2 de julho de 2024

Bandas Desenhadas: "Histórias de Bondade", de Yorgos Lanthimos.



Uma leitura breve de Histórias de Bondade, de Y. Lanthimos, para o Bandas Desenhadas.

texto aqui.

1 de julho de 2024

LERBD: 20 anos.


Por incrível que pareça, já passaram 20 anos desde que abri este espaço dedicado à banda desenhada. Como já escrevia em alguns títulos, pequenas resenhas com o espaço que havia (na Mondo Bizarre, mas já antes na flirtUrbe, e outras coisas), e na Quadrado foram-me sendo abertas as portas a estender-me em objectos mais ensaísticos, o blog começou como um bom repositório desses textos, logo plataforma de novas reflexões e, ao longo dos anos, palco onde fui experimentando moldar a aprendizagem do discurso crítico, transformado à medida das minhas próprias leituras, aprendizagens e maturação. E não foi apenas a banda desenhada, pois em rigor falei de ilustração, projectos literários que mesclassem imagens, animação, cinema, objectos poético-icónicos, colecções de desenho, e outras realidades...


Houve muitas fases, distintas, diria, e momentos diversos de vontades, energias, capacidades e possibilidades. E que também se relacionavam com outras actividades que estivessem associadas: organização de exposições, de documentários, escrita de obras maiores, a criação autoral, o ensino, etc. Não se pode negar a associação de uma coisa a outra. Quando iniciei a minha escrita sobre banda desenhada, nos anos 1990, era de uma maneira muito tímida. No início dos anos 2000, foi sendo cada vez mais agressiva e fincada, abrindo portas a outras colaborações, alianças e certezas. Numa "cena" tão pequena como a nossa, não foi difícil a integração, circulação mas também tomada de posições mas que sempre foram livres e transversais (não me esquecerei quando o Geraldes Lino ficou muito surpreendido por me ver a colaborar com o Festival da Amadora, achando que eu era um "alternativo do Salão Lisboa", com o qual, na verdade, nunca colaborei).


Não esconderei que tinha a esperança, assim como presunção e água benta, de ir contribuindo para uma nova maneira de pensar e reflectir e escrever sobre a banda desenhada (na esteira de um Domingos Isabelinho e muitas referências internacionais), mas passadas duas décadas, não me parece que tenha havido uma transformação profunda da "crítica", palavra sobre a qual continuo a ser egoísta (não é o mesmo que "opinião", "resenha", "notas", "leituras", etc.). Continua a haver falta de espaço de mais profundas e balizadas considerações culturais da banda desenhada, não foi conquistado lugar suficiente em meios de comunicação mais "tradicionais" (jornais, televisão, mesmo a rádio, apesar dos esforços). O campo continua preocupado ainda mais em divulgação, senão somente repetição de notícias, mas há excepções, claro, capazes de furar a doxa e o desejo claro da entrada em pequenos enclaves de amizade e repetições, e menos em tomadas de posicionamento verdadeiramente crítico, em contextos mais alargados. 


Gostaria de pensar organizar algo mais bombástico, mas fiquemos com algo simples. Na próxima Segunda-Feira, ao fim do dia, na FBAUL, no seio dos eventos da COST, haverá uma pequena mesa-redonda comigo, os críticos Sara Figueiredo Costa e José Marmeleira (a primeira escrevendo sobretudo sobre literatura, o segundo sobre arte e música, mas ambos igualmente dedicando-se mal podem, e de forma séria, informada e alargada, sobre banda desenhada), assim como a Ana Matilde Sousa/Hetamoé e Hugo Almeida/Mao, ambos usando os chapéus, cosidos uns nos outros, de investigadores académicos, organizadores de eventos, editores e artistas de banda desenhada. O tema lançado é o da tarefa da crítica, usando para título os termos empregues pelo crítico literário J. Hillis Miller, num texto muito influente, demonstrando a abertura que essa tarefa permite na leitura de um determinado texto.


Estão convidados!



17 de junho de 2024

O homem que sonhou o impossível. Mário Freitas e Lucas Pereira (Kingpin)


Este livro, apesar de curto, convida o leitor a ler para além dele, uma vez que mexe com todo um imaginário caro ao mesmo, já acólito desse mundo, pelo que é muito difícil lê-lo de forma estritamente textual, atendo-nos aos seus elementos presentes. Apesar da roupagem fictícia, ele cria elos imediatos com o mundo real, e as respostas a esses estímulos expandem a eficácia do título. Aparentemente, tratar-se-á da história de um velho artista de banda desenhada, chamado Jack King, vivendo num lar de terceira idade, onde outros colegas de profissão também passam os dias. Mas um mistério oculta-se na biblioteca do lar, que despertará um último e grande conflito, o qual resolverá uma crise de décadas e trará a ideia, talvez, de uma possível redenção.

7 de junho de 2024

Larva, Babel de uma noite de São João. Julían Ríos (Barco Bêbado)

Saiu a lume, pela Barco Bêbado, a versão portuguesa do “romance” (usemos a palavra e aspas, para já) de Julián Ríos, lançado originalmente em Espanha em 1983, Larva. Babel de uma noite de São João. A um só tempo figura fulcral de uma certa reinvenção pós-moderna das letras espanholas e marginal do seu status quo, este é um daqueles livros que reformula estrutural e ontologicamente a própria noção de género, senão de literatura.

A literatura nem sempre é literatura. A maior parte das vezes apresenta-se como um veículo que se pretende disfarçar a si mesmo enquanto transparente, meio para um mundo diegético que se forma algures nas nossas mentes de leitores e nos faz crer que tão-somente o observamos através de uma janela, continuando o programa de realismo de Alberti. Talvez mesmo aquela transparência de que Walter Benjamin fala [Durchsichtigkeit], e que se torna obsessiva ao longo do século XX, e a sua noção de avanço tecnológico, regime da razão e progresso, ocultando a barbárie que é o seu preço. Famosamente, no seu ensaio “O contador de histórias” (“Der Erzähler”), Benjamin separa o acto (oral) de contar histórias do da escrita de um romance, colocando este não apenas dependente do objecto-livro e da história da imprensa, mas desligando-o também da experiência tornada comum, ou “vivência” (Erlebnis), nascendo do indivíduo isolado, sem recurso à sapiência. Escreve o ensaísta o seguinte:


Escrever um romance significa levar o incomensurável ao extremo, na representação da vida humana. No seio da completude da vida, e através da representação desta mesma completude, o romance oferece as provas da perplexidade profunda dos vivos.” (mais)

5 de junho de 2024

Pessoa e o Cinema - Ciclo e debate.




Conforme notícia anterior sobre a publicação da última revista Pessoa Plural", eis o LINK onde podem encontrar mais informações e como aceder o visionamento de vários filmes associados à figura de Fernando Pessoa, inclusive os projectos de animação que depois debaterei com Marcelo Mello no dia 12 de Junho, a partir das 19h de Portugal.


3 de junho de 2024

"A pluralidade de Pessoa em filmes de animação e histórias em quadrinhos" (artigo académico)

É com imenso prazer que partilho um artigo de natureza académica sobre banda desenhada, animação e Fernando Pessoa que vi publicado na prestigiada revista Pessoa Plural, no. 25, 2024, intitulado "A pluralidade de Pessoa em filmes de animação e histórias em quadrinhos".


Faço sobre análises formais de trabalhos de bandas desenhadas e filmes de animação, curtas e longas, a cor e preto e branco, adaptando e baralhando, pelos autores brasileiros Eloar Guazzelli, Otto Guerra, e Laerte Coutinho, o português radicado em França José-Manuel Barata Xavier e o francês Thibault Chollet, mas uma última sessão mergulha igualmente na minha própria prática, discutindo a adaptação de Mensagem, que fiz com a Susa Monteiro.


Ficam os agradecimentos aos editores, sobretudo Marcelo Mello e Jerónimo Pizarro, que me foram ajudando a moldar as ideias e o texto. E ainda ao Dário Duarte, pela pesca de uma referência certeira.


Há livre acesso ao artigo sob a forma de pdf, aqui.


No dia 12 de Junho, pelas nossas 19h às 21h, estarei numa sessão de visionamento de alguns destes filmes, seguidos de comentários e discussões. Mais informações sobre isso atempadamente.

31 de maio de 2024

Boa noite, Punpun; vol 1. Inio Asano (Devir)

Já se passaram quase 20 anos desde a publicação do primeiro volume desta série, no Japão. A sua tradução para inglês demoraria cerca de 10 anos, mas a recepção foi célere, impactante e significativa em vários países, tornando Asano num nome importante na produção de banda desenhada japonesa contemporânea dirigida a um público mais adulto, a sua recepção crítica e influência, e abrindo caminho a uma maior atenção a outros dos seus títulos. Há quase dez anos, discutiu-se neste espaço A Girl on the Shore, onde assegurávamos ser a voz deste autor a de uma representação da “melancolia urbana e da sufocação emocional da juventude japonesa (ou global)” e falámos brevemente de Punpun (que havíamos lido parcialmente em inglês e francês, mas nunca na totalidade) como um “lentíssimo mas profundo Bildungsroman anticlimático”. Ora, agora finalmente os leitores portugueses poderão atestar a correcção destas palavras, ou sua falha, ao lerem aquela que parece ser ainda, se não a magnus opus, pelo menos a obra de maior impacto mediático do autor. Esperemos que o seu sucesso contínuo, juntamente com outros projectos da mesma editora, com Taiyo Matsumoto, Shiegeru Mizuki, e outros, possa garantir a contínua aposta em outros géneros e tipologias da mangá que não a shonen (campo no qual a excelência é inegável, diga-se de passagem, simplesmente não estará nos nossos interesses pessoais principais). (Mais)

28 de maio de 2024

Les Derniers Jours d'un immortel. Fabien Vehlmann e Gwen De Bonneval (Futuropolis)


Nota inicial: este texto foi escrito para o terceiro programa 3 Graus de carequice, em que discutimos o “não-humano”. Aproveitei, por sua vez, alguns apontamentos que havia tomado para uma conferência e, mais tarde, paper. E mais, sobre um argumentista que tenho tentado seguir de perto e que aprecio, Fabien Vehlmann, de cujo Le Dieu-Fauve falei há um par de dias, neste espaço. É nesse sentido que recupero estas notas, com algumas alterações para legibilidade e maior consistência. (Mais)

26 de maio de 2024

Corto Maltese. A Rainha da Babilónia. Martin Quenehen e Bastien Vivès (Arte de autor)

Este segundo volume do duo de autores empregando à sua maneira a famosa personagem de Hugo Pratt dá continuidade ao contexto do início do século XXI. Os dois já haviam trabalhado juntos em Quatorze juillet, uma espécie de narrativa de alta octanagem e radiografia de uma França contemporânea pós-Macron, atenta, se não paranóica, com o facto de se ser alvo de actos de terrorismo, aparentemente internacional mas cozinhados no interior do país. Controverso, difícil, necessário, e com os desvios necessários para se tornar um thriller. Talvez tenham sido esses ingredientes claramente presentes que convenceram a detentora dos direitos a não apenas dar continuidade à personagem após a morte do criador original como a lançarem uma série “alternativa”. (Mais) 

21 de maio de 2024

Le Dieu-Fauve. Fabien Vehlmann e Roger (Dargaud)

O que é o Dilúvio? De uma forma corriqueira, é um avanço repentino e tumultuoso de águas sobre superfícies que usualmente não lhe estão subjugadas. É também um mito, uma história, que na nossa cultura tem presença no Épico de Gilgamesh e, mais tarde, nas narrativas que seriam agregadas nos textos judaicos e cristãos, mas tem algumas presenças semelhantes em outras culturas não-aparentadas, como do povo maia ou os ojibwe. Mas pode ser visto também como uma maré de algo que nos subleva, que nos altera, de forma irresistível, profunda, transformadora. Algo que até poderíamos imaginar não possuir e, nesse repente, se revela e nos transforma. Neste livro, há um dilúvio literal: ondas que engolem as terras e tudo destroem, mudando ou derrubando a ordem até ali vigente. Mas há outra: é também a vaga que vai e vem, súbita e sangrenta, do Sem-Voz, tornado a arma demente de morte chamada de “Deus-Selvagem”, empregue em combates de gladiadores, de significado religioso e ritual. (Mais)