28 de fevereiro de 2009

Monster Men, Bureiko Lullaby. Takeshi Nemoto (PictureBox)

Those crazy japanese. 3 de 3. (continua daqui) Já me havia cruzado com o trabalho de Nemoto, que publicou na Dernier Cri um livro, Rubber Dog, de ilustrações escandalosas e alucinadas. Monster Men reúne quatro trabalhos de banda desenhada publicados na Garo dos anos 90, sendo o mais marcante e mais longo The World According to Takeo, que dá conta da história de um espermatozóide que ganhou vida própria graças a ter sido exposto a uma explosão nuclear, quando o seu “pai” se masturbava no convés do barco de pesca. A novela que se desenrola segue todos os trâmites do mais deslambido dos melodramas, emotivo até à medula como é apanágio desse género de histórias, seja na Venezuela seja no Japão: um pai criminoso e louco, a impossibilidade de fazer amigos na escola, a ainda maior impossibilidade de amar, a desgraça familiar e social, a dificuldade em vingar no mundo dos negócios, a necessidade de cair numa vida miserável, prostituída, e um açucaradíssimo final que passa pela redenção do amor. O facto do protagonista se tratar de um espermatozóide e existirem cenas da mais abjecta sexualidade e escatologia desviam todos esses elementos de género para um outro território, que nos forçam, a um só tempo, a nos rirmos e sentirmo-nos enojados.
Na contracapa deste livro, diz-se que Nemoto “é muitas vezes comparado a R[obert] Crumb”, o que este volume “tentará mostrar exactamente como” se cumpre; no entanto, se a ideia geral de não existirem vacas sagradas que não sejam demolidas ou atacadas, até mesmo gratuitamente – o melhor ataque às vacas sagradas, diga-se de passagem, pois ataques ideologicamente fortes a este ou aquele princípio não são tão producentes e eficientes, diga-se de passagem -, é cumprida por Nemoto tal como o é por Crumb, o aspecto carnal, indómito, subcutâneo atinge patamares muito mais potentes em Nemoto do que em Crumb, o que, aliado à abordagem gráfica bruta do autor japonês (ao contrário do virtuosismo do norte-americano), exacerba os seus efeitos. De novo, tão nefastos como hilariantes.
Destes três autores, é Nemoto aquele que mais preenche a ideia da “loucura japonesa”, que advém de uma quase total ausência do conceito de pecado, de culpa, ou talvez da distinção claríssima que existe entre a realidade do dia-a-dia e a expressão dos mais indizíveis desejos e pulsões internos, uma espécie de purga total pela ficção e a arte, por mais “basura” que esta seja. Afinal, era essa a função da tragédia clássica grega. Talvez Monster Men, Bureiko Lullaby seja uma espécie de filtro de limpeza do que mais asqueroso levamos no nosso interior, em vez de nos pautarmos pela hipocrisia da nossa cidade. Talvez seja essa a mais funda força do que é produzido pelos “crazy japanese”. Talvez haja aí alguma lição a tirar.

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