24 de julho de 2017

Veículo. D. W. Ribatski (Roax Press)


Este pequeno pró-zine de Ribatski não é seguramente um livro que coloque o nome do autor num espaço de grande visibilidade junto a um público mais alargado e convencional, por três razões imediatas: porque o autor tem outros projectos que asseguram essa posição, por este ser um objecto de menor circulação (uma publicação de 24 páginas, um panfleto) e pela sua matéria ser controversa, no seu sentido etimológico: isto é, a de ir numa”direcção contrária” àquela que é habitual.

Aparentemente, a narrativa parece focar num episódio algo estranho na vida banal de um empregado de escritório. Tímido, solitário e trivial na sua vida diária, Jonas vê a sua vida subitamente invadida por uma mulher que não conhece, a qual se posta no seu apartamento, nua, e que de certa forma se predispõe a que ele beba dos seus seios um líquido que jorra sem cessar, o qual ele compara com mel. Não há cenas de relações sexuais, mas de nudez, mímica de mamar como uma criança, e conflitos com outras personagens causadas pela confissão de Jonas desta situação. Todas as perguntas que adviriam deste “mistério” são, no fundo, goradas. (Mais)

Ribatski não parece muito preocupado em criar uma narrativa com um desenvolvimento linear e de resolução clara, apesar de haver uma tentativa de tornar a pequena história num clássico de “shock ending”. Parece antes criar pequenos nós sucessivos de tensões e crises de significado. Até certo ponto, poderíamos descrever Veículo como um exercício de tradução em banda desenhada de algumas noções arquetípicas. A mulher, cujos seios descomunais a aproximariam física e conceptualmente das Vénus pré-históricas, poderá estar no lugar de uma projecção fantasmática de mãe, o que não invalida a presença de pulsões sexuais (ou melhor, que as justifica, se seguirmos à risca alguns dos princípios do psicodrama freudiano). Um longo texto definidor e explicativo na contracapa lança mesmo algumas confirmações de que Ribatski foi movido por preocupações conceptuais que depois tenta explorar na linguagem da banda desenhada.

Podendo inscrever-se nesse imenso território que por vezes é descrito por “realismo mágico”, é menos importante compreendermos a lógica da situação (uma sua (re-)solução) do que a velocidade subaquática ou a ambiguidade dos significados lançados pelo conto. Está esta personagem feminina no lugar de uma categoria mais lata do “feminino”? Dirá somente respeito à personalidade de Jonas? Trata-se de um mecanismo passível de leitura categorial ou apenas com uma valência nesta história?

Com uma uma assinatura gráfica entre Julie Opie (pelo minimalismo da expressividade dos rostos) e Oscar Zarate (uma certa qualidade fluida no lançamento das linhas), e com um maior presença da figura humana do que em trabalhos anteriores a solo que conhecêssemos, em sucessivas grelhas regulares que admitem pequenos desvios significativos, Ribatski, ainda assim, dá aqui continuidade às suas próprias pesquisas dos movimentos da mente humana, sob a superfície das aparências sociais, e onde se escondem fantasias, desejos e projecções que raramente vêem a luz do dia.

Nota final: agradecimentos ao autor, pela oferta da publicação.  

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