Estes dois imensos livros fazem remontar os seus princípios
à famosa noção de Cícero, na busca de discursos de perfeição em que a tarefa da
instrução se articule da forma mais entrelaçada com os movimentos do deleite. Isto
é, estimulando o entendimento cognitivo sobre uma área qualquer de
conhecimentos, procura-se ao mesmo tempo que haja um decisivo estímulo dos
sentidos e de inclinar os afectos. (Mais)
Sous l’eau/Sous la
terre é um livro biface, apresentando de um lado tudo o que é relativo ao
que está sob a superfície da terra, precisamente, e do outro, das águas. O livro
tem um formato “normal”, mas deve ser folheado de forma a que a espinha fique
na horizontal e em cima, ou seja, o folhear do livro é feito não da esquerda
para a direita, mas de cima para baixo, como se se imitasse, conforme o lado,
uma descida pelas camadas da terra ou uma descida pelos abismos dos oceanos.
Os autores são conhecidos sobretudo pelo livro anterior que
fizeram dedicados a mapas temáticos de umas dezenas de países, mas aqui o tema
é mais cerrado, a informação menos generalista e/ou simbólica, mas antes detalhada,
mesmo que haja um desdobramento em várias frentes. Por exemplo, na parte da
água, não são apenas os animais que habitam os oceanos, sejam peixes, mamíferos
ou outros, inclusive aquelas estranhas criaturas do fundo do mar. Há também
partes dedicadas à evolução dos submarinos e dos escafandros, questões sobre a
composição das águas e o comportamento da gravidade nelas, os mergulhos mais
famosos e o que se passa num recife de coral, o TItanic e as Marianas. Do lado
da terra, visitamos desde as criaturas mais pequenas aos mamíferos maiores que
fazem tocas complexas. Mas estudam-se também raízes, tubérculos, minerais,
assim como grutas naturais, artificiais e vestígios fósseis de criaturas do
passado. De uma forma divertida, e como não poderia deixar de ser, as duas
partes do livro encontram-se no centro a terra, onde não descansa o seu núcleo.
O desenho não é particularmente genial e pormenorizado, mas
antes abonecado, descontraído e esquemático, recordando todavia algumas abordagens felizes na identificação
fácil e rápida dos seus objectos. Alguns dos capítulos, porém, são mais
elaborados, como as cenas nos corais, cuja coloração é faustosa. Os textos são
na maior parte das vezes sumários e concentrados, mais convidando a uma
consulta rápida e um entendimento simples. As capas, por sua vez, mesmo na sua
qualidade algo tosca, podem recordar os volumes luxuosos da Hetzel do final do
século XIX (Verne, etc.), de uma forma desviada, com os seus títulos textuais
no centro e depois rodeados de figuras temáticas, e em cores matizadas.
Astrogato tem um
formato igualmente grande, ainda que num formato mais normalizado, com um
enorme quadrado. Uma vez que é escrito por um físico, a informação é mais
elaborada, fidedigna e não se coíbe de abordar pontos mais ou menos complexos.
Aqui há mesmo um convite a ler cada quadro como parte de uma argumentação maior,
e cada nova informação vai encaixar-se num entendimento maior mais à frente. É
este livro que fala de “factóides” no fim, mas a verdade é que todos os factos
têm uma integração maior entre si do que no caso anterior. Temos os suspeitos
do costume, com a formação do Universo e a vida das estrelas, a descrição do
sistema solar, os seus planetas individuais e as estrelas visíveis, assim como
alguma história da exploração conseguida até à data pela sociedade humana, como
as viagens até à Lua, ou a Estação Espacial Internacional. Depois seguem-se
algumas partes mais especulativas (e divertidas, mas inteligentes) como a de pensar
que tipo de vida diferente existira noutros planetas ou como sustentar a vida
em planetas inóspitos.
O arranjo das páginas é fantástico, com uma distribuição de figuras,
informação visual e texto muito equilibrada. As cores, vivas mas sem ser
garridas, pintadas como se se usasse difuso, e balançadas em contrastes elegantes,
tornam a leitura (no seu sentido holístico, visual) um acto de grande fluidez e
calma, o que serve de bálsamo à quantidade de informação teórica a ser
alimentada. As figuras inclinam-se a recordar as grandes estilizações típicas
dos anos 1950-60, levando a uma legibilidade imediata (mesmo que haja algumas
criaturas, como os tardígrados, estranhamente representadas).
Ambos os livros tiram partido de composições de página
variados, como convém a uma enciclopédia visual. Conforme as necessidades, as
imagens podem procurar uma maior compartimentação, em secções ou caixas
inseridas, ou uma subdivisão de um mesmo espaço em áreas ou pelo menos ocupado
por vários elementos, objectos e intervenientes. O de Astrogato é aquele que mais segue a lógica da divisão compartimentada,
ao passo que o dos Mizielinski opta antes por paisagens habitadas.
De uma maneira ou outra, são livro cuja linguagem é
extremamente acessível (passando o idioma, claro) a leitores em idade escolar e
que se comecem a preocupar com “porquês” e sobretudo “comos” mais complexos e
dirigidos. Além do mais, seja pelos traços mais descontraídos de Aleksandra
Mizielinska ou a abordagem mais precisa de Bem Newman, mas acima de tudo pela
elegância do conjunto melífluo, são ambos belíssimos objectos, que certamente
servirão para aprender muita coisa, e não apenas da matéria debatida.
Nota fina : agradecimentos aos Castro-Duarte, pela
oferta de Sous… e à Orfeu pela de Astrogato.
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