31 de janeiro de 2014

The Book. A Global History. Michael F. Suarez, S.J., e H. R. Woudhuysen (Oxford)

Ao considerarmos a banda desenhada como uma arte do livro, uma das disciplinas que nasce com o advento do livro, ou mesmo considerando-a uma forma autónoma do livro mas que tem nele uma inflexão fulcral, o estudo deste meio (medium) é também central numa sua apreciação global. A consideração de um volume desta envergadura, num espaço como o nosso, não é portanto indevido. (Mais) 

Sendo este volume cartonado e com cerca de 700 páginas de texto, ainda assim esta é a edição concisa de um projecto monumental anterior, o The Oxford Companion to the Book, cujo preço e corpo impunha um respeito mas igualmente larga distância da  esmagadora maioria dos hipotéticos interessados. Onde aquele anterior projecto se destinava certamente às prateleiras de (poucas) instituições ou excêntricos, esta versão já se torna mais passível de atingir uma grande circulação, ainda que se o possa considerar, ainda assim, como um volume, sóbrio, para introduções, primeiras abordagens em temas que eles mesmo merecem volumes e estudos exclusivos, ou como instrumento de consulta regular à medida das necessidades.

Tal como no projecto anterior, The Book encontra-se dividido em duas partes substanciais, sendo as primeiras 250 páginas ocupadas por ensaios temáticos de maior fôlego e abrangentes, ao passo que as seguintes espraiam-se num número maior de capítulos menores concentrados nas “histórias regionais e nacionais do livro” em determinados círculos espaciais. Com mais de 51 ensaios escritos por dezenas de especialistas (alguns dos quais familiares da bibliofilia ou da ciência e história do livro, como o medievalista Christopher De Hamel ou Andrea Immel, editora de vários projectos sobre literatura infantil), existirão alguns graus de variação na intensidade, informação e escopo, mas tudo isso garante um excelente equilíbrio, precisamente, global.

Tendo em consideração o conceito plástico de livro, e o que esse verdadeiro espaço social significa em termos de circulação e transporte de todo um conjunto de marcas gráficas (graphein) a que chamamos ora de “escrita”, se pretende representar (parte) das linguagens naturais humanas, ou “desenhos”, caso estabeleçam uma relação icónica ou simbólica com os objectos do mundo, não será surpreendente que haja uma atenção para com sistemas de escrita, suportes de escrita, e relações da escrita com determinadas culturas, domínios sociais, ou até mesmo “formas” do livro, das tabuletas assírias aos tablets hodiernos, passando pelos rolos (biblia) de papiro e pergaminho e códices medievais e todas as etapas da tipografia e impressão mecânica. Assim, na primeira parte, temos capítulos sobre “livros sagrados” - concentrando-nos nas religiões de maior expansão baseadas em escritos (Judaísmo, Cristianismo, Islão, Budismo) -, e sobre “conceitos de propriedade intelectual e copyright”, sobre o livro antigo, o medieval europeu, e o impresso, os livros para crianças, e os ilustrados e sua relação com tecnologias várias, passando pelas questões económicas, de censura ou divulgação através da diáspora judaica ou os missionários jesuítas, e inclusive capítulos sobre encadernação, teorias textuais, editoriais e de crítica textual, e, claro, sobre o livro electrónico…

Tratando-se de um projecto inglês, não é surpreendente que a segunda parte apresente três capítulos distintos dedicados à Grã-Bretanha, estruturados de acordo com várias épocas, estando depois reservados capítulos ora para países exclusivos ora “blocos”. Isto é tão problemático como expectável, já que as “nações” como as entendemos hoje não se haviam formado numa determinada data. Afinal, Portugal existe como estado nação há mais tempo que a Alemanha, mas esta tem um capítulo exclusivo enquanto Portugal está subsumido no capítulo sobre a Península Ibérica; no entanto, não pode haver que o contributo português para a história do livro é substancialmente menor que o dos estados germânicos ao longo história europeia, até por durante tanto tempo os impressores serem de origem estrangeira. Isso não significa que não haja pontos de interesse crucial na história, mesmo mundial, do livro que tenham sido fundados em Portugal, e que são tratados no curto capítulo.

Encontramos portanto capítulos sobre as tradições e histórias locais do livro em França, Irlanda, Itália, China, Coreia, Japão, mas também no mundo islâmico, o sub-continente indiano, os estados bálticos, o sudoeste asiático, etc. Algumas tradições usualmente deixadas fora destes cômputos encontram-se estudados de forma sucinta, mas pretendendo corrigir as imagens usualmente eurocêntricas (ou mesmo literato-cêntricas): a cultura inca e azteca, as da África sub-sahariana, das caraíbas, etc. (alguns capítulos inéditos neste volume).

Como se pode imaginar, há uma miríade de tópicos discutidos, com maior ou menor incisão, pormenor e até humor (a forma como as supostamente “runas” mágicas são exploradas, deitando abaixo sonhos de grandiosidade mistificadora, é quase hilariante mesmo). Haverá parágrafos, secções, capítulos ou sessões que interessarão a toda uma série de leitores “especializados”, desde historiadores da cultura, designers, teóricos da literatura e da  ilustração, sociólogos, e, claro está, àqueles interessados na compreensão global de um contexto “do livro” onde terá emergido este território da banda desenhada (que não é tratada de forma exclusiva, mas somente en passant, ou integrada noutras produções). A formação da Bíblia, o desenvolvimento das letras alfabéticas, a relação entre as letras e sons humanos, a organização de bibliotecas e lojas de livros ao longo da história, técnicas de impressão, a origem das serifas, questões filológicas várias, a distribuição e circulação de posters pelas ruas novecentistas das ruas europeias, são alguns desses assuntos… E cada um desses temas pode ser complementado por uma secção ou nota de outro capítulo, quando no próprio interior de um dele não se apresentam as várias facetas ou domínios de uma mesma questão. A discussão em torno da propriedade intelectual, por exemplo, não procura encerrar as discussões, mas apresenta de modo sumário as posições diferentes que estão em debate, e fornece alguns instrumentos para se tomar, se não uma decisão, pelo menos uma posição de entrada informada.

Pressupondo uma leitura por atacado ou em consultas fragmentadas, The Book será certamente uma excelente adição para qualquer bibliófilo com preocupações de maior consolidação, mesmo que alguns dos textos sejam antes convites a um maior aprofundamento com outras fontes.
Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta do livro.

5 comentários:

Catarina Figueiredo Cardoso disse...

Nos capítulos hilariantes conta-se o de Portugal, ou melhor, aquele que fala vagamente de Portugal. Que desaparece depois de 1580. O que não admira, atendendo a que foi escrito por uma espanhola a partir de um especialista em incunábulos, o Prof. Artur Anselmo...

Pedro Moura disse...

Olá, Catarina.
Por favor, se conheces mais sobre este livro, deixa aqui mais comentários, uma vez que eu não sou, de forma alguma, especialista da história do livro em Portugal (apesar de ter alguns livros do prof. Anselmo). De facto, a história deste nosso canto (e de outros países, seguramente) é tratada em detrimento de outros "centros", mas justificar-se-á apenas pela nossa posição descentrada, ou uma verdadeira deficiência nesta mesma história em termos de produção? Não sou capaz de responder, por ignorância.
Obrigado.
pedro

Matthew Hunt disse...

Thank you for photographing the actual book - all other websites use the publicity illustration which misspells the author ("Wooudhuysen").

Pedro Moura disse...

Dear Sir,
Thank you. I try as much as I can to use an original photo or scan (in this case, including the attached marker ribbon), but sometimes it is not possible. In any case, I also do not limit to repeat material that has been provided by the publishers, but actually provide a reading of my own, even when it blantantly shows my ignorance upon its subject matter, as it is the case with this immense (in more ways than one) volume.
Thank you!
Pedro Moura

Matthew Hunt disse...

Thanks for your reply. Again, your writing reviews of the actual books is better than many bloggers who simply write previews by copying press releases.

Mat.