Poder-se-á
descrever Fósseis
como tendo três “partes”. A linha principal da narrativa é a de
uma família, a saber, Samuel e os seus dois filhos, Marco e Valéria,
passando as férias na praia da Adraga: parte do folclore local (as
formações rochosas com os seus apodos), as brincadeiras da filha e
os conhecimentos do pai concorrerão para criar uma história de
encantar (e assustar). Desse relato desprende-se a vida do rei D.
João II e a exploração da costa africana, podendo mistificar-se
nessas missões a “Época de Ouro” das navegações dos
portugueses – os focos principais são o assassinato do Duque de
Viseu e a viagem de Bartolomeu Dias. Finalmente, uma terceira linha é
a mítica, e tríplice: não apenas aquela “mito-histórica”,
associada à viagem e “dobragem” do cabo das Tormentas/da Boa
Esperança, mas igualmente a camoniana (o mito do Adamastor) e uma
mais original, fantasiosa (uma série de criaturas fantásticas,
aliadas e antagonistas de Adamastor). (Mais)
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A
leitura de Fósseis
das almas belas
exige, além do mais, da parte do leitor, conhecimentos externos à
própria obra. O tom enciclopédico, presente aqui e ali pelos
diálogos entre pai e filha, e contra-propostas do filho, que
pretende criar essa tal camada de “historicidade”, não tem um
peso suficiente para transformar o projecto numa ponderação
“mágica” sobre essa mesma história. Enquanto narrativa de fito
universal, a estrutura não chega a um equilíbrio dirigido, e os
momentos mais violentos podem mesmo dissuadir a ideia da sua
acessibilidade a um público mais jovem.
Apesar
da limitação do trabalho figurativo de Sérgio Marques, e uma certa
monotonia de composição, dinamismo e emoções das personagens
(quase sempre há um tom melodramático apresentado subitamente, sem
crescendo,
mas isso deve-se à estrutura da narrativa, à supetão), há um
certo charme infantil na sua presença, mais conseguida nos momentos
calmos e quotidianos do que nas cenas mais espectaculares, cuja
ambição não é recompensada. Há mesmo um certo excesso de linhas
e formas nos episódios mais dramáticos que distraem em parte de uma
concentração nas acções. Mas o traço rústico das personagens, e
a organização de cada página como uma unidade auto-suficiente,
dá-lhe um garante de um equilíbrio interno, e uma leveza de tom que
serve à parte “realista” de forma imediata.
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