21 de fevereiro de 2014

Zoom. Istvan Banyai (Kalandraka).

Esta é uma daquelas instâncias em que a abdicação da narrativa não significa uma falha na possibilidade de construção de mundos ficcionais, ou de um texto capaz de criar elos empáticos muito fortes com os seus leitores. Sobretudo pela sua qualidade lúdica, de surpresa, jogos de expectativas, mas também pela sua qualidade gráfica muito vincada, Zoom é um livro eficaz no seu propósito de divertimento. (Mais) 

O livro abre com uma imagem colorida e abstracta, uma forma geometrizante, que se pode adivinhar tratar-se de uma estrela, ou estrela-do-mar, uma extremidade de algo que se revelará seguramente ao virar da página. Afinal, é uma crista de galo. Mas se a cabeça de galo surge, o fundo não revela contextualização alguma, uma ideia de espaço ou de acção. Apenas o novo virar de página mostrará que ele se encontra num local determinado, e que estabelece uma relação com outras personagens que entretanto surgem, as quais se encontram noutro espaço determinado, maior, que pode ou não ser confirmado, que pode ser radicalmente transformado na sua natureza e relação com a realidade, que pode ser apenas inflectido na sua inscrição ontológica ou lançado numa via totalmente outra. Um dos aspectos mais curiosos da organização das imagens criadas por Banyai é que não segue propriamente uma lógica organizacional linear. Apesar de existir uma genérica linha, que vai desde a crista do galo ao espaço cósmico (na verdade, é apenas a Terra isolada no espaço), muitas das passagens não são “naturais” ou expectáveis, mas bem pelo contrário mostram desvios radicais - como a quinta transformando-se numa cidade de brinquedo, ou a paisagem do deserto do Arizona ser somente um selo, ou o cruzeiro navegar apenas num poster.

Ou seja, quando o mecanismo do livro se instala - a expectativa de ver o quadro maior em que a imagem que vemos neste momento se integra, e o desvio a essa expectativa - cada virar da página torna-se um exercício de encaixe, aumentando o desejo de descobrir a próxima transformação. No entanto, aquela questão está mal colocada. Cada nova instância não revela uma “verdade” que vai corrigindo a anterior. O cruzeiro navega mesmo nas águas do oceano, e à beira da piscina um rapaz lê uma revista. Na sua “unidade visual” isso é real. É apenas a um outro nível que o cruzeiro faz parte de um poster no lado de um autocarro. Ambas as situações são possíveis. De certa forma, e no interior do catálogo da Kalandraka, recorda um outro livro, o Oh! de Josse Goffin, que também apresenta um livro-jogo de imagens compossíveis.

Sendo um livro originalmente de 1995, é possível que, em parte, tenha encontrado na cena de abertura de Beetlejuice, de Tim Burton, uma fonte de inspiração. Recordemo-nos de que o establishing shot desse filme vai mostrando uma vila típica de subúrbio burguês norte-americano, para se revelar, subitamente, como um modelo à escala do protagonista do filme. Mas se no filme o que ocorre é uma metalepse, que faz atravessar dois níveis diegéticos de uma forma pouco natural, e por isso surpreendente e preparando para os trânsitos inusitados da sua história, em Zoom aceitaremos logo a “naturalidade” de cada nova imagem ou situação.

Além do mais, o “zoom” não procura ser rigoroso no sentido de pertencer a uma perspectiva ocular unívoca e contínua, ao contrário de um autor como Marc-Antoine Mathieu, que procura blindar as suas estruturas, e tendo em 3 secondes um contraste excelente. Zoom é, afinal, um “jogo”, de formas e cores, um “conjunto aberto” que serve o seu público infantil, e não tenta criar uma narrativa ulterior, um mistério policial a ser resolvido pela insistência e paciência do seu público. É, acima de tudo, um passeio.

Ainda assim, podemos perguntar-nos: quem é o observador? E isso pode levar a questões ainda mais prementes, como, se for possível existir apenas um observador, o que significará esta estruturação hierárquica dos espaços e seus cruzamentos? Em que medida se estabelece uma relação metatextual entre a dimensão da diegese - por mais rizomática que ela seja - e a do texto em si? Já para não falar da diversidade cultural que Zoom propõe, ainda que de uma forma mais ou menos contida. Estas questões não são supérfluas na medida em que, aparentemente, Zoom é um livro bastamente utilizado naqueles exercícios de team managment e coisas quejandas.

Com um desenho figurativo sólido mas de linhas relaxadas, e cores vivas e contrastantes, recordando a “linha clara” da banda desenhada, mas em inflexões à la Ceppi e Montellier, por exemplo, as imagens de cada página impõem-se com facilidade de maneira icónica. Existindo um segundo volume (Re-Zoom), e outros livros do autor, é de prever que possa vir a surgir uma edição portuguesa.
Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do livro. Imagens colhidas da internet.

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