26 de março de 2025

Prémio para que te quero.


Atenção: queixume da treta.

É com alguma mescla de sentimentos que recebi este prémio, ou menção. Trata-se tão-somente de uma pequena homenagem dos organizadores do Festival Hispacómic, que tentará crescer cada vez mais como um ponto significativo no convívio verdadeiramente ibérico da banda desenhada (existem algumas forças centrífugas mesmo no interior de Espanha que este certame tenta corrigir). 

Os organizadores resolveram abrir uma categoria especial para Portugal, e a escolha deveu-se ao meu papel de apoio e de "torniquete informativo" para a organização da edição anterior e esta, tendo sido o espoletar da sua atenção o meu artigo sobre o livro "Metasandman", da investigadora sevilhana Ana Rosa Gómez Rosal, o qual, à altura, não teve nenhuma outra atenção crítica senão a do Lerbd. 

Curiosamente, e de forma paralela, a minha participação numa conferência nos EUA fez-me conhecer uma investigadora israealita-americana que se lembrava de uma resenha minha a um seu livro de estudos, publicado em 2012, e como ficou surpreendida de ver essa atenção num espaço assim - periférico, em português, sobre bd, etc. 

A mescla de sentimentos emerge do facto de que, não obstante esta atenção e reconhecimento do "estrangeiro" - ficção estúpida, mas entenderão -, em Portugal a situação é totalmente contrária. No espaço de uns poucos meses, a minha interacção com algumas pessoas associadas à banda desenhada, num papel ou outro, ou mesmo o mundo da cultura, levaram à compreensão de que sou um desconhecido. 

É difícil de transmitir a ideia de que a minha preocupação aqui não tem nada a ver com o ego próprio (não se preocupem, eu tenho suficiente desdém-próprio que me imuniza de ataques pessoais; se quisesse prebendas, abriria os "Prémios Pincel Moura"), mas antes com a falta de reconhecimento do trabalho feito, que tenta abrir caminho a novos projectos - salientaria a abertura de um discurso verdadeiramente crítico há mais de 20 anos, contrário ao que ainda hoje se mantém na maioria dos casos, de uma mera divulgação dóxica (look it up, philistines!); a possibilidade de organizar exposições informadas por uma visão estética e não somente comercial; uma atenção académica que fundamente estudos, para ir além de ler McCloud e Eisner (porra!); e até um projecto televisivo que poderia, houvesse vontade de outros, abrir caminho a mais programas.

Mas ao falar com pessoas que não sabem o que foi a "Tinta nos Nervos", o "Verbd", não sabem do "Lerbd", não conhecem os livros e/ou artigos publicados internacionalmente, e me perguntarem se conheço fulano ou cicrano COM QUEM TRABALHEI DIRECTAMENTE... das duas uma, ou é uma falta por não terem feito o TPC, ou então é mesmo ignorância "weaponized".

Houve dois momentos, em Sevilha e em Houston, em que perguntaram se poderia falar mais da "bd portuguesa". E eu penso: "para quê?" Não quero ficar preso como "especialista de Portugal". Interessa-me mais o trabalho da Aidan Koch e do C.F. e do Omscic Comics e da María Medem do que metade do que se passa por aqui. Afinal de contas, tenho um livro em que falo da bd portuguesa em inglês de uma forma sustentada, e apenas um artigo, no Público, lhe prestou atenção, mas oiço outros a falar de X ou Y, à boca cheia, de serem "investigadores" ou "académicos" sem um único parágrafo publicado de forma académica ou com um pensamento que se diga 'benza-te Deus'. Não estou a falar de ti, descansa, é uma coisa genérica. Não apanhes a carapuça. 

Noto, com felicidade, numa nova geração com pensamento verdadeiramente crítico, intelectualmente informados e inteligentes, destros na argumentação, conhecedores de um horizonte muito expandido deste campo, a trabalharem, mas sem (ainda?) conquistas em oportunidades mais públicas (festivais, certames, programas e plataformas de divulgação), que se compadecem ainda no "middlebrow" ou pior.

Mas enfim, continuarei na marcha da divulgação sustentada e no apoio a uma maior respeitabilidade da banda desenhada aqui e além, sem me compadecer pelos lugares comuns ou os consensos podre de feira das vaidades. 

Em suma, é fixe ter este prémio em termoplástico, mas era mais fixe ainda se fosse um pé-de-cabra. 

3 comentários:

Anónimo disse...

Felicitações! Face a estas conquistas é vez mais é para salientar o silêncio que existe dos diversos meios culturais (e da própria BD portuguesa) que parecem só querer falar de BD e festivais quando há barraca, oferta de livro ou quando sai um cowboy novo.
Cumprimentos

Pedro Moura disse...

Obrigado pelas palavras. Concordo em que, de facto, mais meios culturais diversos deveriam começar a expandir-se mais e com mais atenção. Por exemplo, e sem detrimento aos profissionais em si, e muito menos aos "freelancers", mas é notória a atenção de jornais portugueses a bds publicadas em França ou notícias no estrangeiro, sem quaisquer menções ao que se passa cá.

MMMNNNRRRG disse...

Parabéns Pedro!