É
com imenso pesar e choque que fico a saber da morte do amigo Geraldes
Lino. A ideia de um "amigo pela bd" poderá ser estranha,
mas todos os que com ele se cruzaram sabem que estes elogios não são
em vão. De uma maneira ou outra, muitos sabem que ele foi cicerone a
tanta, tanta gente, fossem aspirantes a artista ou fossem intensos
leitores.
Não
fui amigo íntimo do Lino. É verdade. Mas muitos sabem que mesmo não
sendo amigos íntimos, quando se falava com ele, era como se fosse.
Deve
ter sido no final dos anos 1980 que me cruzei com o Geraldes Lino
pela primeira vez, ainda eu não fizera 20 aninhos, dando-me as boas
vindas a exposições no Palácio da Independência. Eu era tímido e
não conhecia ninguém. Era apenas um puto que gostava de bêdê.
Demoraria algum tempo a conhecer o meio. Mas sempre teve uma boa
palavra, uma dica para onde encontrar coisas raras, a loja certa. Em
1994, organizou um encontro com o Will Eisner na Amadora, e entraram
algumas poucas pessoas numa sala. Por alguma razão, eu sentei-me a
essa mesa, mas caladinho que nem um rato.
Depois
lá fui aprendendo, conhecendo pessoas, escrevendo. E o Lino sempre a
apoiar, a relembrar uma referência, a partilhar um contacto. Sempre
nos tratámos pela terceira pessoa. Sou de trato fácil, entro logo
no “tu”. Mas com o Geraldes, havia sempre uma ideia de que era
necessária deferência. Os que o conhecem sabem que é mentira, não
era preciso. Mas era assim connosco. Falávamos com franqueza, por
vezes combatíamos ideias distintas, mas sempre com amizade e rigor.
E deu-me tanta coisa. Material, também, nas poucas vezes que fui à
tertúlia, e noutras ocasiões. Mas sobretudo noutras dimensões. O
que é que eu terei feito, ao longo destes anos, que não tivesse
tido algum apoio, ajuda directa, um ouvido atento, no Lino? Eu
digo-vos: nada. Mesmo que não falasse directamente com ele, mesmo
que não tivesse oportunidade de lhe perguntar, escutava-lhe a voz
roufenha, “Ó, Ó Pedro Moura, não seja assim! Já quando o vi na
Bedeteca lhe tinha dito...”
O
Geraldes Lino era um daqueles “leitores ideais” que estava sempre
na minha mente.
Sabem
que mais? Não vai deixar de o estar.
2 comentários:
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Pedro, no fundo é isso mesmo.
Bonito texto, que reflecte muito bem o que o Geraldes Lino era para todos os que de alguma forma gostam de BD em Portugal.
Fico apenas com a tristeza/alegria da última vez que tive com o Geraldes Lino foi na apresentação do meu livro "O Elixir da Eterna Juventude". Contente porque foi num momento muito marcante para a minha vida, mas triste porque a provocação mais gira ao Sérgio Godinho veio dele e isso deixa-me saudade.
Abraço.
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