10 de setembro de 2013

Outras editoras (Comic Books, parte 6)

Para além das grandes duas editoras de banda desenhada mainstream norte-americana, a Marvel e a DC, especializadas em super-heróis e quase apostadas em preencher todo o mercado ao ponto de terem treinado muitas pessoas, leitoras afuniladas ou não-leitoras, a tomarem a nuvem por Juno, isto é, o meio ou arte da banda desenhada por um só género, existem toda uma série de editoras menores a tentarem ocupar espaço no mesmo mercado. Como dissemos em posts anteriores, nesta equação não se encontrarão aquelas que se têm especializado ou trabalhado para o mercado livreiro, que se tem desenvolvido desde o final dos anos 1990, sejam elas exclusivas ao meio ou associadas a uma tradição literária, sejam elas grandes e mais ou menos consolidadas ou pequenas e em permanente perigo: a Pantheon, a Fantagraphics, a Drawn & Quarterly, a PictureBox, etc. Estamos sempre a falar de comic books, revistas mais ou menos mensais, de uma vintena de páginas, que têm distribuição no chamado “mercado directo”. (Mais) 

Depois da razia que a Vertigo teve de sofrer (o despedimento de Karen Berger, a passagem exclusive de várias personagens para o universo mainstream, o cancelamento de vários títulos, a quase-exigência em ter um modelo mais agressivo em termos comerciais devido às novas direcções da companhia, etc.), acreditava-se que encontrar títulos com algum grau de liberdade criativa tinham chegado ao fim. Ora, ainda que digam respeito a um momento de transição que não se sabe se aguentará ou não, Punk Rock Jesus e The Wake apontam para um qualquer grau de continuidade dessa atitude. Num artigo sobre o segundo título, Marc-Oliver Frisch emprega um termo excelente para descrever essa atitude: “creator-driven” em vez de “creator-owned”, precisamente apontando para a ausência de acesso aos direitos de autor, ou conexos, sobre as criações, mas uma maior margem para as liberdades tomadas em termos de géneros, tons, moralidades, representações, etc. A Dark Horse e as outras editoras também têm vários graus dessa relação, mas na esmagadora maioria dos casos são os autores os detentores dos direitos de autor relativos às personagens, o que lhes permite explorar as suas histórias com o máximo de liberdade, com diferentes gaus de sucesso, mas mais importante, chegando aos seus públicos específicos, muitas vezes criando nichos dentro de nichos, e cultos.

Hellboy in Hell. Mike Mignola (Dark Horse) Quem começou a seguir Hellboy desde o seu primeiro passo, há quase 20 anos, sabe que Mignola atravessou muitas fases com esta personagem, e que o que se encontrava nas primeiras aventuras não apontava para esta estrutura tão consistente de grande saga. Aventuras cheias de clichés, humor, por vezes desabrido, uma capacidade lata de aceitar contributos de vários géneros, o que se confirmaria pelo número de homenagens, projectos colectivos, spin-offs e colaborações (já para não falar de influências, epígonos ou mesmo plágios). E apesar do seu nível de produção ser relativamente lento (e fazer desesperar os leitores que esperam por uma regular dieta mensal), Mignola tem aumentado a parada e consolidação da saga nos últimos anos (que sempre o foi, considerando a numeração interna e transversal a todos os comic books), se bem que tenha entregue as rédeas do desenho a Duncan Fegredo (excelente escolha, que não procura mimar Mignola), com as cores soberbas de Dave Stewart. E depois de The Storm e The Fury, e o tremendo “choque” com a morte de Hellboy, Mignola regressou também como artista a esta última série. Mas o “regresso” é a palavra certa em mais do que uma valência, já que se está e explorar a presença de Hellboy no Inferno, em toda a sua extensão geográfica e de círculos de poder, procurando-se que papel ele pode assumir na organização dos seus reinos e nos fados dos seus habitantes (e dos do mundo humano). Mais uma vez tecendo contos folclóricos, escritos esotéricos das mais variadas origens, mitologia, poesia romântica, literatura fantástica, da weird à pulp, e o seu próprio universo de referências, Mignola procura moldar um monumental “selo dos profetas” para a sua personagem. Independentemente se continuar ou não com as aventuras de Hellboy depois deste “arco”, os leitores pressentem que se encontra aqui uma espécie de grande conclusão àquilo que se iniciara em 1945, na cronologia histórica da série, e em 1994, para os leitores. Entretanto, está para breve a edição de uma história maior, retrospectiva, desenhada por Fegredo, sobre um episódio da infância de Hellboy, Midnight Circus.

B.P.R.D. Vampire. Mike Mignola, Gabriel Bá, Fábio Moon (Dark Horse). Se se segue Hellboy, quase por atacado que haverá um interesse pelo spin-off B.P.R.D., e em torno das outras personagens, num todo que se tem desdobrado em toda uma série de títulos e fugas, sobretudo aquelas que se têm ora coordenado entre si para mostrar os fados do mundo desse “universo diegético” (à la Marvel/DC), ora mesmo lançado algumas pistas que se cruzam com o destino da personagem mais famosa. Isso não significa que todas as séries se tenham revelado como tendo a mesma intensidade e/ou entrega. Vampire nasce da colaboração entre Mignola e os gémeos brasileiros, mesmo na parte da narrativa. Tratando-se de uma história relativamente autónoma do restante “universo”, pode ser seguida de modo independente, mas a sua integração na malha maior recompensará os leitores, até porque se passa durante a infância de Hellboy, com o seu pai adoptivo ainda vivo (não sendo eles os protagonistas). Não estando perante o melhor dos títulos, nem em relação ao melhor trabalho dos autores envolvidos, ainda assim tem as suas qualidades redentoras, que importa ponderar e esperar, já que fundou mais uma nova linha de pesquisa futura. Devido às múltiplas e diversas referências, à visualidade do trabalho, com as figuras angulosas dos artistas brasileiros, e ao ambiente geral, é inevitável que haja uma reaproximação à série Dylan Dog, cujas afinidades electivas com Hellboy são, desde logo, muitas. A trama aqui centra-se numa espécie de feudo familiar de um clã de vampiros, e as alianças e rivalidades, inclusive amorosas, que emergem dele, envolvendo ainda bruxas de Hécate e, no meio, um membro do Bureau, Simon Anders, numa busca que o levará a círculos de existência que não desconfiaria existirem. Depois de se estabelecer, ainda que misteriosamente, a personagem de Simon, ele é colocado nesta tempestade e nela desaparece, dando lugar a um ser possuído por forças sobrenaturais, transformando o título numa história de acção rápida, simples e linear, mas que terá certamente novos desenvolvimentos no futuro, e que contribui, à sua maneira, para a contínua expansão deste tal “universo”.

Conan the Barbarian. Queen of the Black Coast. Brian Wood e Becky Cloonan (Dark Horse) A razão que nos levou a regressar a qualquer título com esta personagem deveu-se não apenas ao escritor, que aqui produz uma adaptação directa de uma das novelas do autor original, Robert E. Howard (deixando isso visível nas legendas em forma de texto dactilografado), mas à artista, cujo trabalho suave conhecíamos, não apenas de títulos mainstream, mas sobretudo de várias peças pequenas, inclusive os seus curtos exercícios de fantasia terna (Wolves, The Mire). É sobretudo a ambiência de suavidade (mais uma vez, temos Dave Stewart a escolher as cores certas) que torna estes três comic books (o primeiro arco, único lido até à data) num projecto interessante, capaz de instilar nesta personagem algum grau de interesse emotivo, que está presente no conto original, no qual um ainda jovem Conan (mais jovem ainda nos desenhos de Cloonan) se envolve com piratas e depois com uma rainha dos piratas, Belit. A série seguirá a par e passo a novela de Howard, tentando organizar cada arco a seu ritmo próprio, mas desde já abre-se a vários desenvolvimentos. O envolvimento erótico e emocional de Conan torna esta história numa plataforma verdadeira de desenvolvimento e aprofundamento da personagem, onde se poderia pensar não haver nenhum. Ao contrário das versões cinematográficas, algo unidimensionais, encontrar-se-á aqui algo próximo do que a série A Game of Thrones conseguiu fazer com as personagens Khal Drogo (apesar da coincidência do actor no desempenho de ambas as personagens, Drogo e Conan) e Daenerys, onde testemunhamos nascer, da bruteza e quase incompreensão total, um amor em que cada um dos amantes se abandona no outro.

The Massive. Brian Wood, Kristian Donaldson, Dave Stewart. (Dark Horse). Estarão na moda narrativas de ficção científica com uma forte relação aos mares (V. The Wake, adiante)? Este título passa-se num futuro não muito longínquo, mas depois de uma sucessão de desastres ecológicos - terramotos, maremotos, ondas gigantes, alterações na biosfera, etc. - que recartografam não apenas as geografias como os mapas económicos e sociais em todo o mundo, mostrando à sua maneira a interligação das actividades humanas e o balanço do planeta, e vice-versa. Claro que a concentração da série é num domínio mais restrito - a busca pela parte da tripulação de um barco de activistas ambientalistas e pacifistas, dedicados à protecção dos oceanos, pelo barco gémeo, The Massive, em águas conturbadas com pirataria e portos totalmente alterados, liderados por um branco do Bagladesh, ex-mercenário privado, chamado Israel (“tad much?”), cuja backstory vai fazendo incursões na presente história - mas há suficientes pistas e unidades textuais, sob a forma de vinhetas ou páginas “informativas”, fichas de personagens, excertos de textos dos protagonistas, fotografias, etc. que expandem a descrição desse mundo ficcional. A questão principal nesta paisagem pós-apocalíptica (v. Lazarus, também), e que se torna discutido explicitamente pelas personagens da série é saber se, numa(em) sociedade(s) que se desmorona, é possível uma reposta de respeito pelos outros e que não contribua mais violência. Quase sempre os cenários deste tipo dão azo à possibilidade de explorar ora actos de atroz violência ora, como contraponto, actos de abnegação de moralismos básicos (veja-se o péssimo Doomsday 0.1, de John Byrne); The Massive, porém, pretende antes tomar alguma atenção para com a forma como pode sobreviver uma verdadeira societas.

O desenho de Donaldson parece recordar aquela abordagem quase mecanicista e mínima de manuais de instruções, onde não há quase espaço para emoções ou uma expressividade mais fluida. As figuras são simples e competentes, destacadas em contornos fechados e sólidos, e cores decididas, contra fundos foto-realistas, alguns dos quais (senão todos) fruto de tratamento sobre fotografia, de facto (recordando algumas estratégias da mangá mais convencional, até). Porém, nada destas descrições deve dar a entender uma consideração negativa, bem pelo contrário, ajuda-nos a sermos mais céleres a entender as implicações das acções destas personagens numa constelação lentamente a esboroar-se.

Mind MGMT. Matt Kindt. (Dark Horse). Para todos os leitores dos trabalhos anteriores de Kindt (desde, pelo menos, Pistolwhip ainda na Top Shelf), estarão desde já familiarizados com as características perenes do autor. Um interesse pelo policial mas num sempre num ambiente pretérito – em termos gerais, entre o início do século e os tempos da Guerra Fria, sempre nos Estados Unidos -, que lhe permite explorar igualmente contornos estilísticos de outros géneros, ou a vasculhar elementos que componham esses mundos, agora fossilizados. Mind MGTM (sendo esta última palavra não uma sigla mas uma redução consonântica de “management”, gestão) tem lugar na contemporaneidade e se os primeiros momentos podem dar a entender contornos do fantástico, rapidamente nos aperceberemos que a trama nos colocará num enredo que envolve ficção científica, policial, espionagem, e todos os clichés de super-espiões, etc., se bem que a forma como lida com a “verdade histórica” (a Guerra do Golfo, eleições, etc.) pode ser problemática em termos éticos e culturais, e merecerá um estudo cuidado. A editora publicitava este título, com outros, como “redefinindo géneros”.

Kindt coloca como personagem principal uma jornalista de investigação, Meru, e pretendendo ela investigar o que havia sucedido num voo onde todos os passageiros, com uma única excepção, perderam a memória, vai dar de caras com outros casos inexplicáveis um pouco por todo o mundo, mas que estarão todos relacionados com agências secretas governamentais, sobretudo a Mind MGMT, que para todos os casos, parece dedicar-se ao estudo e manipulação das capacidades mentais dos seres humanos. Portanto, Intriga Internacional cruzado com X-Files, como todas as cenas-chave de cada um deles, e McGuffins que não o são. A narrativa é construída com duas “faixas”: a de um narrador aparentemente externo (mas que depois se altera, complexificando toda esta descrição), presente somente em legendas dactilografadas, sempre a comentar a par e passo, mas com alguma distância, os acontecimentos da outra camada, a da própria narrativa contada visualmente e pelas personagens. A negociação entre essas duas “faixas” cria uma muito interessante desnivelação, mas que é reforçada pelo trabalho visual do autor (cf. adiante). Tratando-se de um projecto de comic book mensal, o que não é habitual para Kindt, e ele mesmo explica no primeiro número, o autor procura várias dimensões que apenas são possíveis nesse formato, e que não procurará (diz) repetir nas colecções em volume (fichas de casos, pistas, enigmas). Para além, claro, dos mais normativos pontos típicos de cliffhangers. Nas pequenas bandas desenhadas de duas páginas a preto-e-branco que são impressas nas guardas das capas, ou nos três comic books de “secret files” publicados antes do lançamento da série-mãe, tenta-se expandir a história da companhia secreta. O desenho de Kindt, como se sabe, é devedor de toda uma escola dos alternativos, e a sua abordagem de breves, suaves mas decididas pinceladas para criar figurações abreviadas e expressivas colocá-lo-ia numa mesma família alargada que Glenn Dakin, Chester Brown e o “pai” deles, Jules Feiffer. No entanto, o uso de aguarelas ou ecolines sobre o papel de trabalho (cujas marcas o autor deixa visíveis, nunca deixando que se acolha a ilusão de estarmos a ver “um mundo”, mas apenas desenhos em papel) dá-lhe uma materialidade a um só tempo mais viva e mais opaca.

Punk Rock Jesus. Sean Murphy (Vertigo). A premissa de um Jesus clonado não é propriamente original (existem romances em torno da ideia, desconhecemos se de qualidade), e muito menos o emprego da sua figura, em termos históricos ou religiosos, em livros, já para não falar de cinema, que pretendem criar um espelho e crítica da religião que nasceu do seu nome (Robert Graves, Nikos Kazantzakis, Mikhail Bulgakov). Murphy parte de um contexto de ficção científica e projecção social (exacerbando a presença dos reality shows), para mostrar as consequências nefastas provocadas pela prometida chegada de Jesus, através do seu nascimento numa mãe de aluguer, e a cobertura da sua vida 24 horas por dia numa cadeia de televisão. Para não entrarmos em pormenores da intriga, que acaba por se tornar secundária, e envolve questões de redenção, ética científica, negócios do entretenimento, crimes político-religiosos na Irlanda/Reino Unido, e os cristãos fundamentalistas norte-americanos, o jovem Chris, ou Jesus 2, acaba por se rebelar com essa vida confinada, e torna-se um dedicado punk rocker, cuja banda se dedica à desconstrução da cultura que lhe havia servido de cadinho. Claro está que aqueles que “lhe deram origem” não podem perder o seu investimento, e o conflito está instalado.

Infelizmente, o tipo de crítica à religião aqui presente, sobretudo aquela que se costuma de chamar de “organizada” (como se houvesse outra), é demasiado banal, e por vezes algo pedante quanto à própria moralidade dessas religiões. No fundo, o que emerge aqui é uma moral de justiça contra a hipocrisia de alguns sectores das religiões, mas que se poderia aliar à moral de justiça existente noutros sectores dessas mesmas religiões. Não obstante, Murphy revela criar personagens não apenas interessantes, diversas e vivas, como dominar diálogos credíveis e a um só tempo densos e fluidos. O facto de Murphy ser um excelente artista que gosta de tecer variadíssimos níveis de pormenores nas suas composições (sobretudo grandes planos de espaços cheios e cheios de personagens), leva a que os leitores se possam perder neles. E as repetidas composições em double spreads torna o ritmo deste título como que grandíloquo, apesar da escala quase doméstica. A aposta rara, mas notável, de permitir ver o trabalho de linha sem cor (estamos a falar do mainstream, afinal) reforça essas mesmas linhas que, se numa primeira abordagem superficial, nos podem parecer naturalistas, de figuração convencional, clássicas, etc., numa análise mais atenta revelarão o prazer que Murphy tem em provocar linhas barrocas, excessivas, do prazer do desenho.

The Wake. Scott Snyder e Sean Murphy (Vertigo). Tal como The Massive, este título de ficção científica tem contornos ecológicos, mas onde o trabalho de Wood é mais consciencioso em relação às verdadeiras implicações sociais, políticas e económicas desse “engajamento”, o de Synder e Murphy abandona-se antes a uma série de elementos típicos da fantasia. Isto não significa que seja desprovido de interesse, mas este emerge mais do lado épico da narrativa do que a de especularização da nossa realidade. De facto, adivinha-se que estes dez comic books construirão uma epopeia que atravessará toda a história humana, e além dela, já que existirão espécies “concorrentes” da nossa neste mundo. Existem pelo menos três linhas cronológicas: um futuro longínquo – mas “presente da narrativa” – em que o planeta se encontra coberto pelas águas e a Lua explode, o passado remoto da Terra, onde anfíbios pré-históricos caçam tubarões gigantes e “homens das cavernas” pintam enigmas por decifrar, e o nosso presente hipotético, no qual acompanhamos uma especialista em baleias, a Dr. Archer, a perscrutar os segredos de uma base ultra-secreta, que ocultam uma criatura metade homem, metade peixe (e não parece ser simpática como Abe Sapien). Todos esses elementos se vão encaixando, e adivinha-se que uma teoria da evolução alternativa encontrará nesta fantasia uma forte sustentação, para a criação de um forte mundo fictício, e uma provável batalha pela sobrevivência. Snyder começa, como é usual na sua escrita, a narrativa de uma forma paradoxalmente grandiosa (muitas personagens, diferentes momentos na cronologia, espaços imensos que atravessamos, conceitos estranhos desde logo lançados, etc.) e simples (cada informação é entregue com cuidado e entendemos que apenas mais tarde se encaixará numa imagem maior e consistente). E Murphy, apoiado pelas excelentes e maioritariamente glaucas cores de Matt Hollingsworth, gere bem a necessidade de flutuar entre vinhetas que ocupam a página inteira em vastas paisagens cósmicas ou marítimas, e confinados e convolutos espaços subaquáticos.

Polarity. Max Bemis e Jorge Coelho (Boom! Studios) Esta editora tem um catálogo muito variado em termos de géneros e tons, até por estar associado a “licenciamentos” de personagens de animação, televisão e literatura fantástica (The Regular Show, Adventure Time!, Farscape, etc.) e, por outro lado, alguns títulos adaptados ao cinema. Além disso, tem alguns títulos muito favoritos ou mesmo de culto. Mas apesar dessa diversidade, e até uma primeira abordagem de entusiasmo da nossa parte para com alguns autores de que tínhamos curiosidade (como Clive Barker, que regressara ao seu Hellraiser, com um grande contributo decisivo para o seu mythos original, ou a sua nova série Next Testament, ou a continuidade de alguns títulos mais recuados), a esmagadora ou se tem arrastado por extensões desinspiradas, ou algo inconsequentes (o caso de Barker) ou então apenas meros exercícios de parvoeira em torno de géneros (zombies e westerners com animais, etc.). As suas explorações em torno de super-heróis tem criado algum material de interesse (como os títulos de Mark Waid), mas quase sempre dentro daquela linha já habitual de desconstrução dos modelos habituais. E outras coisas risíveis, como os projectos associados a Stan Lee.

Ora Polarity é também um título que tenta agarrar na ideia de super-heróis e encontrar-lhe uma faceta que não tenha sido explorada ainda. E consegue-o, parece-nos. O protagonista, Timothy Woods, é um jovem artista plástico que descobrimos sofrer de bipolaridade, mas rapidamente nos aperceberemos também de que esse estado da sua saúde mental está ligado a uma intriga governamental que tenta controlar pessoas com super-poderes. À Homem-Aranha original (ou o retomar dos Ultimates), seguimos as consequências da tensão entre controlo e libertação desses poderes por Timothy junto às pessoas com quem se dá, desde os amigos, conhecidos que não suporta do mundo das artes, o seu psicanalista, e, inevitavelmente, o novo interesse romântico. Se o projecto começou com um ritmo muito próprio, e mais próximo do quotidiano real e das sub-culturas retratadas do que da espectacularidade mais comum do género, a segunda metade da série acabou por ser coberta por essa segunda escolha, quase, até certo ponto, ocultando os aspectos frescos convidados pela primeira. Jorge Coelho opta por toda uma diversidade de composições, procurando um concerto entre estruturas mais regulares e outras mais retóricas, e no último número com soluções mais dinâmicas e audazes, adaptando tudo muito bem às necessidades intrínsecas ao que é representado e ao ritmo do que é pedido. A sua figuração está aqui mais “esticada”, e apresenta-se com uma excelente diversidade de tipos humanos, como é próprio também à narrativa. As cores de Felipe Sobreiro são graciosas e simples, e têm uma qualidade que recorda um delicado trabalho a aguarela. Sendo Max Bemis músico, as referências a todo um mundo nova-iorquino contemporâneo, a um só tempo (ou é antes redundante?) hipster e douchebag, são expectáveis, ricas mas por vezes algo obscuras fora do seu circuito; havia ainda uma canção associada a cada número, mas desconhecemo-las. 

Über. Kieron Gillen e Caanan White (Avatar Press). A Avatar parece ser uma casa apostada em projectos que pegam nos géneros e elevam-nos ao “11”, ao excesso; seja através da violência, do sexo ou do abjecto (recordemo-nos dos vários projectos de Moore, Ellis, etc., sobretudo Neonomicon), ela é a plataforma ideal para projectos que poderiam ser vistos como controversos noutras paragens. Num conjunto de “regras” sobre como escrever boa ficção científica, o escritor Keith Graham preconiza, enfaticamente, “No Nazis!” Esse é um excelente conselho, pois as mais das vezes, o uso de nazis é um atalho para criar um vilão cujas razões de ser, motivos e visão do mundo, modo de comportamento, desenvolvimento de personalidade, não precisam de ser expostos. São simplesmente a “maldade incarnada” e, como tal, nem sequer ponderamos se o protagonista deve ou não recorrer a actos violentos para os combater. É raro que nasçam trabalhos de qualidade que os envolvam (mesmo em Hellboy, reside aí uma parte dos problemas do seu início). No entanto, Gillen é um autor britânico, e numa entrevista ele alertou para o facto de que no seu país a prevalência de “war comics” é muito maior do que nos Estados Unidos, logo, talvez aquela proibição deva ser vista como limitada à forma como o assunto é tratado nesse país, ao passo que na Europa poderá haver tratamentos mais “redondos”, digamos assim. E de facto o escritor parece querer levar essa noção a um seu extremo, criando um princípio ficcional no qual os nazis, já nos estertores finais da 2ª Guerra Mundial, e quase no momento de rendição, acabam por conseguir desenvolver e libertar um dos seus projectos das “armas fantásticas”, a saber, um conjunto de seres transformados com super-poderes. Existindo classes diferentes (“Couraçados”, “Panzer”, etc, adivinham-se especializações dessas capacidades), são todos conhecidos por Übermensch, ou por palavras mais simples, Super-homens e Super-mulheres nazis. O conceito, se não é novo, tem aqui um tratamento mais completo e ancorado na história e na natureza humana (e supra-humana). Sendo um encontro curioso (ainda que hiperbólico) de banda desenhada de guerra e de super-heróis (e de horror), o que se explora são as implicações nos movimentos do conflito, mas também nas personalidades particulares envolvidas, quer dos oficiais alemães quer dos próprios Über, e nos limites éticos do que se faz em nome das ideologias, guerra e pátria (sempre noções que preparam o ser humano para cometer crimes hediondos “justificados” fora dele mesmo). E o autor não pára de se desdobrar em posfácios explicando os seus medos e limitações neste acto criativo.

A Avatar não é particularmente conhecida por ter uma equipa de artistas com interesses para além da sua província reduzida. Quase todos pertencem à escola do “barroco” e “detalhado” à la Geoff Darrow, mas sem o mesmo tipo de estilização e elegância de design. Talvez Juan Jose Rip, apesar das figurações musculadas, seja aquele que melhor consegue equilibrar esses exageros, mas Caanan White é muito desequilibrado nas suas personagens. É por vezes difícil avançar numa história quando a matéria visual – e a banda desenha, sendo uma forma de arte visual, ainda que um modo específico – é algo desaprazível.

God is Dead. Jonathan Hickman, Mike Costa e Di Amorim (Avatar Press). Independentemente do que se disse da qualidade geral dos projectos da Avatar em termos visuais, a verdade é que autores como Ellis, Ennis, Moore e Gillen fazem com que tenhamos alguma atenção para as formas como se exploram esses tais “excessos”. Este outro projecto, nas mãos de Hickman, o que puxa logo a atenção, acabou de ser lançado, portanto haverá seguramente outras considerações a tecer mais tarde, mas faz-nos crer numa mínima linha de força a perseguir (ao contrário, por exemplo, dos projectos de adaptação da literatura de Moore, mesmo como Fashion Beast, que nem sempre funcionam).
Depois de Preacher, Sandman, Supergods, Chosen, Promethea, e tantos outros títulos que têm deuses (inclusive aquele a que se chama Deus) como personagens participantes, ou de alguma forma tocando nas raias da divindade, Hickman e Costa pretendem criar uma narrativa que verse o mesmo tema, mas com a presença de outros elementos de géneros diferentes. Muito sucintamente, todos os deuses são reais, e estão de regresso, mas não com intenções benfazejas: o intuito é conquistar, preferencialmente através da violência, todo o globo, deixando hordas de fanáticos de todas as religiões a reescrever os mapas sociais. Infelizmente, o primeiro número é pejado não apenas de clichés e limitações culturais, algumas das quais algo ignorantes e perigosas (tratar tudo como “o mesmo” ou equivalente”), e algumas das soluções narrativas são algo infantis. Hickman divide a tarefa da escrita com Costa, mas independentemente de responsabilidades, o que importa é o resultado final… Por outro lado, há o visual. Não há como dizer de outro modo: a dimensão visual deste projecto é terrível, e provoca-nos um efeito que acontece repetidamente na Avatar, que é atravessar pela leitura de um projecto que tem dimensões interessantes e fortes (graças àqueles escritores indicados) mas cuja submissão a maus artistas faz tropeçar na sua fruição. Eis um desses textos que nos vemos “obrigados” a seguir, mas que rapidamente pode ocorrer abandonar.
Nota final: Agradecimentos a Jorge Coelho, por avisar sobre Punk Rock Jesus e, claro, o seu Polarity. Imagens empregues colhidas da internet ou ficheiros digitais.

4 comentários:

Loot disse...

Claro que por vir de um português pode soar a imparcial, mas acho mesmo que o ponto mais forte de Polarity é o trabalho do Jorge Coelho. Concordo que o livro começa bastante bem, é uma forma diferente de abordar um tema sobre-explorado, mas há medida que a narrativa vai avançando, vai-se perdendo em clichés... é pena.

De resto estou a pensar experimentar o Punk rock jesus nos tempos próximos.

SAM disse...

Obrigado por este artigo. Já conheço todos os títulos, se não de ler pelo menos de nome (excepção feita Uber).

Tenho tb a dizer que graças aos seu anterior artigo da Image, vou ler umas quantas coisas novas. A encomenda da Amazon deste mês já está farta.

Pedro Moura disse...

Aconselho vivamente a 1. tentar perceber o que está disponível (mais tarde, é certo, mas disponível) na Bedeteca de Lisboa (se for de Lisboa,claro); 2. criar uma rede de amigos e fazer compras a "meias" (A compra isto, B compra aquilo), 3. outra rede de amigos que já sigam séries e não se importem de emprestar; 4. vias ilegais.
Claro, crédito estourado em lojas físicas ou online é uma solução, mas complexa.
Pedro Moura

José Sá disse...

Por falta de soluções, sou forçosamente um adepto da solução complexa. Mind MGMT HC já está há duas semanas na minha wishlist do Book Depository. (penso) "Vá lá são só 14,22 euros se usar o cupão de 10%". E esqueço quantas vezes já carreguei no botão "order now", que cada vez mais me faz lembrar o filme do Coppola, e de quantas coisas do passado gostaria de ter. É saudável imaginar sequer algum dia ter a colecção completa do Cerebus? Sendo essa a minha definição máxima de loucura cómica, à qual certamente não chegarei, Mind MGMT, "order now", click...

Obrigado um abraço.