Estes dois livros fazem parte de uma série, ou colecção, que
Letria tem explorado na sua editora. Chamada Desconcertina, até à data os seus títulos partilham os mesmos
princípios formais mas, mais importante, um mesmo espírito, que eleva estes
livros de meros objectos de entretenimento infantil a instrumentos ideais para
pensar. (Mais)
Os livros em acordeão, ou leporello,
têm 12 pranchas, não existindo, por isso, qualquer “desperdício”. Aqui não há lombadas,
guardas, folhas de título: cada parte do livro é já uma unidade das suas
narrativas respectivas (como sempre podem fazer mas, muitas vezes, não o fazem).
Temos as capas-invólucros, é verdade, que servem de suporte e protecção física
mas também comportando o cólofon. Formato utilizado sobretudo para a
coordenação cumulativa, mas não necessariamente sequencial, narrativa, de imagens
(fotografias, paisagens, retratos de indivíduos ou grupos, etc.), quer no
Ocidente quer na Ásia, sempre que é empregue para esses fins há usualmente uma
exploração particular dessas relações. Letria cria um progresso simples. Linear,
focado, centrado, e com recursos gráficos reduzidos (figuras afastadas e no
meio da paisagem, movimentos mínimos ou esquematizados, exacerbação de espaços
internos em acção versus partes estáticas, ausência de texto, título de uma só
palavra, e paleta a preto ou cinzento, duas gradações de uma cor, e tirando
partido do branco, que de “vazio” passa a “pesado”, emprego de um efeito de
livro usado), a velocidade da curta intriga e a súbita revelação na última
imagem é o centro de todo o gesto.
Em Outono vemos as
folhas de uma árvore a cair. Terá efeitos em quem as observa? E é esse um
efeito real, emotivo ou metafórico? Em Partida
estamos numa plataforma de gelo, e um jovem inuíte cria uma máquina gelo que
lhe permite explorar outros locais. Não sabemos quais nem o acompanharemos,
apenas o seu processo de preparação.
Porque estão estas personagens isoladas? Porque o permanecem,
sem que haja um “final feliz”? Isso é discutível, contudo, já que num caso (Partida) a promessa é cumprida e a
história só aí começa, e no outro (Outono)
ela decorre até um fim claro, se bem que, elíptico que é, obriga a começar
outro tipo de aventura. O da interpretação.
Se em ambos os casos, fechados na sua história, o fim é sempre
uma pequena “surpresa!”, só depois de ler é que se desempacotará a verdadeira
surpresa.
Nota final: agradecimentos à editora, pela oferta dos dois
volumes.
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