15 de abril de 2011

Antonio Rubino, le maestro italien de la bande dessinée enfantine. Fabio Gadducci e Matteo Stefanelli, eds. (Actes Sud/L'An 2)

Introdução.
O emprego da palavra “mestres”, “clássicos”, “lendas”é muitas vezes banalizado a um ponto em que essas palavras já nada significam, a não ser uma categorização facilista para concursos e prémios que pouco peso têm na reflexão real e influente sobre o objecto que pretensamente pretendem legislar. Mas elas terão, de quando em vez, um uso mais certeiro. Pode até ser fluido, conforme circunstâncias – por exemplo nacionais ou temporais – mas terá de se apresentar enquanto argumento sobrevivente a longo prazo. Na senda de toda aquela “recuperação da memória” da banda desenhada que vamos citando recorrentemente no nosso espaço, todos os gestos que se seguem inscrevem-se nessa tendência contemporânea que contribui de uma forma incontornável para a consolidação de uma verdadeira canonização e, com ela, uma historicização e consequente problematização desta disciplina artística. Se bem que outros gestos se mantenham, com a edição completa da obra (ou dos títulos mais significativos) de Frank King, de Marge e John Stanley e Irving Tripp, de Chester Gould, George Herriman, Charles Schulz, Segar, Hal Foster, Roy Crane e muitos outros (e do lado francófono também se verifica a recuperação de muitas séries, se bem que mais pautadas por interesses comerciais do que por arqueologia do saber, ainda que haja pequenas pérolas em relação a clássicos como Tintin e Spirou nas suas formas hebdomadárias originais), estes dois gestos seguidos são igualmente importantes e cada qual com a sua aresta particular.
Rubino.
A última vez que nos cruzámos com a obra de Rubino foi na Modern Arf, que publicava algumas pranchas da série Quadratino, precisamente com a qual os editores deste presente volume abrem a antologia, sublinhando porém a informação, até com veemência, que foi aquela criação de Rubino que teve a vida mais curta. Com sete pranchas, dificilmente seria esta a personagem que deveria estar à frente da rememoração do autor... mas, que conceito!
Com a primeira prancha editada a 7 de Agosto de 1910, não será difícil irmanar esta pequeníssima série com muitos outros exemplos daquilo que poderíamos chamar “trick strips”. Se aproveitamos a nomenclatura dos “truques” cinematográficos, espécie de ementa de filmes sob uma mesma denominação, a qual corresponderia a uma qualquer técnica ou tema que dirigia toda a sua estrutura (isto existia, por exemplo, nos catálogos da Pathé), não se deverá somente à agregação desse mesmo truque-técnica mas também por alguns aspectos da sua construção. Esses filmes (Méliès é talvez o seu exemplo mais acabado) apresentavam sempre um cenário relativamente estético, perfeitamente enquadrado pela câmara, e onde se procurava um dinamismo interno a esse enquadramento mais do que pelos planos dos espaços (o que é natural pela falta de movimento da câmara). Em muitos aspectos, as séries Alphonse & Gaston e And her name was Maud, de Frederik B. Opper, Career of Cholly Cashcaller do anónimo “W.”, Sammy Sneeze e Little Nemo in Slumberland, de McCay, The Upside-Downs of Little Lady Lovekins and Old Man Muffaroo, de Verbeek, Clumsy Claude, de C.W. Kahles, entre tantas outras, farão parte dessa alargada família no sentido em que – mesmo havendo movimento de vinheta para vinheta, alteração de espaços, etc. - seguimos sempre uma mesma “perspectiva teatral”, com a presença central dos corpos inteiros das personagens, e uma visibilidade claríssima dos espaços circundantes. Nada do que está fora do plano é importante: é como se não existisse um fora de campo, essa ontologia de nada serve nestes trabalhos.
Por outro lado ainda, os elos possíveis entre essas duas realidades prende-se com a subsunção da narrativa a um mero pretexto para uma piada (visual) rápida mas surpreendente e que se torna o centro – quase total – dessa historieta. É claro que deveríamos ter em conta alguns aspectos específicos de cada série, mas sabemos que a Maud vai coucear tudo, que Sammy espirrará, que Nemo acordará, que Alphonse & Gaston não se decidirão, que Claude tentará ajudar mas fará asneira... que Krazy levará com um tijolo, mas não se importará. Ora a personagem Quadratino é como elas. Sendo um quadrado (uma criança com cabeça em forma de quadrado, não de cubo, quadrado), pertence a uma família cujos nomes não escondem de maneira alguma o propósito pedagógico que impera nessa série: a mãe Geometria, a avó Matemática, a tia Trigonometria; guloso, distrai-se sempre dos seus afazeres por uma qualquer guloseima que se lhe apresenta (uma abóbora, umas bananas, um bolo de chocolate) e, por não lhe estar imediatamente ao alcance, mete-se em atalhos que o levam a um acidente qualquer, deformando-o numa outra forma geométrica (rectângulo, círculo, triângulo, losango, trapézio, octógono, hexágono). Outra das constâncias é que as seis vinhetas são apresentadas numa grelha de 2 x 3, e a quarta, sempre no mesmo posicionamento geral (conferindo um ritmo regular ao virar das páginas, apenas possível numa antologia), são onde ocorre o acidente, e onde encontramos as linhas de impacto, de movimento violento, de maior dramatismo diegético. Termina sempre com um ou mais membros da sua família a corrigir-lhe as formas... Percebemos também assim os limites da série. Ao passo que as aventuras oníricas de Nemo (e suas imitações e epígonos) permitiriam uma cada vez mais lata liberdade, matéria plástica própria dos sonhos, ou os acidentes parvos de Alphonse, Gaston, Sammy e Claude se poderiam sempre procurar em variadíssimos contextos, as variações geométricas de Quadratino encontrariam mais tarde ou mais cedo um limite (como colocá-lo numa situação da qual saísse um icosaedro ou um hipercubo?). Enfim, as outras séries, e aqui incluídas, são bem mais alargadas no tempo e na presença – Pino e Pina, Piombino e Abetino, La Tradotta, Caro e Cora, Lio e Dado, Dino Din e Din Dinora (a leitura em voz alta destas séries revela alguma limitação vocabular) – mas é Quadratino que nos parece mais marcante ainda assim.
Claro que a arte magnífica, estilizadíssima, colorida, inscrita (pelos editores) no movimento artístico Stile Liberty (de Milano, sede do jornal Corriere della Sera, em cujo suplemento infantil, o Corriere dei Piccoli ou Corrierino, saíram estas séries, com uma excepção) marcam todas estas páginas e é maravilhoso atravessá-las. Algumas delas são marcadas pelo espírito da época, nem sempre algo que possamos herdar sem titubeações, como a mais que patente propaganda fascista de Dado, uma espécie de Il Duce infantilizado (um chibi avant la lettre?)...
Há raízes lançadas por Rubino que nos fazem imaginar que outros autores que se seguiriam mais tarde, na produção de banda desenhada infantil italiana, lhe imitariam os passos. Pensamos em Luciano Bottaro, sobretudo, mas provavelmente toda a chamada “escola de Rapallo”, se bem que tenha outras raízes, que aliás “arredondam” a artes desses autores. O elo a Bottaro é imaginado pelo uso da cor, menos naturalista do que buscando uma espécie de expressividade industrial, e a exploração por vezes de algumas formas geométricas e angulosas na construção das personagens e fundos (acima de tudo, Re di Picche). Seguramente que existirão estudos específicos deste trânsito de ideias e formas, mas desconhecemo-los e a nossa ignorância não nos permite avançar mais. O que não se prevê é que essa ignorância não seja corrigida por este volume, e outros, que se desejam venham a surgir.

1 comentário:

matrioshka disse...

Quadratino é de facto uma preciosidade. Deixo link com mais imagens do seu trabalho: http://www.old-coconino.com/sites_auteurs/rubino/index.html