7 de abril de 2020

Pentângulo no. 3. AAVV (Chili Com Carne/Ar.Co)


Conforme os números anteriores desta antologia, devo começar por indicar que, de uma maneira ou outra, estamos envolvidos no seu processo de produção. Apesar de não participarmos activamente neste novo número, quer com um artigo ou uma banda desenhada, ou até mesmo com “exercícios” directos, o nosso envolvimento enquanto docentes no Ar.Co leva a que, num caso ou outro, haja um cruzamento prévio com peças de alguns dos alunos envolvidos. (Mais)

Mais uma vez, esta antologia abre a oportunidade, sobretudo para os mais jovens alunos, que agora dão os seus primeiros passos na direcção da aprendizagem das disciplinas da ilustração e banda desenhada, em puderem publicar uma pequena peça, seja mesmo de apenas uma página ou de uma mão-cheia delas. Isso em si mesmo é uma experiência que, relegada aos fanzines, publicações “escolares”, ou modos online, é salutar e até diríamos imperativo, nessa mesma aprendizagem. Mas o facto de poder publicar num livro com outro nível de qualidade material, circulação e distribuição e, mais importante, estar lado a lado de nomes mais consagrados ou de pessoas com mais experiência, traz uma visibilidade acrescida. É muito discutível, sobretudo neste terceiro número, se a qualidade é tão sólida como nos casos anteriores, pois existem alguns trabalhos que nos parecem soluções apressadas, pouco desenvolvidas ou mesmo pouco felizes na sua execução e até idealização, mas tal como afirmámos tantas vezes no passado em relação a publicações de/com estudantes, vale sempre a pena.

De um verdadeiro “veterano”, encontraremos aqui uma peça confessional de Francisco Sousa Lobo, o que, não sendo propriamente novo no seu projecto total, traz uma inflexão mais clara da consciência meta-textual da sua obra. Autores já publicados e com uma variedade de trabalho considerável, e que aqui contribuem mais uma vez com pequenas histórias que trazem um pequeno grão de diferença temos Tiago Baptista (com uma peça que é tanto uma crítica musical como um pequeno ensaio sobre desigualdades de género), Cecília Silveira (com uma observação oblíqua dos preconceitos portugueses para com brasileiros, acima de tudo), Inês Cóias (com uma desafiante adaptação de um dos “crimes exemplares” de Max Aub), e Tiago Albuquerque (que apresenta um exercício formal muito elegante e algo devedor às obras mais gráficas de Richard McGuire).

Mais jovens, mas igualmente com provas dadas em múltiplas plataformas, Rodolfo Mariano traz mais um capítulo da sua obra “fantástica negra”, de um humor requintado e absurdo em torno de tropos consabidos, e Vasco Ruivo apresenta uma peça abstracta e experimental que mereceria ser cotejada com os trabalhos dos cultores desta faceta da banda desenhada mundial.

Dos jovens autores que apenas aqui publicam a sua primeira banda desenhada ou que apenas as fizeram circular em publicações similares (números anteriores da Pentângulo, publicações colectivas com colegas, zines próprios, etc.), apresentam-se vários autores, com vários níveis de domínio, beleza e substância narrativa. Destacaria Rosa Francisco, pelo arrojo gráfico e cromático, Sara Boiça, melhorando cada vez mais o seu cruzamento entre a ilustração poética e as narrativas feéricas e semanticamente abertas (muito próximas de uma constelação muito própria de referências, de Aidan Koch a Lee JungHyoun), Anna Bouza, por uma complexa e eficaz mistura de poesia visual, desenho caligramático e elipses visuais criando uma bela peça gráfica, e Ana Dias, por parecer prometer uma visão sarcástica e mordaz sobre os desequilibrados comportamentos consumistas dos nossos dias.

A Pentângulo tem os ingredientes certos para se manter como um projecto influente e sólido, a longo prazo, mesmo que precise de reforçar os critérios de produção e edição para que garanta esse mesmo papel.
Nota final: agradecimentos a todos os editores, pela oferta do volume.

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