Conforme indicado ontem,
gostaríamos de fazer uma breve apresentação de alguns dos objectos
mais próximos ao livresco produzidos pela plataforma Studio Pilar,
da Itália. Apesar de existirem outros produtos, como colecções de
desenhos, calendários, sacos de pano impressos, marcadores, etc.
focámos a nossa atenção nos livros que mais próximos estariam de
uma ideia tradicional de banda desenhada (ou territórios contíguos).
Mais uma vez, esta atenção
foi conduzida principalmente pela participação de Amanda Baeza num
dos projectos, a saber, Cocktails, que parece
estar a ser trabalhada numa tetralogia, cujos dois volumes já
disponíveis se sub-titulam Pre-Dinner e After-Dinner,
participando a autora no XXX volume. Ambos tratam-se de antologias de
banda desenhada em formato A5, impresso a quatro cores, e com
trabalhos muito diversos mas todos subsumíveis a uma tendência de
estilos angulosos, coloridos em zonas planas, contrastantes e
vibrantes, altamente estilizados, com composições inusitadas e
dinâmicas na sua distribuição geométrica e de humores variáveis
mas que se prestam mais à experimentação formal e desvios
culturais do que propriamente à “veia literária” que tem sido
alimentada cada vez mais, em modo de recuperação ou genuinamente,
pelas grandes editoras. Existem algumas excepções a esta tendência,
como Andrea Mongia e Giulia Tomai, que têm uma abordagem de lápis
de cor muito delicados, e de imagens cheias de texturas e padrões
que recordam algumas tendências de uma ilustração antiquada, mas
belíssima, ou Alberto Fiocco, que parece recuperar a ilustração em
pochoir da publicidade dos anos 1930 para criar uma sucessão
de imagens, splash pages ou cenas ambientais, para
criar a sua peça, em jeito de homenagem ao Padrinho, do
Coppola.
A estrutura é formal e
temática. Cada volume conta com a presença de seis artistas, a
trabalhar a solo, e as histórias – todas de cinco páginas, mais a
“de rosto” - têm como ponto de partida um qualquer cocktail
(cuja receita é apresentado logo ao início), que pode ser integrado
ou mencionado como os autores desejarem. Assim, passa-nos uma galeria
– ou um balcão – no qual se enfilam Negronis, Manhattans, White
Russians e Stingers – mas as histórias em si podem estar menos ou
mais construídas em torno dessas mesmas bebidas. Se há casos onde a
bebida é mostrada no momento da sua confecção, há outras em que
nem sequer surgem, e é pedido ao leitor um maior poder de associação
ou de resolução dessa unidade. Inevitavelmente talvez, muitas das
histórias envolvem histórias de amor, felizes ou dramáticas,
lineares ou em triângulos amorosos, e ancoradas ora na mais arrumada
das realidades ora mergulhada em fantasia absurda. E se há casos em
que a beleza das imagens toma conta de todo o programa narrativo
(Fiocco, Mongia, Deflorian), há outros em que em cinco páginas se
criam situações muito bem estruturadas e surpreendentes do ponto de
vista da intriga (Andrea Chronopoulos). Mais uma vez, a publicação
providencia legendas em italiano ou inglês, conforme a necessidade,
desobstaculizando a questão da “barreira linguística”
Estando a metade do
projecto, talvez seja cedo demais para dizer que a esmagadora maioria
dos autores são italianos, mas parece ser esse o caminho natural. A
esmagadora maioria dos autores são-nos desconhecidos, com poucas
excepções, como Anna Deflorian, mas quase todos têm criado
trabalho espalhado em antologias, projectos a solo nas mais diversas
colaborações daquele círculo a que fizemos menção no texto anterior, muito ao de leve. Mas encontraremos outras nacionalidades,
como no caso de Baeza (que rapta o tema para territórios totalmente
inóspitos e políticos) ou a britânica Lauren Humphrey.
Um outro livrinho é The
Meeting, um projecto a solo de Chronopoulos, que parece
retomar dois ingredientes da sua história de Cocktails: a
intriga de espiões e as bebidas. Este é um livrinho muito pequeno,
A6, com uma dezena de pranchas e um verdadeiro tour de force no
que diz respeito à equação do minimalismo formal e da complexidade
narrativa. A única coisa que vemos são as cabeças das quatro
personagens, cada qual falando à vez e ocupando um “tempo de
antena” linear e irrepetível: dois espiões norte-americanos, o
“Presidente” e um outro espião. O sub-título do livro aponta
para uma data e um lugar, o que pode ajudar a criar uma ambientação
maior em termos de contexto e referência, mas, não se tratando
propriamente de uma trama complexa, é graças aos diálogos entre as
personagens que as relações entre si, o âmbito da acção e do
tempo se vai expandindo, criando mesmo uma pequena curva de
acontecimentos concentrada neste encontro que testemunhamos. Curioso
e brilhantemente conseguido.
Finalmente, Suicide
Pilar é um brinquedo. Este livro maior, sensivelmente maior
do que A4, e de papel de maior gramagem, robusto, apresenta sete
desenhos (um deles em spread) de sete raparigas em fato de
banho. Além disso, é-nos ofertada um par de outras folhas com
dezenas de outros pequenos desenhos estilizados (uma matrioska, uma
mulher cavalgando um unicórnio, palavras soltas, uma sereia, uma
soqueira, um tipi, uma rosa, uma aranha, um coração em chamas, um
conjunto de ases, etc.) em autocolantes e que servirão de
“tatuagens” a essas moças. Desta forma, podemos criar a nossa
própria galeria pessoal de “Suicide Girls”, já que a referência
a esse famoso site é claríssima, explícita. Poderíamos criar uma
crítica com contornos de descontrução informada pelos estudos
culturais e salientar como esta criação aumenta o grau de
objectificação do corpo feminino, e para mais, da commodification
e comercialização crassa da decoração corporal e da apropriação
da cultura das tatuagens, antes sinal de subversão, resistência ou
marginalidade consciente, em mais um objecto de integração e
banalização cultural, enfim, a Starbuckização de tudo, mas a
verdade é que é um brinquedo cool. Que fazer? A resistência
é fútil.
Nota final: agradecimentos
a Amanda Baeza, por nos ter apresentado este projecto, e à editora,
pela rapidez de resposta à aquisição das publicações. Imagens
retiradas do site da editora.
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