Este livro é uma antologia de artigos académicos que procuram justificar o estatuto da banda desenhada em relação aos outros campos de estudo, nomeadamente em relação à Literatura e à História, tal como indica o título, demonstrando a importância da banda desenhada na construção da sociedade atual, sendo um meio usado para problematizar questões sociais mais ou menos em voga, dependendo da altura de publicação de cada obra, e podendo ser utilizado para fins culturais e pedagógicos.
Logo no texto introdutório, Babic lista pontos
importantes na história da banda desenhada e do debate interdisciplinar desta
área, onde teóricos de um lado defendem a legitimidade da banda desenhada como
forma de literatura, enquanto outros consideram esta forma de arte como algo
inferior. (Mais)
Não existe
uma divisão por áreas no que diz respeito aos artigos, sendo que alguns pontos
explorados num artigo situado no início da antologia podem ser comuns a pontos
existentes num artigo posterior. Os três primeiros artigos focam-se na banda
desenhada franco-belga, o quarto artigo diz respeito à banda desenhada
mexicana, e os restantes nove artigos exploram várias questões ligadas à banda
desenhada americana.
Nos
artigos dedicados à bande desinée, os autores focam-se na importância de
certas obras como Asterix e Alix na construção de uma identidade
nacional, em oposição à crescente influência da cultura americana após a II
Guerra Mundial. São explorados pontos como as diferentes ideologias políticas
opostas na França até ao final da Guerra Fria, e como a bande desinée
serviu de veículo pedagógico ao adaptarem episódios históricos neste formato de
modo a educar a população. Um aspeto debatido neste último ponto é a
parcialidade encontrada na forma como os episódios são expostos, exaltando o
povo francês e a sua capacidade de se manterem ligados às suas origens, não se
deixando corromper – algo que funciona como uma mensagem antiamericana no
contexto de ocupação pós-guerra.
O quarto artigo, referente à banda desenhada
mexicana, refere como este medium serviu para projetos de literacia no
México, tendo sido bem-sucedidos até certo ponto, uma vez que, sem uma educação
apropriada e contínua, o povo que habitava longe de grandes centros urbanos não
tinha como praticar mais leitura e poucos chegaram mesmo a aprender a escrever.
O artigo foca, também, a importância que a adaptação de episódios históricos
para banda desenhada teve na criação de uma identidade cultural mexicana.
Os dois
artigos seguintes, um da autoria de Peter W. Lee e o outro da autoria da
própria Babic, focam-se na série Wonder Woman como símbolo patriótico e
como símbolo feminista, mostrando a evolução da personagem Diana Prince desde
os comics da II Guerra até o pós-guerra, onde o papel desempenhado pela
heroína e o próprio comportamento do seu alter-ego mudam. É de notar a análise
feita às diferentes fases desta personagem como símbolo do ideal feminino ao
longo da história americana, uma vez que a Wonder Woman em tempos de guerra era
vista como um símbolo de força feminina, capaz de suprir as necessidades da
população tão bem quanto os homens, e participando ativamente no exército,
enquanto que Diane Prince do pós-guerra, em tempos de paz e prosperidade, passa
a simbolizar o ideal feminino mais passivo e submisso, fruto da mentalidade
conservadora e direcionada ao ideal de família dos anos 50 e 60.
O artigo
de James C. Lethbridge, por sua vez, relata o tipo de censura sofrida nos comics
americanos, e como surgiram organizações autorreguladoras na própria indústria,
organizações essas que estabeleceram códigos de conduta para a redação e
produção dos comics. Esses códigos, porém, também vieram a ser alterados
de acordo com os tempos vividos, e, quando certas medidas não eram
implementadas, algumas companhias e editoras de comics afastavam-se das
organizações reguladoras, podendo fundar outras.
O artigo
de Kara Kvaran foca-se na representação de personagens homossexuais em comics
mainstream, oferecendo um relato de como o facto de um herói ser
homossexual passou de ser apenas algo insinuado e de difícil perceção para algo
assumido abertamente. Com isto, Kvaran articula a luta de membros da LGBT+ para
terem mais representatividade nos media, e como a existência destes
heróis foi benéfica para a educação da sociedade em geral, falando, ainda, do
que se pode fazer mais por esta causa. Este artigo é bastante bom por colocar a
questão da representatividade de minorias, colocando a questão de como uma
representação pode ser vista como positiva ou negativa pelos indivíduos
pertencentes a determinados grupos. O medo de ferir suscetibilidades pode levar
a uma representação ambígua e pouco clara, enquanto que, por muito boa que seja
a intenção do autor, uma tentativa de representação executada por alguém que
tem pouco conhecimento das vivências de certos grupos pode chegar a ser
ofensiva e gerar mais estereótipos negativos.
O artigo
de Lynda Goldstein fala da experiência do 11 de setembro retratada por autores
de comics mainstream, tanto de um ponto de vista autobiográfico, nalguns
casos, como na vertente informativa.
Os artigos
de Micah Reuber e Beatrice Skodili focam-se nas relações entre banda desenhada
e literatura. No caso de Reuber, a relação explorada é o motivo literário do Grey
Man, usado na literatura neo-realista norte-americana, dando exemplos da
sua utilização em comics, e criando um paralelismo entre essas figuras
num medium e no outro. Por seu lado, Skodili fala de uma adaptação a comic
e na forma como este medium pode facilitar o ensino de certas obras a nível
escolar.
Ainda no
âmbito de diálogos entre media, os artigos apresentados por Chistina
Dokou e Faiz Sheikh falam na interação entre comics e cinema, e comics
e televisão, respetivamente, recorrendo a Sin City e The Walking Dead
como exemplos. O primeiro artigo é mais um exercício de estética, enquanto o
segundo enumera as diferenças existentes entre o comic e a sua
adaptação, bem como os ambos ilustram diferentes tipos de sociedade e as suas
hierarquias.
A meu ver,
é uma boa antologia, mas incompleta. Existem pontos focados repetidamente sem
haver necessidade, como o da identidade nacional ou o simbolismo de Wonder
Woman/Diane Prince, o que torna a leitura um tanto repetitiva, e todos os
artigos focam-se em banda desenhada mainstream, obras e autores. Além
disso, toda a antologia gira em torno da banda desenhada americana, e, mesmo
quando se fala de banda desenhada de outras nacionalidades, no caso, francesa e
mexicana, fala-se sempre em contraste ou em paralelo com a cultura e história
americana. Este facto seria compreensível se, na introdução, houvesse algum
indício que os artigos selecionados incidiriam na influência americana, mas não
é isso que sucede. Após ler a introdução, o leitor fica com uma ideia de que os
temas tratados serão mais abrangentes, embora numa perspetiva ocidentalizada.
Sendo assim, poderiam ser incluídos textos sobre a adaptação a banda desenhada
de Dom Quixote, de A. Albarrán e A. Perera, por exemplo, ou sobre a obra
autobiográfica se Satrapi, Persepolis. Outro exemplo que ocorre,
pensando em concreto na literatura norte-americana, são as adaptações a comic
dos contos de Edgar Allan Poe feitas por vários artistas.
Portanto,
na minha opinião, é uma boa antologia para quem procura informação sobre banda
desenhada mainstream e a sua influência histórica e social, mas que
poderia substituir alguns artigos, que se tornam repetitivos, por outros
artigos que poderiam dar a conhecer outras obras e traçar um maior paralelismo
entre este medium e a literatura, uma vez que é isso que um leitor
espera quando vê o título da antologia.
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