21 de setembro de 2006

Passionella and Other Stories. Jules Feiffer (Fantagraphics)


Já falei aqui de Anders Nielsen e de David Shrigley, e conhecemos os trabalhos, anteriores, de Steig, de Thurber, de Steinberg, de Blechman. Todos eles trabalham em objectivos diferentes, plataformas diferentes, mas todos também partilham uma pesquisa comum de sublimação do traço mais solto e, por isso, mais apto à felicidade do encontro ocasional, do “achado” à la Picasso (ou antes, à la Töpffer). Jules Feiffer é um dos outros artistas que trabalha na mesma linha de pesquisa (o texto introdutório de Gary Groth é bastante claro e informativo sobre estas afinidades).
Passionella and Other Stories é o quarto volume das Obras Completas, publicadas pela Fantagraphics, mas é materialmente diferente das publicações anteriores, quer pelo número de páginas, quer pelo formato e capa dura (um “livro”). Reúne, porém, tal como os volumes anteriores, uma colecção heteróclita de histórias, não se procurando qualquer tipo de construção temática, de natureza de trabalhos, etc., esperando-se que a convivência entre este material diverso sirva como retrato pertinente da obra de Feiffer. Neste volume em particular juntam-se trabalhos muito curtos que Feiffer desenvolveu para a Playboy (da qual foi colaborador durante anos, ainda que não defensor da mesma), da Pageant (onde se cruzou com Blechman), do Village Voice. Todas elas mostram a acuidade e o humor aguçado com que Feiffer faz passar uma espécie, não de lição de moral, mas de comentário de extrema inteligência sobre os assuntos discutidos (que podem ir desde a política sua contemporânea às eternas oposições e guerras dos sexos, aos papéis de personagens – vejam-se as duas versões, textual e de banda desenhada, de “Superman”).
Do que se reúne aqui, parece-me que a resposta a Hugh Hefner com The Lonely Machine é uma das mais bem conseguidas alegorias e paródias ao modo como os humanos se relacionam uns com os outros em termos afectivos; ao invés de elaborar uma tese verbal e explícita sobre a psicologia amorosa, a relação entre o homem e a máquina que inventa para ultrapassar a necessidade de relações estritamente humanas demonstra de um modo bem mais eficaz que, por mais que nos detestemos uns aos outros, precisamos mesmo de nos cruzarmos por aí. Harold Swerg é impressionantemente actual, quer nos Estados Unidos quer em Portugal quer seja onde for, e deveria ser leitura obrigatória sobretudo junto àqueles que se nutrem pelo desejo de serem sempre “melhores que” ou “os maiores de”, uma praga que ultimamente tem assolado pelo nosso país... “Igualarmo-nos é o maior esforço” é a tradução livre da “moral” desta história, e que poderia ser elevada como princípio bem mais saudável de relacionamento entre os seres humanos.
Depois, temos ainda Passionella, sobre uma mulher a quem é dada a hipótese de satisfazer um seu desejo – transformando-se numa bela mulher (vejam as imagens) – para descobrir sempre ao virar da esquina um desejo maior (ou diferente) até retornar ao ponto de partida, onde reside a verdadeira felicidade. Uma outra espécie de moral, sem dúvida e que transforma a aparentemente errada expressão “a minha vida deu uma volta de 360 graus” numa realidade significativa: poderemos voltar ao mesmo sítio de onde partimos, mas estamos enriquecidos com uma panorâmica sobre o nosso universo, e a decisão final é feita consciente e vitalmente. Em alguns aspectos, a história que dá o título central a este livro lembrará esssoutra adaptação da “Gata Borralheira” que é A Arte Suprema, de Rui Zink e António Jorge Gonçalves, com a qual partilha muitos elementos narrativos e mesmo formais. O que não nos deve nem surpreender nem nos ser indiferentes, uma vez que faz parte das naturais associações, convergências e continuidades numa história consciente da banda desenhada. Se bem que sublimado de um modo muito apurado, transfigurado para propósitos muito diversos, a influência das construções de Will Eisner – de quem Feiffer foi assistente – está presente em muitas opções do autor norte-americano. Voltamos também nós ao início, e encontramos mais continuidades, cruzamentos, potencialidades novas, que as (novas) leituras de Feiffer poderão eventualmente permitir, e não uma mera sucessão de influências ou, pior, imitações, a que pretensos “historiadores” e “detractores” desejam reduzir a História da Banda Desenhada. Posted by Picasa

1 comentário:

Pedro Moura disse...

Sim, vale a pena. E ainda que era uma das razões pelas quais valia a ena ler a Plaboy!
;)