Vejo apenas respostas passionais e automáticas, sem demais, julgamentos imediatos, uma muito baixa curiosidade intelectual, e, para mais, presos aos exemplos mais superficiais do seu uso, através de plataformas públicas, gratuitas e em regime das tais "blackboxes" dos prompt-generators disponíveis até à data - de que eu próprio, como é sabido, fiz uso, num trabalho pioneiro na Cais.

Neste momento, encontro-me a escrever um artigo, de natureza académica, que toma precisamente o volume Fastwalkers, de Manouach, como ponto de partida, para tentar compreender que natureza de poeticidade é possível de emergir deste tipo de textos assistidos pela "cognição sintética" (um termo mais certeiro do que i.a.; veja-se o excelente volume Chimeras, editado pelo próprio Manouach), e que nascem de, não apenas de acervos específicos e tratados de dados para treino (o chamado"dataset") mas de algoritmos (protocolos) construídos com exactidão. E que, provavelmente, fundarão não apenas novas imagens mas uma nova maneira de ver, tal qual sucedeu com muitos outros instrumentos óptico-científicos ao longo da história humana. 

Para ver, é preciso trabalhar. E pensar. 

Poderão aceder directamente ao artigo, aqui.

9 de novembro de 2023

Metasandman. Ana Rosa Gómez Rosal (Jot Down Books)


Não sendo o primeiro livro de natureza mais académica dedicado a Sandman (e muito menos primeiro texto, artigo, etc.), nem como poço de interpretação ou revelador de pistas (veja-se o Companion de Hy Bender) este pequeno volume é, porém, um gesto inédito, verdadeiramente poiético, no sentido de estar a inaugurar uma espécie de ensaio pouco comum, uma senda de especulação de pensamento muito estimulante. Tanto de revelador do complexo filosófico que a autora arrola através dos símiles e ficções de Gaiman et al., como de iluminador sobre essa mesma obra de banda desenhada através dos instrumentos rigososos das noções filosóficas convidadas a ser empregues. De resto, algo desde logo previsto a partir dos anos 1960 com a emergência dos Estudos Culturais, que permite interrogar “textos” (num lato sentido semiótico) das ditas “culturas populares” com instrumentos transdisciplinares do mais alto rigor, e a que a banda desenhada tardou, não obstante alguns pontos brilhantes isolados, mas acabou por realmente conquistar.

7 de novembro de 2023

Neon. Rita Alfaiate (Escorpião Azul)

Graças às redes sociais, portfólios online, e aos novos modos de muitos autores criarem expectativas, posts, teasers, trailers, w.i.p.s, etc., Neon tornou-se um daqueles objectos que se ia consolidando como algo merecedor desde logo de uma atenção redobrada. Pessoalmente, graças à oportunidade que tive em manipular arte original de Alfaiate (na Flexágono de 2022), inclusive algumas aguarelas magníficas, associadas à versão final de Tangerina, e o acompanhamento da peça curta que a artista co-criou com André Oliveira para o último número da Umbra, pude testemunhar alguns dos processos de trabalho que revelam um domínio exímio da dimensão artesanal do fabrico de imagens, em termos de composição, enquadramento, diversidade de estratégias visuais, flutuação de registos visuais, que aqui ganham um nível mais vincado ainda.

3 Graus de Carequice - Episódio 75 - BOXE


Proposto pelo André Oliveira, cultor, amador e praticante de boxe, é precisamente esse desporto que é o objecto de atenção deste episódio. Menos história do que devaneio por exemplos conhecidos, tentamos pôr o dedo na ferida do que é próprio às narrativas de boxe, sobretudo na banda desenhada, mas com fugas ao cinema. Provavelmente falhámos, porque doíam os dedos de dar socos no ar.

5 de novembro de 2023

Lesma Vida. Rita Mota (auto-edição)

Um dia voltarei à carga sobre a economia da atenção dos circuitos mais usuais dedicados à banda desenhada, e o quão presos estão a uma visão quase pré-moderna de (quase) todas as artes e, por consequência, desta em particular, quase que a impedindo de se metamorfosear nas suas potencialidades mais díspares, ora selvagens ora poéticas. E quando esses circuitos mimam – e de forma defeituosa – os discursos aparentemente legitimadores, de actualização ou de abertura à sua própria liberdade, são os primeiros obstáculos quando não forças castradoras desses mesmos movimentos. Mas ficará para outra ocasião. Não me ilibo, todavia, de contribuir sobremaneira para esse desequilíbrio, quer nos momentos em que consigo obter tempo para me exprimir sobre novas produções quer, e talvez sobretudo, e não o digo sem uma soberba tremenda, quando este silêncio particular prolongado significa silêncio tout court sobre essas obras.