30 de dezembro de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 66 - Balanço de 2022 e desejos para 2023


Conforme prometido, eis um programa - mais longo - em que nos perdemos em leituras passadas, memoráveis, que gostaríamos de partilhar e aconselhar, mesmo no meio de muitas ausências. E depois, breves votos do que se desejaria ler no futuro, por cá.

Risca Faca. André Kitagawa (Monstra)

Este livro faz precisamente um ano que foi publicado, mas infelizmente o acesso das edições brasileiras em Portugal – e a inércia de quem escreve estas linhas – leva a que a sua recepção seja tardia. Porém, esperemos, jamais desatempada. E quando se trata de obras que almejam uma certa atemporalidade, qualquer momento para a sua descoberta é o momento certo e recompensador.

Recordar-se-ão alguns dos leitores e visitantes deste espaço que a obra de André Kitagawa esteve presente em Portugal integrada na exposição “Seisesquinas de inquietação”, integrada no Festival da Amadora de 2013, comissariada por mim mesmo. A minha capacidade de acompanhamento da obra deste autor não foi pautada pela maior das proximidades – apesar de termos salientado a sua peça num dosprojectos da Graphic MSP – mas isso dever-se-á igualmente à própria produção do autor ser mais esparsa do que outros seus companheiros em termos de temática, atenção política e sensibilidade social, como Marcelo D'Salete, Wagner Willian, André Diniz ou Rafael Sica. Mesmo este volume é relativamente curto: 120 páginas com 3 histórias individuais, e muitos textos/blurbs de terceiros e outros complementos. A sua concisão, porém, é precisamente a da lâmina, célere, certeira e que, num clarão, nos fere.

24 de dezembro de 2022

18 de dezembro de 2022

Slight. Simão Simões (Can Can Press)

Uma das constantes na apreciação crítica de uma determinada forma de arte é quando esta esbarra num dos supostos limites, ou periferias, de todo um território que é apenas compreendido como tal no momento da sua crise. Não há qualquer resistência enquanto os textos e exemplos de uma determinada arte, no caso, a “banda desenhada”, seguem aquilo que é a percepção média, indiscutida, da sua prestação usual. Narrativo, representacional, subsumido a convenções simbólicas e de géneros literários, associados a gestos individuais de esforço artístico e vontade autoral, etc. Mas quando se apresentam recusas desses mesmos papéis – banda desenhada não-representacional, não-narrativa, sem agência humana de um modo clássico (a hodierna discussão em torno do uso de imagens geradas através de programas de prompts de I.A.) - lá caem os proverbiais Carmo e a Trindade. 

15 de dezembro de 2022

Pássaro. Diogo Campos e Hugo Teixeira. (Ala dos Livros)

Comecemos pelo fim, ou será antes pelo princípio? Uma primeira leitura deste livro, e as informações oferecidas no seu posfácio, e materiais de produção, farão uma associação entre a trama deste volume ao famoso conto de Andersen, “A menina dos fósforos”. Existirão outras fontes também, ecos de re-interpretações, sombras de influências, ambientes e ideias visuais, fantasmas até de imaginários compartilhados – de lendas europeias a ilustração asiática (algo com que estamos familiarizados, tendo empregue esse material em algumas aulas) – mas tudo isso faz parte de um mesmo ritmo de preocupações que insufla, nutre, espoleta e ajuda a navegar até um bom e final porto, a ideia até ser obra. Estamos então perante uma pequena fábula, moral, sobre a amizade entre um pássaro, talvez um rouxinol, e uma árvore, talvez um pinheiro manso. A rapariguinha pobre de Andersen, aqui, acaba por ser uma narrativa no interior da outra, que permite uma maior espessura na narrativa, que dispensaria o factor humano naquela relação ave-árvore...

13 de dezembro de 2022

Quero voar. Kachisou (A Seita/Comic Heart)

Este livro, apesar das suas mais de 100 páginas e capa dura, não pode de forma alguma ser visto como um romance, nem sequer uma novela. Do ponto de vista estritamente literário, actancial, organizativo, ou melhor, narrativo, estaremos perante uma história curta, concentrada, linear, de forte impacto emocional e que tenta explorar antes uma ideia de “duração interna” pela exploração interior do protagonista, Kyle, na sua busca por uma identidade. Mais do que uma nova oportunidade de expressão, ou de conquistar alguma liberdade, ou lançar as bases de um novo território da sua vida, Kyle pura e simplesmente procura quem é. Devedor de um registo quase clássico do desespero adolescente suburbano, da carta ou diário confessional, esta primeira tentativa de Kachisou (nom de plume de Cátia Sousa) em espraiar-se numa narrativa mais larga acaba por seguir mais um caminho esquemático do que um total desenvolvimento. Há uma vontade notória em explorar sentimentos complexos, maduros, e desenterrar daí uma lição profunda, mas a intriga acaba por se reduzir a meros plots points para a fazer avançar para os locais certos. Temos a opressão paternal, o espelho distorcido na vida do amigo, a primeira tentativa de conquistar espaço próprio, a queda na tentação, a crise e a sua resolução, no caso, trágica. Todavia, predomina a sensação de um burilar algo superficial e demasiado célere das considerações. Temos acesso aos pensamentos e confissões de Kyle, os seus sonhos e percepções, mas nesse telling acabamos por não termos suficiente desenvolvimento no showing. 

7 de dezembro de 2022

Companheiros da Penumbra. Nunsky (Chili Com Carne)

As conquistas de cada autor a ele ou ela lhe pertencem. É muito natural que num país como o nosso, sub-desenvolvido e sub-educado em muitos aspectos, procuremos sempre considerar qualquer evento, projecto ou alcance que envolva um conterrâneo, sobretudo com os quais possamos ter qualquer tipo de afinidade, como tendo uma qualidade que possamos aproveitar como adjectivando a nossa própria existência. Por isso, diríamos que “X é um grande acrescento à banda desenhada portuguesa”, “Y é o melhor livro de Z”, ou pior, “Nós temos/somos R porque S fez X”... Serve isto como intróito para dizer que, se é possível, e fá-lo-emos, reintegrar a narrativa e o impacto emocional de Companheiros da penumbra numa experiência colectiva (já lá iremos a que identidades), as suas “conquistas” apelas ao autor, Nunsky, lhe pertencem. (Mais) 

3 Graus de Carequice - Episódio 65 - Companheiros da Penumbra, Nunsky


Um episódio finalmente bastante concentrado e regrado, em que nos dedicámos à leitura de Companheiros da Penumbra, o maciço volume de Nunsky (Chili Com Carne, 2022), que apresenta, em suma, uma autobiografia da jovem masculinidade gótica no Porto dos tardios anos 1990, e providenciando uma empática a forte carga emotiva, e mestria estética e literária. E, claro, os desastres do costume, causadas por gripes, cansaço e futebol... Nota: algures refiro-me a "Catarse" do autor, mas é um erro, o zine da MdC deveria ser o "88". Mais: o Lerbd voltou com textos, e tenho um sobre este mesmo livro (ver acima).

13 de novembro de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 64 - BD & IA


Este episódio de "3 Graus de Carequice" (com Gabriel Martins​ e @andré oliveira ) é dedicado aos recentes cruzamentos entre a banda desenhada a inteligência artificial. Tem quase o dobro da duração usual (por culpa do Marreta Matraca)! Dedicado a uma discussão em torno das bandas desenhadas que têm surgido apoiadas por uma qualquer forma de inteligência artificial, parcial ou total, na imagem ou nos textos, etc. Uma questão complexa, que esconde outras e mais tantas, sem fim, mas que deu pano para mangas. Falou-se sobretudo de "A Polaroid em Branco", de Mário Freitas, "Fastwalkers", de Ilan Manouach, e uma curta do próprio Pedro Moura para a "Cais", entre outros exemplos mencionados.

11 de outubro de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 63 - TRILOGIA EGOÍSTA


Neste episódio, incrivelmente concentrado (não fossem as infindas listas de leitura do marreta cabeludo), falámos da chamada "Trilogia Egoísta", dos autores espanhóis António Altarriba e Keko, a saber, Yo, Asesino, Yo, Loco e Yo, Mentiroso, publicados pela Norma, Glénat e, em Portugal, Arte de Autor e Ala dos Livros. Uma obra dura, fria, quase calculista, mas ao mesmo tempo inteligente e interpelante, que apela mais a um exercício de cognição e imaginação desapaixonada do que a emoções superficiais.

22 de setembro de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 62 - THE SANDMAN (Série TV)


Como reentrée forçada, cá vamos nós atrás dos likes e modas, saltando na bandwagon da série "Sandman" (Netflix 2022). A verdade é que já havíamos mencionado a série de banda desenhada várias vezes, a sua importância na nossa percepção pessoal, e era inevitável que assistíssemos à sua versão televisiva. Por isso, ficam aqui os nossos destrambelhados pensamentos à volta dela, sirvam para o que servir. Com soluços, interrupções e notas, voltamos à carga.

15 de julho de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 61 - THE LISBON STUDIO


Neste episódio gravado no pico da canícula, e ainda por cima com cada careca enclausurado na sua sauna privada, os cérebros foram a velocidade de cruzeiro (não se nota, talvez). Por isso a conversa foi mais nostálgica e de experiência feita, deixando o Gabriel um pouco à parte. Mas quem se riu foi ele, a emborcar gins, deixando gotas tombar nas páginas da história deste estranho colectivo de autores de banda desenhada...

28 de junho de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 60 - ESTES DIAS, B. Majer


Neste caso em particular, lemos um livro: Estes dias, de Bernardo Majer (Polvo, 2022). Por várias razões, sendo a principal o facto de ter sido um livro que nos tocou muito a vários níveis. E merece uma atenção focada. Falou-se do quotidiano, da lavra do pouco espectacular, das relações humanas, das mentiras com que nos tentamos proteger, de diálogos artísticos, de afinidades electivas... Portámo-nos bem, para variar?

10 de junho de 2022

Sobre a numeração de 3 GRAUS DE CAREQUICE

Notarão os visitantes deste espaço que a numeração do podcast não faz muito sentido.


Trata-se de pura e simples preguiça em corrigir.


3 Graus de Carequice - Episódio 59 - TRASH


O tema lançado previamente foi interpretado de modos diferentes por cada um dos membros. A ideia era descobrir qual a pérola brilhante no meio de um trabalho medíocre, mas num caso houve redenção quase nenhuma, noutro caso a descoberta da podridão em algo que parecia brilhar, e finalmente a derrota e desgraça em algo que deveria ter brilhado. Se fica coerente, duvidamos, mas é isso o que procuram aqui? Porta ao lado.


24 de maio de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 60 - SONHOS


O episódio de hoje parte do conceito de "SONHO", querendo entender como é que esse fenómeno pode ser empregue de uma maneira narrativa, organizativa, dramática, expressiva, etc. A escolha do texto comum foi a série "Joe, the Barbarian", de Grant Morrison e Sean Murphy (Vertigo), o que convida desde logo a inflexões e desvios, como nos é habitual, e depois foi um fartote de referências e fugir com o rabo à seringa. Ha, e o factor "Marcelo" tem piorado, a ver se melhoramos para a próxima...

9 de maio de 2022

Omscic Comics - a selection of "4 Panel Comics"


Há algum tempo que queria escrever sobre a obra do artista de banda desenhada experimental sul-coreano que assina como Omscic Comics, mas não tenho conseguido a energia apropriada. Fica um filme com algumas das suas publicações, esperando que possa repetir a dose com novas obras entretanto publicadas, expandindo a atenção. Visitem o site do artista, aqui.

28 de abril de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 59 - INFERNO


Depois de um intervalo maior do que o usual, regressámos às tretices em torno de temas, os quais esperamos possam trazer três perspectivas diferentes e complementares no seu tratamento da banda desenhada. Já havíamos passado por outras maleitas, abismos e limbos, fomos directos ao Inferno. Não cessam os pecados.

10 de abril de 2022

À conversa com... Derradé e Ricardo Santo: Revista "Animal"


Num curto hiato e desvio dos 3 Graus de Carequice, revisitámos uma das revistas mais influentes e saudosas para a geração que viveu a adolescência na passagem dos 1980/90, a revista Animal. Os convidados foram os autores Dário "Derradé" Duarte e Ricardo Santo, que haviam assinalado a importância desse título. A conversa passou por recordar a sua origem, como ela circulava, se vendia e era encontrada em Portugal, o que significou, os seus autores, outros títulos congéneres ou relacionáveis e que herança (ou silêncio) deixou... Por outras palavras, Boomers a queixarem-se... Foi fixe! Agradecimentos a Fábio Zimbres, por alguns esclarecimentos de última hora.

17 de março de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 58 - HISTÓRIAS INTERROMPIDAS


Tema na verdade lançado antes do anterior, há aqui uma complementaridade clara. Histórias que, por uma razão ou outra, nunca acabaram de ser contadas, interrompidas, canceladas, esquecidas, etc. Começámos na banda desenhada, passámos pela televisão. Se faz sentido ou não, vocês o dirão. É o costume.

3 de março de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 57 - HISTÓRIAS LONGAS DEMAIS




O programa, desta feita, foi dedicado a histórias que, pertencendo a um "texto maior", vão "longe demais" ou provocam interferências nos textos primários, azedando-os. O exemplo trazido à baila foi a série da Disney+ The Book of Boba Fett, que um dos carecas nem chegou a ver. Outros exemplos esgrimiram-se, mas rapidamente os 3 intervenientes se viram perdidos numa tempestade de referências baralhadas, becos sem saída e tosse. Melhores dias virão.
Em relação ao assunto do dia, e esquecendo a complexidade do mesmo, que jamais conseguiríamos sequer começar a abordar, o André cita dois links através dos quais poderão ajudar: Instagram: @ihelp_ukraine.pt
https://www.portugalunidopelaucrania.com/

9 de fevereiro de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 55 - REEXAMINED LIFE


Hossanas! Ou estaremos a mentir? Não, parece que neste programa lá se conseguiu manter o foco e dizer alguma coisa (mas sempre incompleto, é a sina). Os objectos de leitura? Quatro séries escritas por Tom King, um "hot issue" do momento no mainstream norte-americano de super-heróis: "Vision", "Mister Miracle", "Strange Adventures" e "Rorschach". O tema? Os pontos em comum delas, que são assinatura do escritor.

19 de janeiro de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 53 - HISTÓRIAS MUDAS


Este programa foi muito concentrado. Lemos Ar Puro e Água Fresca, uma canção de Din... perdão, livro do autor francês Pero (Olivier Perret), publicado em Portugal pela Polvo. Trata-se de um livro "sem palavras" ou "sem texto", como se costuma dizer, ou uma "história muda", e isso levou-nos a ponderar precisamente o que é que esses descritivos significam, e o que há de especial nesse território da banda desenhada.

13 de janeiro de 2022

3 Graus de Carequice - Episódio 52 - ANTOLOGIAS


O primeiro episódio gravado em 2022 voltou à estratégia" Enfiar o Rossio na Rua da Betesga", mas é mais a Baixa inteira. Revistas colectivas, periódicos, colectâneas, antologias, livros temáticos de vários autores? Bom, alguma coisa coerente se aproveitará... Esperemos. Muita verve desta vez!

4 de janeiro de 2022

LEBD - Entrevista a Douglas Wolk ("All the Marvels").


Tendo lido o livro All the Marvels, de Douglas Wolk (publicado pela Profile Books, 2021), tivemos a oportunidade e a honra de entrevistar o autor, numa conversa descontraída. O autor atarefou-se a ler de uma assentada 27 000 comic books da Marvel, para depois demonstrar como todas essas histórias diferentes se unem numa espécie de, nas suas palavras, "tela em permanente expansão" (pg. 13, minha tradução). Explica Wolk que "há conhecimento oculto a descobrir nessas publicações, para aqueles que dedicarem tempo a explorá-las" (pg. 121). Ora, este livro descobre alguns desses fios maus subtis e apresenta-nos as descobertas.
Espero que gostem da conversa e procurem o livro.