É escusado fazer aqui um historial de fanzines (não “zines”) que no primeiríssimo número se arrogam de poderes que jamais atingem, de querer mudar os panoramas da banda desenhada, de instigar novos valores e patamares de criação, de estabelecer uma contínua mostra de trabalhos mais ou menos alternativos, entre muitos outros fins propostos. A esmagadora maioria desses pequenos cometas é precisamente o de se dissiparem no resto da poeira.
Marcos Farrajota é um incansável agente das forças perenes do que de melhor se faz na frente fanzinística: autor, argumentista, desenhador, editor, publicador, distribuidor, publicitador, agitador, franco-atirador, crítico, desbragado ou nem tanto, feirante, enfim, um verdadeiro polimata envolvido numa área concorrida mas usualmente apenas em número. (Mais)
O Mesinha de Cabeceira, cujo mentor actual e central é Farrajota (se bem que Joana Figueiredo e Daniel Gouveia tenham sido companheiros de longa, longa data) é quase um dinossauro – e não me obriguem a outras grafias, pois o MdC vem mesmo de outro tempo, como o Constantino. Um tempo em que ainda o panorama da banda desenhada não tinha a diversidade feliz que hoje tem e, ao contrário dos nostálgicos das grandes e inertes editoras de antanho, acredito mesmo estarmos hoje num momento particularmente vivo em muitas frentes. Houve um grande contributo de grandes revistas, choques frontais: para a minha geração a referência é a Tintin, mas a Visão veio acordar o burgo, a Lx Comics (a 1ª) veio dar o tom, e outras pequenas experiências marcaram o passo. A MdC deu passinhos curtos e devagarinho, mas não deixou de os dar. E como um pesado dinossauro, quando dá uma dentada, ela é valente e deixa marca. Nesse aspecto, a estratégia de Marcos Farrajota é muito inteligente, semeando com cabeça e planificação, e fazendo erguer projectos que se mantêm durante largo tempo (num certo campo de referências, não conhecer Mutate & Survive é crime de lesa-majestade e uma terrível ignorância para os “profissionais” da banda desenhada).
Já por lá passaram muitos autores, recordo-me que tem uma das melhores histórias de sempre dos confusos anos 90 (Bebedeiras & Duprês, de Farrajota, que já mencionara aqui), outra do Nunsky que apenas me trouxe dúvidas sobre o que no fundo significaria “qualidade”, e mais recentemente a trilogia Crica, uma espécie de quem é quem da frente banda desenhista meio-underground de Portugal e arredores.
Mesinha de Cabeça Popular remete a um só tempo para os tempos anteriores e os mais recentes do zine: apresentando um programa “curatorial” e “programático”, uma vez que o editor convidou os autores a se pronunciarem sobre a noção de “popular”, apresentam-se aqui as mais díspares vozes e perspectivas sobre o que de mais normalizado nos pauta a vida. Há mais uma vez colaborações de autores internacionais, como os reiterados Dice Industries e Katharina den Hausladen nas suas explorações de poemas em bd, Monia Nilsen com uma excelente biografia do “pop” antigo dos Estados Unidos, uma divertida reconstrução de imaginários bedófilos e guerrinhas de território no mundo real de Jacob Klemencic, entre outros. Quanto aos portugueses, os destaques (com todo o respeito para com os restantes autores, e vetustos, incluídos) têm de ficar em Joana Figueiredo, de quem já falei, João Maio Pinto, com uma espécie de “cápsula” onde cabem todos os chavões dos filmes de série B, mas desta feita com um final feliz, André Lemos com uma procissão de “cromos”, os verdadeiros “grandes portugueses”, Nuno Duarte e Pepe del Rey (repetindo parte da equipa de Virgin’s Trip) com uma homenagem a um dos nossos últimos estadistas, Marte e Jorge Coelho com uma excelente pequena história dos “novos valores mais altos que se impõem” e José Feitor com uma bela adaptação de uma canção muito bonita de um cantor norte-americano que canta em português (ou é ao contrário?).
Não estando nós perante um objecto esmagador (até pelo tamanho e a amplitude do projecto), verifica-se na MdC Popular um novo passo para a consolidação deste como um dos melhores zines ou revistas de banda desenhada da actualidade em Portugal, dentro da sua categoria de produção. Aliado às acções da Feira Laica, uma outra estratégia inteligente de visibilidade e acção deste mesmo colectivo desirmanado de autores, estamos em crer estar aqui um projecto de criação e edição e ocupação de território análogo, ou homólogo para Portugal, de outros como os do Fort Thunder, onde Mat Brinkman se destaca...
19 de dezembro de 2006
Mesinha de Cabeceira Popular # 200. AAVV (Chili Com Carne)
Publicada por Pedro Moura à(s) 11:01 da tarde
Etiquetas: Antologias, Portugal, Zines
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